Postado por Admin.Capela em 27/ago/2009 - Sem Comentários
“Revistam-se, ó Senhor, os teus sacerdotes de justiça“.
(Salmo 131, 9)
Por Carlos Magno da S. Oliveira
Aquele velho dito popular, alterado pelo título deste artigo, é normalmente atribuído às aparências. Como apresentado pelo Dicionário Aurélio a palavra “hábito” tem como significado a roupagem de frade ou freira. Por roupagem entende-se o aspecto exterior. A batina, por sua vez, significa a veste talar dos abades, padres e seminaristas, sendo instituída pela Igreja, ainda do século V, com o propósito de dar aos seus sacerdotes um modo de vestir sério, simples e austero. Guardando esta tradição, o Código de Direito Canônico impõe o hábito eclesiástico a todos os sacerdotes.
No entanto, o que observamos hoje em dia é um total abandono, não só do hábito por parte dos frades, mas também da batina por parte dos padres. Além disso, o termo “largar a batina” significa apostatar, isto é, desertar da fé e não querer ser mais padre. Não vamos questionar esse sentido, pois o assunto não é o propósito dessas linhas. Outrossim, são raras as ocasiões em que podemos admirar um padre usando a batina.
A batina está para o padre, assim como a farda está para o soldado; e um exército sem farda transforma-se em uma horda, em um bando de indisciplinados e malfazejos. Dos milhares que abandonaram o sacerdócio depois do Concílio Vaticano II, praticamente nenhum abandonou a batina no dia anterior ao de ir embora: tinham-no feito muito antes. Dessa forma, deixar de usar a batina é um passo próximo ao de largar o sacerdócio.
Além do mais, a batina simboliza a túnica de Nosso Senhor Jesus Cristo que os religiosos assumem, para serem, entre o povo, como Cristo. É, também, a forma de exteriorizar a separação entre as demais pessoas e refletir uma vida mais perfeita e penitente. Repudiar o uso da batina é o mesmo que repudiar este sinal de referência a uma vida religiosa, logo pressupõe-se que outras atitudes foram, do mesmo modo, deixados de lado.
Padre sem batina continua padre, haja vista que o caráter sacerdotal jamais se apaga da sua alma, mas vestido como um leigo, o padre nivela-se a um qualquer, tende a levar uma vida natural como todo mundo e esquece, portanto, seu caráter sacerdotal.
Embora digam que o hábito não faz o monge, ao menos o ajuda a postar-se como religioso – o mesmo vale para os padres com relação à batina. Não faz, mas mostra! A identificação de um padre deve ser tratada com prioridade, uma vez que um padre não é um homem como todo o mundo. Destarte, o padre é, se não, o sacerdote do Altíssimo, um ministro de Deus na Terra.
Vestindo-se como todo o mundo o padre adota condutas alheias ao seu oficio e tende passar a agir de modo igualitário. Tornou-se, então, bizarro, por parte dos modernistas, o uso da batina e do hábito, mas esse comportamento trouxe conseqüências drásticas para o clero, e, por conseguinte à Igreja. O modo como o padre era olhado do exterior também se alterou (o padre detinha um poder simbólico e exercia um magistério social inquestionável). E, por fim, e para resumir, a maneira como o padre olha para si mesmo reflete também novas interrogações, expectativas e possíveis caminhos.
À medida que a visibilidade da batina ou hábito diminui, cresce a aparência secular, leiga e em alguns casos até profana do sacerdote. Ao contrário dos ensinamentos da Igreja de que os padres devem abster-ser de tudo que não convém ao estado clerical, verificamos que, na contra-mão da tradição, os padres estão cada vez mais parecidos com os demais. A batina é, por assim dizendo, um despertador silencioso, para com a responsabilidade assumida no momento da ordenação Quando se despreza o uniforme, se despreza a categoria ou classe que este representa, e não há compromisso quando exteriormente nada diz do que se é.
A batina desperta o sentido do sobrenatural, marca presença e destaca o sacerdote dos demais. Aqueles que tiram a batina, rechaçam as tradições de sempre e depois se queixam da crise, da falta de vocações e dos comportamentos heréticos por parte dos católicos. Não restam dúvidas de que a dessacralização é fruto desse igualitarismo por parte do clero.
