Arquivo de dezembro de 2012

Surpreendente condenação pelo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé

Postado por Admin.Capela em 31/dez/2012 - Sem Comentários

Arnaldo Xavier da Silveira

 

O problema maior não é saber se a assistência absoluta e omnímoda do Espírito Santo seria em princípio possível. É claro que o seria. Na verdade, contudo, Nosso Senhor não quis dotar São Pedro, o Colégio dos bispos com o Papa, a Igreja enfim, de uma assistência em tais termos absolutos. Os caminhos de Deus nem sempre são os nossos. A barca de Pedro está sujeita a tempestades. Em princípio, nada impede que, sobretudo em períodos de crise, documentos pontifícios e conciliares que não preencham as condições da infalibilidade, possam conter erros e mesmo heresias.

  

Doce Cristo na Terra

 

1] Não sou sedevacantista. Nunca o fui, embora um ou outro comentarista pouco atento tenha pretendido ver traços de sedevacantismo no estudo sobre a possibilidade teológica de um Papa herege que faz parte de meu livro “La Nouvelle Messe de Paul VI, Qu’en Penser?” (Diffusion de la Pensée Française, Chiré-en-Montreuil, França, 1975). Com base na boa e tradicional teologia dogmática, não vejo que, em relação aos Pontificados dos últimos decênios, tenha sido teologicamente possível, em qualquer momento, declarar vaga a Sede de Pedro (ver Paul Laymann S.J., +1635, “Th. Mor.”, Veneza, 1700, pp. 145-146; e Pietro Ballerini, “De Pot. Eccl.”, Roma, 1850, pp. 104-105). Se a Divina Providência me der forças, publicarei em breve um estudo sobre os erros teológicos das teorias sedevacantistas correntes.

 

2] Para todo católico cioso de sua fé, o Papa é o “doce Cristo na Terra”, é a coluna e fundamento da verdade. No entanto, grandes santos, doutores e Papas, admitem a possibilidade de queda do Sumo Pontífice em erro, e mesmo em heresia. E não é de se afastar a hipótese teológica de que tal queda se dê em documentos oficiais do Papa, e em Concílios com o Papa (ver “La Nouvelle Messe…”, parte II, caps. IX e X, e meus trabalhos anteriores ali citados).

 

 

As palavras de Mons. Müller

 

3] Em 29 de novembro último, L’Osservatore Romano deu a lume um texto de Mons. Gerhard Ludwig Müller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, ex-Santo Ofício, intitulado “Uma imagem da Igreja de Jesus Cristo que abraça todo o mundo”. Comentando o Discurso à Cúria Romana de 22 de dezembro de 2005, em que Bento XVI declarou que o Vaticano II deve ser objeto de uma “hermenêutica da reforma na continuidade” face a uma “hermenêutica da descontinuidade e da ruptura”, Mons. Müller escreve que a interpretação da reforma na continuidade “é a única possível segundo os princípios da teologia católica”, e prossegue: “fora desta única interpretação ortodoxa infelizmente existe uma interpretação herética, ou seja, a hermenêutica da ruptura, quer na vertente progressista, quer na tradicionalista. Estas duas vertentes têm em comum a rejeição do concílio; os progressistas pretendendo deixá-lo para trás, como se fosse só uma estação que se deve abandonar para alcançar outra Igreja; os tradicionalistas não querendo alcançá-lo, como se fosse o Inverno da Catholica”.

 

4] Não quero aqui aprofundar certos pontos dessa declaração, como a questão, já tão comentada e desenvolvida nos últimos tempos, da “hermenêutica da reforma na continuidade” e da “hermenêutica da descontinuidade e da ruptura”. Também não analisarei a frase em que Sua Excelência declara que progressistas e tradicionalistas “têm em comum a rejeição do Concílio”.  Nada direi, igualmente, sobre o título dado ao texto de Mons. Müller, onde se lê a expressão, hoje ambígua e suspeita nesse contexto, de “uma Igreja de Jesus Cristo que abraça todo o mundo”. E, ainda, não glosarei o fato histórico de que, afinal, depois de décadas, adveio uma condenação do progressismo, condenação essa que, se tivesse força canônica, ou pelo menos se doutrinariamente passasse a vigorar de fato na vida católica, no ensino dos seminários, como critério para as promoções eclesiásticas etc., seria alvissareira e prenúncio de tempos melhores, pois que o progressismo estaria sendo violentamente proscrito, como herético, pelo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