O hábito e a batina preservam os religiosos e padres de muitos perigos, pois como dizia o Pe. Eduardo Regatillo: “A quantas coisas se atreveriam os clérigos e religiosos se não fosse pelo hábito!”. A realidade nos mostra exatamente isso. Os padres agora se deram a ser cantores, poetas, apresentadores, políticos, menos padre! Para seguirem esse devaneio os padres precisam comportar-se como os demais, ou seja, à paisana. Ao se colocar no nível do mundo, este o sacudirá, à mercê de seus gostos e caprichos. Haverá de ir com a moda e sua voz já não se deixará ouvir como a do que clamava no deserto coberto pela veste do profeta vestido com pêlos de camelo.
O sacerdote deve ser exemplo da humildade, da obediência e da abnegação do Salvador. A batina e o hábito o ajudam a praticar a pobreza, a humildade no vestiário, a obediência à disciplina da Igreja e o desprezo das coisas do mundo. Vestindo a batina, dificilmente se esquecerá o sacerdote de seu importante papel e sua missão sagrada ou confundirá seu traje e sua vida com a do mundo.
São Bernardo lembra que a vestimenta dos padres deve ser o sinal exterior de suas virtudes interiores. O Concílio de Trento traz a famosa expressão (muitas vezes deturpada em seu sentido original): “Mesmo considerando que o hábito não faz o monge, é necessário que os religiosos vistam sempre um hábito adequado a seu estado.” O primeiro Concílio de Milão (1565) impôs a cor negra e o quarto (1576) lembra a obrigação de usar a batina na Igreja mesmo quando não se use a capa.
O Papa Sixto V, trará, por assim dizer, a pedra final ao edifício com a Constituição “Cum Sacrosancta”, obrigando os padres a usar a batina. Impôs punições severas a quem desobedecesse. Quatro anos mais tarde esta lei será abrandada, voltando à interpretação mais genérica que prevalecera no Concílio de Trento; os padres devem usar um hábito conveniente a seu estado e de acordo com as disposições de seu bispo.
O Código de 1917 (can. 136) pede aos padres que usem um hábito eclesiástico conveniente (decentem) segundo os legítimos costumes do lugar e do Bispo. Sem outras definições mas com penalidades que podem ir até à perda do cargo ou estado clerical.
Pouco antes do Concílio Vaticano II, o Sínodo de Roma de 1960 lembra que os padres residentes em Roma devem usar a batina. Nos documentos posteriores ao Concílio encontramos, sobretudo, argumentação para convencer os padres a usar a batina nesta época de tantas contestações.
Em 1966, a Conferência Episcopal Italiana aconselha que para “vantagem pessoal do padre” e “edificação da comunidade, a batina deve ser a vestimenta normal dos padres”; o clergyman sendo reservado para as viagens ou quando for necessário por comodidade…
Neste mesmo ano, a Cúria alerta que os padres que trabalham no Vaticano devem usar a batina. E Paulo VI se lamentou em 17 de Setembro de 1969: “fomos longe demais na intenção, em si louvável, de inserir o padre no contexto social, até o ponto de secularizar sua forma de viver, de pensar, e mesmo seu hábito, com o grave risco de enfraquecer sua vocação e de ridicularizar seus compromissos”.
O Papa João Paulo II em um discurso no ano de 1978 disse ao clero: “Não nos iludamos julgando servir o Evangelho se tentamos ‘diluir’ o nosso carisma sacerdotal mediante um interesse exagerado pelo vasto campo dos problemas temporais, se desejamos ‘laicizar’ o nosso modo de viver e de proceder, se apagamos até os sinais exteriores da nossa vocação sacerdotal. Devemos conservar o sentido da nossa singular vocação, e tal ‘singularidade’ deve exprimir-se também no nosso vestuário exterior. Não nos envergonhemos! Sim, estejamos no mundo! Mas não sejamos do mundo!” (Papa João Paulo II, discurso ao clero romano).
Recentemente o Papa Bento XVI exortou os padres católicos a recuperarem o uso da batina para estarem presentes, identificados e reconhecidos nas várias áreas da sociedade moderna: “É urgente recuperar a consciência que impele aos sacerdotes a estarem presentes, identificáveis e reconhecíveis, tanto pela sua fé, pelas virtudes pessoais como pelos hábitos, cultura e caridade que foi sempre o centro da missão da Igreja “. (Bento XVI em audiência com a Congregação para Clero).