 

5] Neste momento, quero apenas comentar a passagem onde Mons. Müller declara que os tradicionalistas dão ao Vaticano II uma “interpretação herética”. Sei que não se trata de um decreto da Congregação para a Doutrina da Fé. Sei que ele não especifica quais as correntes ditas “tradicionalistas” que condena, deixando assim expresso que são todas as que não aceitam incondicional e integralmente o Vaticano II. Sei, por fim, que a orientação ora adotada por Mons. Müller em relação a tradicionalistas e progressistas não é a dominante em muitos círculos vaticanos, e sobretudo não é a de Bento XVI. Tudo isso, contudo, não tira de suas palavras a enorme importância que têm.

 

 

Da gravidade extrema dessa condenação

 

6] Não se minimize, com efeito, a força dessa condenação. A lógica se impõe: quem interpreta hereticamente um Concílio Ecumênico é herege. Também não se diga que o fato não tem relevo por não se tratar de condenação canonicamente formal. É grave que o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé haja dito o que disse. É grave que, para ensaiar um primeiro anátema contra os tradicionalistas, ele se haja resguardado atrás do biombo de “doctor privatus”, pois, se o mal é tamanho, como seria interpretar um Concílio Ecumênico em sentido herético, não haveria a Santa Igreja de pronunciar-se oficialmente? Não seria esse um dever de todo “custos fidei” para com o povo fiel? Ademais, é de recear que doravante tais maneiras de pensar e agir marcarão os procedimentos da Congregação para a Doutrina da Fé.

 

7] Como ensina Santo Tomás de Aquino, “a heresia por si se opõe à Fé” (S.Th., II-II, 39, 1, ad 3), e “hereges são aqueles que professam a Fé de Cristo mas corrompem os seus dogmas” (S.Th., II-II, 11, 2, c). “A fé é a primeira entre todas as virtudes” (S.Th., II-II, q. 4, a.7, c.), “é muito mais grave corromper a fé, pela qual a alma vive, do que falsificar a moeda, pela qual se atende à vida temporal” (S.Th., II-II, q.11, a. 3, c.).

 

8] Do alcance da condenação. – O mundo moderno perdeu a noção da fé, como perdeu a noção da gravidade da heresia. A integridade da fé é o ponto de partida da vida católica. O herege formal não tem a virtude teologal da fé, e, de si, está excluído da Igreja. A condenação de Mons. Müller fez-se em termos genéricos e sintéticos. Dada a importância da matéria, os atingidos pelo ato têm o direito de pedir sejam explicitados o alcance e as consequências teológicas, canônicas e práticas que o anátema teria, ainda que apenas “in sede theoretica”, caso fosse válido.

 

 

O desvio teológico fundamental de Mons. Müller

 

9] Texto de Mons. Müller sobre o Magistério. – Na mesma declaração citada, Mons. Müller afirma que é princípio da teologia católica “o conjunto indissolúvel entre Sagrada Escritura, a Tradição completa e integral e o Magistério, cuja expressão mais alta é o concílio presidido pelo sucessor de são Pedro como cabeça da Igreja visível”.

 

10] O pressuposto da condenação dos tradicionalistas está portanto em que, segundo Mons. Müller, não pode haver erro ou heresia em documento magisterial, quer pontifício quer conciliar, mesmo naqueles que não preenchem as condições da infalibilidade. Com efeito, ao proclamar o caráter indissolúvel da união entre Sagrada Escritura, Tradição e Magistério, ele revela que concebe este último como garantido contra todo e qualquer erro ou heresia. Ademais, ao não falar simplesmente em Tradição, mas ao qualificá-la como “completa e integral”, Sua Excelência subentende que a Tradição inclui os ensinamentos conciliares ainda que não garantidos pelo carisma da infalibilidade; e que inclui, portanto, as “novidades de tipo doutrinal” (ver item 13, adiante) do Vaticano II, que teriam assim força de dogma, só podendo ser postas em dúvida ou negadas por hereges.