Isto posto, resta-nos rezar pelos poucos padres que ainda usam batina para que não a abandonem, uma vez que o que temos por dentro se reflete por fora e, principalmente, pelos que não a usam: Ó Jesus, Sacerdote eterno, dai à vossa Igreja sacerdotes piedosos, zelosos e santos, que a vosso exemplo sejam adoradores perfeitos do Pai que está no Céu. E se entre aqueles que chamastes alguns existem que se desviaram ou se tornaram indignos de sua vocação, chamai-os e acolhei-os novamente, Senhor, reparando com a abundância eficaz de vossa graça as faltas cometidas, a fim de que não haja na pátria brasileira mãos indignas que profanem os vossos mistérios de amor. Nós Vo-lo pedimos por intermédio de Maria Santíssima, nossa e Vossa Mãe e Rainha do Clero. Assim seja.
Postado por Admin.Capela em 14/ago/2009 - Sem Comentários
Concílio Ecumênico Vaticano II: Um Discurso a ser feito, de Monsenhor Brunero Gherardini
Para aqueles que se interessam pela Teologia, é inegável que a discussão sobre o Magistério do Concílio Ecumênico Vaticano Segundo e do Magistério que se seguiu a este mesmo Concílio ocupa hoje o centro das atenções e dos estudos daqueles que têm amor pela Igreja e um mínimo de espírito realista para perceber a crise que fulmina o Corpo Místico de Cristo, que é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. É imprescindível apreciar, então, qual a relação entre a crise doutrinal e moral que assola a Igreja e o Concílio Vaticano II. Trata-se de uma relação de causalidade? Que tipo de causalidade? De ocasionalidade? Pura coincidência?
Nesse sentido, ou seja, de uma análise verdadeiramente teológico-científica do Concílio Vaticano II, são já numerosas as iniciativas que surgiram nos últimos anos. Podemos citar, por exemplo, a criação do Instituto Bom Pastor com seu dever de crítica construtiva ao Magistério Conciliar; o congresso teológico realizado pelos dominicanos de Toulouse sobre a hermenêutica da ruptura ou da continuidade relativas ao Concílio; a publicação do livro de A candeia debaixo do alqueire do Padre Alvaro Calderon. A última publicação de relevada importância quanto ao último Concílio, porém, é a de Monsenhor Brunero Ghuerardini: Concilio Ecumenico Vaticano II: Un Discorso da Fare. E é preciso reconhecê-lo que ela é quoad clerum ao menos, a de maior importância, dado o autor e a sobriedade com que ele apresenta a sua crítica.
Monsenhor Gherardini é considerado por muitos como o último teólogo da escola romana, que conta entre os seus grandes nomes os dos cardeais Franzelin, Billot, Parente e outros como o de Monsenhor Piolanti. Monsenhor Gherardini foi o Decano de Teologia da Pontifícia Universidade Lateranense em Roma, sendo responsável pela cátedra do importantíssimo De Ecclesia (Eclesiologia), que é a nosso ver a matéria de maior relevo quanto ao que concerne à crise atual. Monsenhor Guerardini é também cônego da Basílica Vaticana de São Pedro. É, então, de um homem entranhado de romanidade, de respeito à hierarquia e ao Magistério e de um eminente teólogo (que conheceu, além disso, muito bem o mais alto ambiente filosófico-teológico eclesiástico anterior e posterior ao Concílio) o livro do qual vamos agora expor alguns pontos em prol da sã teologia, em prol de nossa Santa Mãe, a Igreja, e em prol da salus animarum.
Vale destacar, também, a oficialidade que reveste a publicação da obra de Monsenhor Ghuerardini, com prefácios de Dom Mario Oliveri, Bispo de Albenga, Itália e de Dom Ranjith, na época ainda Secretário da Congregação para o Culto Divino. São, então, um bispo e um arcebispo a quem o Senhor, por mediação do sumo pontífice, confiou uma parte de seu rebanho que aprovam a obra de Monsenhor Gherardini como uma grande contribuição para a serena consideração do Concílio. Ademais, a publicação é feita pela editora Casa Mariana Editrice, pertencente aos Franciscanos da Imaculada, que cooperam também e à sua maneira para o grande debate doutrinário sobre o Concílio.