 

 

O Vaticano II e a infalibilidade da Igreja

 

11] Magistério extraordinário?  Segundo o Vaticano I, o Papa é infalível quando, ensinando para a Igreja Universal, em matéria revelada de dogma ou moral, define solenemente determinada verdade como devendo ser crida pelos fiéis. Conforme a doutrina sedimentada pelos doutores, essas condições da infalibilidade papal aplicam-se, mutatis mutandis, aos Concílios Ecumênicos, cujas definições infalíveis devem, portanto, impor aos fiéis a obrigação estrita de professar as doutrinas assim propostas. Ora, Paulo VI declarou repetidas vezes que no Vaticano II não foi proclamado nenhum novo dogma do Magistério extraordinário. É o que os teólogos de boa doutrina têm também afirmado à exaustão. Dessa forma, é absolutamente perturbador para o fiel comum, e inaceitável por um pensador católico, o fato de que Mons. Müller pretenda que no Vaticano II não pode haver nenhum desvio doutrinário. Onde estará, nessa matéria, o fundo do pensamento de Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé?

 

12] Magistério ordinário infalível?  Segundo o Vaticano I, é também infalível o “Magistério ordinário e universal”. Para tal, a Igreja, em seu ensinamento quotidiano, há de impor uma verdade como devendo ser crida, e deve fazê-lo não apenas por todo o orbe, mas também com continuidade no tempo, de tal forma que se torne patente a todo fiel que aquela verdade foi revelada e deve ser professada sob pena de abandono da fé. O conceito de “universal” nesse contexto nem sempre é bem interpretado, pois há quem o entenda como se indicasse apenas a universalidade no espaço, isto é, em todo o mundo. Segundo esse modo de ver, todos os ensinamentos do Vaticano II seriam infalíveis, uma vez que foram solenemente aprovados pelo Papa, com a unanimidade moral dos bispos de todo o orbe. Na verdade, atos magisteriais singulares do Papa e do Concílio, como ocorreram no Vaticano II, não podem definir dogmas do Magistério ordinário, por lhes faltar a continuidade no tempo e a consequente impositividade que vinculariam de modo absoluto a consciência dos fiéis.

 

13] As “novidades de tipo doutrinal” do Vaticano II. – Em 2 de dezembro de 2011, Mons. Fernando Ocáriz, Vigário-Geral do Opus Dei e professor de teologia, publicou no L’Osservatore Romano um artigo intitulado: “Sobre a adesão ao concílio Vaticano II.”  Ali se lê: “Houve no Concílio Vaticano II diversas novidades de tipo doutrinal (…). Algumas delas foram e ainda são objeto de controvérsias acerca de sua continuidade com o Magistério precedente, ou seja, acerca da sua compatibilidade com a Tradição. A seguir, Mons. Ocáriz reconhece “as dificuldades que podem encontrar-se para compreender a continuidade de alguns ensinamentos conciliares com a Tradição. […] Permanecem legítimos espaços de liberdade teológica para explicar de uma forma ou de outra a não contradição com a Tradição de algumas formulações presentes nos textos conciliares e, por isso, para explicar o próprio significado de algumas expressões contidas naqueles trechos.” Veja-se a diversidade de tom entre esse texto e a condenação lançada por Mons. Müller, embora Mons. Ocáriz diga, logo a seguir, que “uma característica essencial do Magistério é a sua continuidade e homogeneidade no tempo.” Em 28 de dezembro daquele ano publiquei em meu site um artigo intitulado “Grave Lapso Teológico de Mons. Ocáriz”, no qual defendi, como em trabalhos anteriores, que “Jesus Cristo poderia, evidentemente, ter dado a São Pedro e seus sucessores o carisma da infalibilidade absoluta. […] O problema não consiste em saber se a assistência do Espírito Santo, com tal alcance absoluto e geral, seria em princípio possível. É claro que o seria. Na verdade, contudo, Nosso Senhor não quis dotar São Pedro, o Colégio dos bispos com o Papa, a Igreja enfim, de uma assistência em tais termos absolutos. Os caminhos de Deus nem sempre são os nossos. A barca de Pedro está sujeita a tempestades. Em resumo: a teologia tradicional afirma que consta da Revelação que a assistência do divino Espírito Santo não foi prometida, e portanto não foi assegurada, de forma assim irrestrita, em todos os casos e circunstâncias. Essa assistência garantida por Nosso Senhor cobre de modo irrestrito as definições extraordinárias, tanto papais quanto conciliares. Mas as monumentais obras teológicas, especialmente da idade de prata da escolástica, revelam que é possível haver erros e mesmo heresias em pronunciamentos papais e conciliares não garantidos pela infalibilidade”. É o que ora reafirmo.

 

 

Três respeitosos pedidos a Mons. Müller

 

14] Profissão de fé católica. – Em vista do referido texto do Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, peço aqui que ele receba a profissão de fé, que ora faço, em tudo quanto autenticamente ensina a Santa Igreja, nos seus dogmas do Magistério extraordinário papal ou conciliar, e nos dogmas do Magistério ordinário e universal. Afirmo minha plena aceitação das demais verdades da doutrina católica, cada qual com a qualificação teológica que os doutores tradicionais lhe atribuem. E repudio como teologicamente sem propósito e facciosa a acusação de que incidi em heresia por apego à Tradição.

 

15] Do sentido e do alcance da condenação. – Tendo em vista a necessidade de precisão num ato desse porte teológico, como é a condenação, ainda que unicamente em sede doutrinária, de uma corrente de pensamento de grande expressão em todo o orbe católico, peço a Mons. Müller que indique melhor o alcance teórico e prático de seu anátema, segundo as observações do item 8 retro. Ao formular este pedido, tenho também em vista a salvação das almas simples, que abraçam com fé plena os dogmas da transubstanciação, da virgindade de Maria antes, durante e depois do parto, e todos os demais, mas que não têm acesso a distinções teológicas subtis, podendo ter a fé abalada com a notícia de que o Prefeito do antigoSanto Ofício declarou que os tradicionalistas, indistintamente, são hereges.

 

16] Da possibilidade de erro em documentos do Magistério. – Como católico fiel, conhecedor da autoridade dos Dicastérios vaticanos, e também como autor de escritos que têm não poucos leitores, pelos quais me sinto de algum modo responsável perante Nosso Senhor, julgo-me no direito estrito de pedir filialmente ao Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé que declare, de modo formal, claro e específico, se é falsa a tese que defendi em meus trabalhos retro citados, e que ora defendo, de que é teologicamente possível a existência de erros e mesmo heresias em documentos pontifícios e conciliares que não preencham as condições necessárias para a infalibilidade.

 

17] Nestas vésperas do Santo Natal, invocando o Divino Infante, Sua Mãe Santíssima e São José, patrono da Igreja universal, formulo de público estas considerações e estes pedidos, em legítima defesa e cum moderamine inculpatae tutelae, dado que pública foi a agressão.