Nesta breve apresentação da obra de Monsenhor Brunero Gherardini: Concilio Ecumenico Vaticano II Um discorso da Fare, não temos a intenção de esgotar todos os pontos de que trata o autor, mas simplesmente provocar as inteligências católicas à leitura do livro – que deve ser traduzido em breve para a língua francesa – e à reflexão séria sobre o tema a partir da exposição de alguns trechos do livro. Não nos cabe agora apresentar em forma de silogismo os argumentos que levam às conclusões do autor, mas tão somente apresentar em linhas gerais os assuntos tais como desenvolvidos na obra.
O livro de Monsenhor Gherardini começa pela constatação de que passados quase cinqüenta anos do último Concílio Ecumênico, a ausência de uma análise crítica e teológica verdadeiramente científica do Concílio Vaticano II é quase completa. No lugar dela o que existiram foram celebrações, comemorações, incensamento do Concílio, seja para afirmar a sua continuidade com a Tradição, seja para afirmar o começo de uma nova era na Igreja. O autor assevera, após esta constatação e passados quase cinqüenta anos de incensamentos ao Concílio, de celebrações intempestivas e contraproducentes, a necessidade de dar um passo atrás a fim de fazer uma “reflexão histórico-crítica sobre os textos conciliares, que busque as ligações deles – no caso em que efetivamente elas existam – com a continuidade da Tradição católica.” (pag. 17) Fica evidente, dessa forma, o porquê do título do livro: Concílio Vaticano Segundo: um discurso a ser feito.
Tal reflexão crítica é para o eminente professor um dos “mais urgentes deveres do Magistério eclesiástico, de cada um dos bispos e dos centros culturais católicos para o bem da Igreja; ao dever conjuga-se o direito do inteiro povo de Deus que lhe venha explicitado com clareza e objetividade o que foi o Vaticano II no plano histórico, ético e dogmático” (pag. 17). Ele propõe, em particular na sua súplica ao Santo Padre o Papa Bento XVI, uma grande volta aos textos do Concílio, um trabalho feito sem idéias a priori quanto à continuidade ou à ruptura no que concerne à Tradição, trabalho que objetiva o bem da Igreja e o fim da crise pós-conciliar: “O grande trabalho que deveria ser feito na desejada colaboração dos especialistas dos vários setores das ciências sagradas, provenientes de todo o orbe católico, poderia ser o de verificar se e em que medida o Vaticano II está ligado efetivamente, e não somente por intermédio de suas declarações, às doutrinas expostas ou pelos concílios, ou pelos Papas ou pelo ministério episcopal e transmitidas pela Tradição à vida mesma da Igreja” (pag. 57).
O autor em outro capítulo importantíssimo de sua obra considera a finalidade e a natureza do Concílio a partir do próprio Concílio. O autor destaca antes de tudo a finalidade e natureza do Concílio, a fim de diferenciá-lo dos outros Concílios Ecumênicos e em particular do tridentino e do Vaticano I. A finalidade do Vaticano II é, então, “não definitória, não dogmática, não vinculante dogmaticamente, mas pastoral. E, a partir disso, também quanto a sua natureza específica de Concílio Pastoral.” (pag. 47)
Ele analisa a Notificação de Monsenhor Pericles Felici quanto à classificação teológica da doutrina expressa no Concílio Vaticano II, o fato da existência de Constituições dogmáticas e de expressões que parecem indicar uma índole de peremptoriedade como “o Santo Sínodo ensina” ou “ensinamos e declaramos”. Levando em conta todos esses aspectos o eminente teólogo conclui que o Vaticano II não pode ser definido, em sentido estrito, dogmático e que as suas doutrinas que não são fundamentadas em definições precedentes não são nem infalíveis nem irreformáveis e por conseqüência não são vinculantes: quem as negasse não seria por esta razão formalmente herege. Por outro lado, “Aquele que o impusesse como infalível e irreformável iria contra o próprio Concílio” (p. 51) Quanto ao fato do Concílio Vaticano II declarar-se como Magistério Supremo, isso não significa que seja infalível ou irreformável. Nós indicamos o artigo do próprio Monsenhor Gherardini no Blog Disputationes Theologicae, no qual ele trata da questão ex professo.