EUA: divórcio, aborto e chacina

Postado por Admin.Capela em 29/dez/2012 - Sem Comentários

O que mais me chamou a atenção nos comentários referentes à última chacina ocorrida nos EUA foi o fato de quase todas elas se limitarem ao ramerrão da campanha de controle da posse de armas pelos cidadãos americanos, direito garantido pela segunda emenda à Constituição norte-americana. Li apenas uma notícia que informava que o jovem psicopata Adam Lanza, executor do massacre, tinha tido uma piora de suas faculdades mentais por ocasião do divórcio de sua mãe. A qual, tudo indica, também não era lá uma pessoa muito sensata, visto que, apsesar de saber dos problemas de seu filho, o mantinha próximo de um verdadeiro arsenal, em um ambiente quase obsessivo pela questão da segurança pessoal.
Os comentários e análises da tragédia batem exclusivamente na tecla de que é necessário tomar uma medida concreta para cortar o mal pela raíz, mas apenas no plano, diria, material. Não tomei conhecimento de nenhuma palavra das autoridades do EUA, a começar pelo presidente da República, sobre as causas morais de um comportamento tão estranho da população do país mais rico, importante e influente da Terra.
Na minha modesta avaliação, a notória obsessão dos americanos pelo tema da segurança pessoal e do patrimônio particular resulta de uma cultura materialista de origem protestante e judaica que produziu um culto ao dinheiro e ao trabalho, vistos como únicos fatores de prestígio pessoal, e uma concepção falsa do direito de propriedade. O direito de propriedade, entre os protestantes e judeus desenraizados e cosmopolitas, está desvinculado de sua função mais nobre que é assegurar a estabilidade da família em uma região ao longo dos séculos, permitindo-lhe ser realmente a instuição que garante a transmissão dos valores morais e religiosos através das gerações. A propriedade é considerada só uma forma de investimento. O culto ao dinheiro é tão grande entre os protestantes norte-americanos que chegaram a ver na versão correta do Padre-Nosso (perdoai-nos as nossas dívidas assim como perdoamos aos nossos devedores) uma ameaça à ordem econômica e, por isso, mudaram a oração do Senhor para “perdoai-nos as nossas ofensas”.
De maneira que, debilitada no exercício de sua missão mais alta e reduzida a um núcleo quase insignificante de uma união efêmera entre um homem e uma mulher e poucos rebentos, a família no mundo moderno, soretudo nos EUA da pseudocultura de Hollywood e do Mc Donalds, não tem podido constituir-se um santuário de conservação, proteção e transmissão da vida humana. Com efeito, como pode um país, que tem como secretária de Estado, uma megera feminista, como a bruxa Hilary Clinton, que percorre o mundo propagando a idelogia feminista de perversão das mulheres ( que na visão da referida senhora devem apenas ser incorporadas ao mercado de trabalho para gerar mais riqueza), como pode tal país ter famílias bem estruturadas que assegurem equilíbrio psicológico às crianças?
Corrompida em suas propriedades essenciais desde o início do matrimônio (já não contraído em obediência a sua hierarquia de fins), a família terá como sua extensão não mais a paróquia e a escola como suas auxiliares na tarefa de educar as crianças, mas a clínica de aborto ou a clínica psiquiátrica para sanar em vão os excessos de uma sociedade hedonista que se recusa a reconhecer os seus erros de princípio.
Sei que clamo no deserto como o meu santo patrono. Sei que se eventualmente algum dos articulistas da grande imprensa que teceram considerações sobre a tragédia de Newtown ler estas linhas dirá que eu é que devo ser internado em manicômio e a Internet deve ser censurada a fim de não ser veículo de idéias obscurantistas da Idade Média. No entanto, afirmo minha convicção de que a sequência de causas dos quase corriqueiros massacres nos EUA é esta : sua origem religiosa herética, o divórcio e o aborto. Deblaterar contra a obsessão pela posse particular de armas é combater o efeito e não causa. Além do que pode ser uma injustiça, pois, em princípio, pode justificar-se a posse de armas pelos cidadãos.
Em tempo: curiosamente (se não estou enganado) na Idade Média e no Antigo Regime, a posse de armas era restrita aos nobres que tinham o dever de garantir a ordem social. Os clérigos não podiam portar armas. Hoje, como prevalece o igualitarismo, fica difícil estabelecer direitos e deveres próprios de cada grupo social.