A questão do assentimento devido aos diversos graus de Magistério é de suma importância para o entendimento do Magistério Conciliar e parece-nos ser a causa de inúmeros erros, seja dos sede-vacantistas, seja dos conservadores, seja dos “tradicionalistas” que afirmam a priori a obrigação estrita de aceitar integralmente e sem reservas o Concílio Vaticano II. Se alguém quer ser teólogo, é preciso distinguir freqüentemente. É preciso distinguir entre os graus do Magistério e conseqüentemente entre os diversos graus respectivos de assentimento. O intelecto só pode assentir de maneira absoluta à autoridade da evidência ou à evidência absoluta da autoridade, em um ato de fé. Esta evidência absoluta da autoridade está presente somente no Magistério infalível, devido à assistência divina. Daqui não se segue que se esteja livre para contestar abertamente o Magistério não infalível da Igreja, mas segue-se que é possível apresentar, com o devido respeito, nossas dificuldades à autoridade eclesiástica, a fim de que ela se pronuncie de maneira autêntica e definitiva. Não foi outra a atitude de Dom Lefebvre ao apresentar seu estudo Dubia sobre a liberdade religiosa à Congregação para a Doutrina da Fé.
No que tange ao documento conciliar sobre a Sagrada Liturgia – Constitutio Sacrosanctum Concilium -, Monsenhor Gherardini sustenta claramente a presença de significativas premissas sobrenaturais, afirmadas como princípios e de maneira abstrata (pag. 145). Todavia, a presença de inúmeras, largas e imprecisas exceções deixava uma porta aberta a todas as inovações (pag. 145). Uma porta não somente aberta, mas verdadeiramente escancarada. “E se alguém passou por ela para introduzir na Igreja não uma reforma litúrgica que harmonizasse, baseada nas suas fontes, a Tradição eclesial com as desejos do hoje em vista do amanhã, mas uma liturgia destruidora de sua própria natureza e de suas finalidades primárias, o responsável, em última análise é o próprio texto conciliar”. (pag. 147) Embora a Reforma litúrgica não tenha sido obra do concílio, “ela foi feita sob a égide dos princípios conciliares, interpretados à luz daquela abertura na qual o concílio mesmo os colocou.” (pag. 148) Uma reforma baseada na letra e no espírito do Concílio segundo o disposto pela Secretária de Estado no dia 29 de fevereiro de 1964. (pag. 148) Para Monsenhor Gherardini, a culpa é, então, da própria letra do Concílio e por conseqüência dos Padres conciliares, mesmo que seja uma culpa só material.
En passant, o autor faz ainda referência às doutrinas que permeavam o pré-Concílio e que foram corrigidas por Pio XII, mas que encontraram na Assembléia Conciliar grande apoio e recepção. Entre essas doutrinas que têm forte impacto sobre a liturgia o eminente teólogo destaca: “uma Igreja de face predominantemente humana, um Corpo Místico predominantemente sociológico, um sacerdócio eminentemente comum, uma eucaristia predominantemente refeição ritual, uma Missa predominantemente assemblear (comunitária), uma liturgia predominantemente em vernáculo e declarada principalmente meio exclusivo de salvação e de apostolado” (pp. 144 e 145) O autor associa ainda a reforma litúrgica ao novo humanismo, declamado por Paulo VI: “também nós, mais que todos os outros, somos os cultuadores do Homem.” (Alocução de 7 de dezembro de 1965). O autor diz: “Não condeno uma pura e simples simpatia pelo homem, mas uma verdadeira devoção wojtyliana pelo homem: durou um quarto de século e quem viveu nele rendeu-se bem conta”. (pp. 156 e 157)
A liberdade religiosa também é tratada ex professo pelo autor, ainda que de maneira breve, e não somente na Dignitatis Humanae, mas também nos outros documentos Conciliares. Monsenhor Gherardini, grande conhecedor da problemática do liberalismo, visto que coopera na causa de canonização do Bem-Aventurado Pio IX, após analisar o magistério conciliar sobre a liberdade e o magistério anterior, sobretudo a partir de Gregório XVI se pergunta: “E agora?”, “O que fazer?” (pag. 180); “É possível submeter a Dignitatis Humanae a uma hermenêutica da continuidade?” (pag. 187)