Pe. João Batista de Almeida Prado Ferraz Costa

Anápolis, 29 de dezembro de 2012

Festa de São Tomás de Cantuária.
Bispo e Martir

Tradição, vida e morte

Postado por Admin.Capela em 27/dez/2012 - Sem Comentários

Sabe-se que a chamada filosofia vitalista do princípio do século XX (Bergson e Blondel), apresentando-se como uma reação a erros filosóficos então predominantes, exerceu uma notável influência sobre o pensamento católico. Contra uma concepção mecanicista e racionalista própria do positivismo e do neo-kantismo que pretendia esquematizar toda a realidade, a filosofia da vida insurgiu-se fazendo ver como era superficial semelhante pensamento que se atinha apenas ao elemento exterior, ao espaço, à extensão, e, por isso mesmo, incapaz de compreender o mundo em toda sua riqueza de vida e dinamismo. O vitalismo apresentava-se como um pensamento espiritualista que valorizava a vida interior do homem, salvaguardava sua liberdade e afirmava a sua consciência capaz de inovação criadora. As belas reflexões de Bergson sobre o mistério do tempo marcaram profundamente a grande obra literária do século passado “À la recherche du temps perdu” de Marcel Proust (Cf. Edmund Wilson, O castelo de Axel, Cultrix, São Paulo).
Contudo, a filosofia vitalista tinha um grave erro: ao mesmo tempo que valorizava a vida não a explicava e tampouco esclarecia o seu verdadeiro sentido. Interpretava o ser como impulso vital e dizia que a vida não pode ser captada pela inteligência mas por uma suposta intuição. E o pior é que tal intuição é um conceito tão obscuro quanto a intuição da fenomenologia. A filosofia vitalista, pode-se dizer, limitava-se a dizer que a vida flui, que nela nada se perde, mas, ao contrário, nela agregam-se novas aquisições. De maneira que a inteligência só aprisiona a realidade em esquemas uniformes, fixos, mas não a conhece. Só os conceitos “fluidos” que acompanham o rio da vida são capazes de conhecê-la. Esses conceitos fluidos seriam as intuições. (Cf. Hirschberger, Historia de la filosofia, Barcelona, 1956)
Pois bem, a falta de precisão do conceito de vida ( que não pode ser objeto do entendimento, ressalte-se) induziu os principais representantes do vitalismo a graves equívocos. Por exemplo, Bergson chegou a conceber Deus como um ser em devir. Blondel, por sua vez, em sua filosofia da ação, entende a ação como a vida do espírito em sua fonte e na totalidade do seu desenvolvimento. Diz que não há no mundo nenhum momento de pausa, porque nada no mundo é perfeito. O espírito nunca se adequa a uma realidade, mas sempre aspira a algo superior. Por conseguinte, cai por terra a noção de verdade elaborada pela metafísica tomista: adaequatio intellectus et rei.
Na primeira parte da Suma Teológica, Santo Tomás formula algumas questões importantes sobre a vida de Deus. As soluções do Santo Doutor refutam cabalmente os erros da filosofia vitalista. No artigo 1º da q. 18 pergunta se todas as coisas naturais vivem ou não vivem e assinala as diferenças entre os seres vivos e brutos. As razões aduzidas por Santo Tomás são muito úteis porque em nossos dias os modernistas gostam de relacionar os conceitos de vida e de tradição. O papa João Paulo II, no motu proprio Ecclesia Dei Adflicta, disse que o suposto gesto cismático de Mons. Marcel Lefèbvre (as consagrações episcopais sem mandato pontifício mas em virtude do estado de necessidade) se devia a uma incompleta noção de tradição que não leva em conta o caráter “vivo” da tradição.
É claro que João Paulo II aplicava à tradição a noção de vida em sentido analógico. Não entendia a tradição como aninal ou vegetal, mas como um conjunto de verdades ou como um tesouro que se enriquece e cresce com o passar das gerações sob a custódia da Igreja. De qualquer modo, cumpre examinar, à luz da doutrina de Santo Tomás, como se dá o processo vital.
No referido artigo diz que a vida se manifesta quando o animal tem movimento ex se, mas, ao contrário, quando o animal já não tem movimento ex se, mas é movido por outro, então se diz que o animal está morto. Em seguida, no artigo 2º, pergunta se a vida é ação – essa questão é importantíssima para compreender e refutar o erro do modernista Maurice Blondel – e responde, com base em Aristóteles, dizendo que o viver é o ser dos vivos. E afirmando o valor do conhecimento intelectivo do homem que alcança a essência da coisa como seu objeto próprio a partir dos sentidos que apreendem as aparências exteriores, Santo Tomás explica que geralmente, a partir das aparências exteriores, se impõem às coisas nomes que expressam sua essência. Mas às vezes os nomes derivam das propriedades em função das quais se impõem. Assim, por exemplo, o nome corpo é imposto para designar um gênero de substâncias em que se encontram três dimensões. Quanto à vida, diz Santo Tomás, o nome é tomado das aparências exteriores em vista da própria coisa que se move a si mesma; entretanto, o nome não é imposto para significar o movimento e sim a substância à qual convém em sua natureza mover-se a si própria ou agir de algum modo. Portanto, ser vivo não é predicado acidental, mas substancial. Esclarece que com menos propriedade se toma o vacábulo vida a partir das operações vitais. E cita Aristóteles, para o qual a vida é principalmente intelligere.
Ora, a filosofia vitalista é uma filosofia que rebaixa a inteligência, despreza a razão, a qual considera uma força destruidora. De modo que é lícito realmente questionar se a tal filosofia convém o nome de filosofia da vida, uma vez que a vida é sobretudo intelligere. Que vida do espírito é a ação do sr. Blondel? Uma ação que é mais frustração do que plenitude, porquanto a realidade das coisas sempre lhe escapa.
Finalmente, quanto à relação estabelecida pelos modernistas entre os conceitos de tradição e vida, importa dizer que, à luz da sã teologia de Santo Tomás, resulta muito dificultoso para os sequazes da nova teologia provar que efetivamente os desdobramentos, acréscimos e “enriquecimentos” doutrinários verificados na Igreja sobretudo a partir do Vaticano II derivam de um processo vital de uma Igreja que se move a si mesma alicerçada em seus próprios fundamentos.Examinadas as raízes ideológicas de tais inovações pos-conciliares, percebe-se que se trata de um movimento de origem estranha à Igreja. Com efeito, a reforma litúrgica, o ecumenismo, a liberdade religiosa, a abertura ao mundo moderno são inovações que se impuseram de fora à Igreja. Isto é próprio de ser um morto. Na hipótese, porém, de se tratar de um processo vital, a imagem mais adequada para explicá-lo seria a do “mata-pau”.

Pe. João Batista de Almeida Prado Ferraz Costa
Anápolis, 27 de dezembro de 2012
Festa de São João Evangelista

O pontificado de Paulo VI – Gustavo Corção

Postado por Admin.Capela em 20/dez/2012 - Sem Comentários

Gustavo Corção

Não me compete julgar a pessoa de Paulo VI, nem mesmo tentarei tirar dos sinais exteriores, que todos podem ver, uma interpretação que explique sua posição, com aumento ou diminuição de sua responsabilidade na constelação dos acontecimentos mais marcantes na história recente da Igreja. Não me cabe julgar Paulo VI. Mas creio que posso e devo dizer, com critérios aprendidos no regaço da Igreja, o que já mais de uma vez disse do pontificado de Paulo VI.

Se quiséssemos fazer um resumido inventário desse pontificado, teríamos de começar evidentemente pelo Concílio Vaticano II e mais especialmente pela Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo atual, o Decreto sobre o ecumenismo, a Declaração sobre a liberdade religiosa e pelo discurso de encerramento pronunciado pelo Sumo Pontífice.

Em seguida mencionaríamos as reformas litúrgicas feitas “para acomodar a santa liturgia” à mentalidade contemporânea, e mais especialmente o novo Ordo Missae, e especialmente o ponto 7 da Institutio Generalis do mesmo. Em seguida lembraríamos a campanha desencadeada no mundo inteiro contra o IV mandamento de Deus e a promoção do “jovem”. Em seguida falaríamos sobre a acintosa heterodoxia de vários autores sob a benevolente tolerância que encontram e que prova o desgoverno da Igreja. Mencionamos alguns pregadores dessas novas e destetáveis doutrinas: Karl Rahner, Hans Kung, Ratzinger (elevado ao cardinalato), J. B. Metz, Schillebeckx, Yves Congar, Gonzales-Ruiz; e na América Latina: Juan Segundo, Segundo Galilea, Gustavo Gutierez, e no Brasil, Leonardo Boff, Carlos Mesters, e outros.

A esses abusos e aos correlatos descasos pelo Depósito Sagrado, acrescentaríamos os aberrantes produtos da nova pastoral catequética. De um modo geral falaríamos na protestantização da Igreja e finalmente mencionaríamos a Ost-Politik do Vaticano.

Diante de todas essas aberrações não hesitaríamos em dizer que o pontificado de Paulo VI foi o mais tormentoso e desastroso de toda a história da Igreja.

Como resultado global, temos hoje um cisma mais profundo e mais grave do que o Grande Cisma do Ocidente ocorrido no século XIV. Com uma diferença: naquele tempo os fiéis católicos estiveram hesitantes diante de duas obediênciais, e até alguns grandes santos, como São Vicente Ferrer, enganavam-se de papa (escolhendo Clemente VII em vez de Urbano VI), MAS NÃO SE ENGANAVAM DE IGREJA, que permanecia una, íntegra, nas duas obediências. Hoje, ao contrário, temos duas Igrejas: a Igreja Católica, fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, e outra reformada, alterada, adulterada em favor de um humanismo sem dimensões sobrenaturais, e ostensivamente apegado às coisas temporais, usque ad contemptum Dei.

E eu recio muito que Paulo VI pretenda ser o Papa dessas duas Igrejas; e até tremo de pensar que talvez tenha preferência pela nova que tem como obra sua.

Revista Permanência (maio-junho) n.ºs  114/115 (1978)