Ele reafirma e nós destacamos que tais perguntas são possíveis somente em razão da não infalibilidade e da não irreformabilidade dessa Declaração Conciliar (que pelo fato de ser uma declaração tem autoridade ainda menor). O autor chega à conclusão de que a Dignitatis Humanae está em continuidade se nós nos contentarmos com uma declaração abstrata de continuidade, mas que sobre o plano histórico e concreto, ele não consegue ver como realizar uma hermenêutica de continuidade. (pag 187). E a razão é clara: a liberdade do decreto Dignitatis humanae não concerne a um aspecto da pessoa humana, mas à essência dessa e, com ela, toda a sua atividade individual ou pública enquanto livre de todo condicionamento político e religioso tem bem pouco em comum com, p. ex., a “Mirari Vos” de Gregório XVI, com a “Quanta Cura” e o “Syllabus” do Bem-Aventurado Pio IX, com a “Immortale Dei” de Leão XIII, com a Pascendi de São Pio X, com o decreto “Lamentabili” do Santo Ofício e com a “Humani Generis” de Pio XII. “Não é, na verdade, questão de linguagem diversa; a diferença é substancial e, portanto, irredutível. Os conteúdos respectivos resultam diversos. Os conteúdos do Magistério precedente não encontram nem continuidade nem desenvolvimento no conteúdo da Dignitatis Humanae” (pag. 187) Assim, Monsenhor Gherardini se opõe àqueles que vêm na Declaratio Dignitatis Humanae uma simples aplicação dos princípios tradicionais às circunstâncias atuais, tese defendida pelos conservadores. O autor se diz disposto a aceitar tal posição, mas é inegável a ausência da inderrogável e indiscutível condição do “eodem sensu, eademque sententia” (pag. 188)
Monsenhor Gherardini expõe ainda sua análise quanto ao ecumenismo, assinalando a sua formulação ingênua e completamente acrítica nos documentos conciliares. O eminente professor contrapõe o unionismo (volta dos separados à já existente unidade da Igreja Católica) anterior ao Concílio ao ecumenismo de hoje, “que é uma metodologia completamente nova que evita, que foge da condenação e se abre à busca dialógica – e assim plurilateral – da verdade sem presumir-se possuidor da mesma, sem que ninguém a imponha a um outro, no respeito total de cada um.” (pag. 210) E se a Unitatis Redintegratio afirma no seu número 4 que a Igreja Católica possui toda a verdade revelada por Deus e todos os meios da graça, ela afirma também e de súbito que isso não a habilita “a exprimir sob todos os aspectos a plenitude da catolicidade na realidade da vida” (pag. 211)
Interessante e necessário notar que o autor coloca a causa do ecumenismo no novo humanismo que permeou a Aula Conciliar: “A partir deste momento as fronteiras extremas do antropocentrismo idolátrico tinham sido atingidos. Não estava em questão se o homem acreditava ou não, mas bastava que fosse o ‘centro e o ápice’ (Gaudium et Spes 12) de todos os valores criados, queridos e ordenados por Deus ao seu serviço, subordinados ao desenvolvimento integral de sua pessoa (Gaudium et Spes 59). Logica é a conseqüência: a Igreja tem um único escopo, o de ‘ajudar todos os homens de nosso tempo, seja aqueles que acreditam em Deus, seja aqueles que explicitamente não o reconhecem, a descobrir o mais claramente a plenitude da própria vocação, tornar o mundo mais conforme à eminente dignidade do homem e aspirar a uma fraternidade superior e universal. (Gaudium et Spes 91) ’ (pag. 190). “A base antropocêntrica do diálogo ecumêmico estava, dessa maneira, estabelecida; sobre ela podia-se tranqüilamente erigir o edifício dos ‘princípios católicos do ecumensimo’, com o escopo não de colocar-se em acordo com as diversas e contrapostas denominações cristãs em vista do único rebanho sob um só pastor (Jo 10, 16), mas com o escopo de facilitar o esforço cristão comum a serviço do homem, com cada denominação cristã permanecendo firme no ponto de partida.” (pag. 190) Tudo isso decorre da má interpretação da afirmação de que “o homem é a única criatura querida por Deus por ela mesma” contida na Gaudium et Spes número 24. A análise aqui feita por Monsenhor Gherardini tira as últimas conseqüências do texto conciliar. Hic taceo.
Quanto à Eclesiologia presente na Constitutio Dogmatica Lumen Gentium, ele lembra que a serpente esconde-se no meio das vegetações: “latet anguis in herba”. Quer dizer que embora eclesiologia do concílio tenha muitos pontos positivos, há problemas sérios no que concerne ao “subsistit in” e o “subjectum quoque” (a colegialidade), de forma que é possível fazer interpretações que estejam de acordo com a Tradição, mas que a ambigüidade permitiu no pós-concílio a difusão quase exclusiva de interpretações que se opõem à identidade da Igreja de Cristo e da Igreja Católica Apostólica Romana e ao poder supremo de jurisdição, universal, pleno, direto, verdadeiramente episcopal do Romano Pontífice sobre toda à Igreja de Cristo. Ademais, Brunero Gherardini destaca a insistência da afirmação da Igreja como mistério e sacramento a fim de acentuar seu caráter invisível e a total ausência da noção de Igreja como “sociedade perfeita”, quer dizer auto-suficiente, dotada por seu divino fundador com todos os meios necessários para alcançar o seu fim. Assim, também no que se refere à Igreja é preciso uma análise científico-teológica séria do texto conciliar.
É impressionante como o autor relaciona em seu livro os documentos conciliares com o antropocentrismo e um antropocentrismo de índole anti-racional, dando-se ênfase ao viver juntos em detrimento da verdade e mesmo da verdade revelada. Dando-se preponderância ao sentimento em detrimento da razão, como se assim, abandonando o que lhe é próprio (a inteligência), o homem pudesse se tornar mais humano. E como me disse um Bispo muito bom: “o livro faz pensar e obriga a tomar uma posição”. A frase nos indica duas coisas importantíssimas: 1) o problema referente ao Concílio é inegável e 2) diante desse problema é preciso fazer algo que se evitou fazer durante quase cinqüenta anos: tomar uma posição clara, a partir da análise científica dos dezesseis documentos conciliares.
E aqui nos unimos à súplica de Monsenhor Brunero Gherardini ao Santo Padre o Papa Bento XVI para que com sua autoridade faça um grandioso e possivelmente definitivo esclarecimento quanto ao Concílio, a partir de uma consideração verdadeiramente científica dos documentos conciliares considerados em si e em sua relação com os outros. E “assim se a conclusão científica do exame levar à hermenêutica da continuidade como a única possível e devida, será agora necessário demonstrar – para além de toda afirmação declamatória – que a continuidade é real, e tal se manifesta somente na identidade dogmática de fundo. Se porém esta, em toda ou em parte, não resultasse cientificamente provada seria necessário dizê-lo com serenidade e franqueza em resposta à exigência de clareza sentida e esperada faz quase meio século” (pag. 256) “Basta, Santo Padre, uma palavra sua para que tudo, sendo ela a Palavra própria, retorne à clareza da pacífica, luminosa e alegre profissão da única Fé na única Igreja” (pag. 257). Não pode deixar de nos acudir a idéia de que a discussão doutrinária com a Fraternidade São Pio X seja a ocasião para tal palavra do Santo Padre. Rezemos para que Nossa Senhora esmague as heresias que triunfaram in castris modernistarum et per eos in sinu Sanctae Matris Ecclesiae.
A quoddam clerico Sanctae Romanae Ecclesiae
O livro Concilio Ecumenico Vaticano II. Un discorso da fare, de Monsignor Brunero Gherardini pode ser obtido escrevendo para CASA MARIANA EDITRICE, Via dell’Immacolata, 83040 Frigento (Av) telefonando ou enviando um fax ao 0825.444015 – 444391 ou então na Chiesa Maria SS. Annunziata, Via Lungo Tevere Vaticano, 1 – 000193 Roma. Tel. 06.6892614 (apertura: 9.00 – 12.00; 16.00-20.00) . Todos os livros de “Casa Mariana Editrice” não têm um preço comercial, mas pode-se fazer uma oferta segunda as possibilidades e bondade do leitor.