Arquivo de fevereiro de 2013

QUO VADIS, PETRE?

Postado por Admin.Capela em 26/fev/2013 - Sem Comentários

Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira

1] Em manifestações de católicos nos meios de comunicação após o anúncio da demissão de Bento XVI, vê-se com preocupação um erro grave e frequente: a noção de que, gozando o Conclave da assistência do Espírito Santo, podem todos estar tranquilos, porque será seguramente escolhido um Pontífice fiel, que bem conduzirá as almas à salvação eterna. Existe uma tendência a crer que o Espírito Santo comanda a assembleia a ponto de escolher diretamente o novo Papa. Mesmo Cardeais têm usado de expressões que dão essa ideia, como se a eleição fosse obra exclusiva, ou praticamente exclusiva, do Espírito Santo.

 

Da assistência do Espírito Santo ao Conclave

2] Tal concepção se opõe à reta doutrina, e deixa perplexo quem, com algum conhecimento das coisas católicas, sabe quão absurdo seria dizer que o Espírito Santo escolheu Rodrigo de Borja, cardeal escandaloso, com filhos bastardos, para dele fazer o Papa Alexandre VI. E esse não é o único caso do gênero na História da Igreja.

3] A verdadeira doutrina sobre essa matéria vem exposta por  Mangenot no Dictionnaire de Théologie Catholique: “A assistência do Espírito Santo é somente o efeito da providência especial de Deus para com sua Igreja, para nela conservar, explicar e defender de todo ataque o depósito da revelação confiado aos apóstolos. Portanto, essa assistência não tira a liberdade dos doutores infalíveis da Igreja; ela supõe e exige a atividade deles. Seu próprio nome o indica: o Espírito Santo assiste a Igreja para a impedir de errar. É preciso pois que ela recorra aos meios ordinários, pesquisas, estudos, discussões e deliberações, que afastem o erro de seu ensino. O Espírito Santo favorece essa atividade por suas graças atuais e vela para que ela não se desvie em nada do caminho reto da verdade revelada” (DTC, Assistance du Saint-Esprit, t. I, 2ª parte, col. 2.127).

4] Em 1997, Bento XVI, então Cardeal Ratzinger, assim se expressou, pela televisão bávara, sobre a assistência divina no Conclave: “(…) o Espírito Santo não assume exatamente o controle do caso, mas, antes, como bom educador, deixa-nos muito espaço, muita liberdade, sem nos abandonar inteiramente. Assim, o papel do Espírito Santo deveria ser entendido num sentido muito mais elástico, não que ele diga qual o candidato em quem se deva votar”.

5] Os Cardeais não são arrastados e forçados a escolher o candidato melhor e mais apropriado às circunstâncias, mas apenas ajudados, assistidos, de maneira não impositiva, que não lhes tolhe a liberdade. Podem recusar a graça. Essa assistência é análoga à que ocorre nos ensinamentos papais e conciliares, nos quais pode haver erro quando não preenchidas as condições da infalibilidade.

 

A Igreja pode passar por crises de gravidade extrema

6] Acrescente-se que, nesta terra, a Igreja é “militante”. Ou seja, embora infalível e indefectível, Deus permite que ela passe por crises, mesmo graves e gravíssimas, o que aconteceu em várias fases de sua história, como na longa crise ariana do século IV. As razões pelas quais a divina Providência permite males de tal tamanho são as mesmas pelas quais permite que o homem seja tentado e peque, entre elas “para que possam manifestar-se os que são realmente virtuosos” (I Cor. 11:19).

7] Portanto, embora possamos e devamos ter esperança na eleição de um Papa fiel no próximo Conclave, e devamos rezar ardentemente para isso, não podemos ter a esse respeito um otimismo ingênuo, sem base na teologia nem na realidade dos fatos. A eventual eleição de um Papa progressista poderá representar o aprofundamento da crise atual e a perdição de número incontável de almas, mas jamais resultará na destruição da Santa Igreja, nem haverá de levar o católico a duvidar de sua fé.

 

Da possível eleição do Cardeal Ravasi

8] A imprensa tem apresentado como um dos principais candidatos à eleição o Cardeal Ravasi, atual Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura. Homem de forte personalidade, hábil no manejo da palavra, seria ele uma das figuras preferidas pelos progressistas. O Cardeal Ravasi elogia Fogazzaro e Scotti, dois expoentes do modernismo condenado por São Pio X. Como “crentes”, enumera em pé de igualdade santos e heresiarcas protestantes: “de são Policarpo a são Basílio, de são Bernardo a são Luis, de Hus a Lutero, a Melanchton”. Altamente reveladoras de seu pensamento, são suas passagens sobre as dores de Nossa Senhora no parto, em que se distancia claramente da teologia católica.

 

Do direito de resistir a um Papa que esteja fora do bom caminho

9] A possível eleição de um Papa manifestamente progressista traria  grande confusão aos fieis. Os sedevacantistas negariam, sem dúvida, sua condição de Sumo Pontífice. A isto se oporiam os que sustentam que o Papa afastado da fé verdadeira só perderá o Pontificado quando esse fato se tornar manifesto para o corpo da Igreja, reconhecido em geral pelos altos hierarcas como pelos simples fieis. Esse princípio é exposto pelo Pe. Laymann (+1635), grande moralista da Companhia de Jesus: “enquanto (o Papa que se afastou da fé católica) for tolerado pela Igreja e publicamente reconhecido como pastor universal, gozará realmente do poder pontifício, de tal modo que todos os seus decretos não terão força e autoridade menores do que teriam se ele fosse verdadeiramente fiel”. Essa posição doutrinária, baseada no dogma de que a Igreja é sociedade visível e perfeita, vale para o Papa verdadeiro que peca contra a fé, como para o que já a tenha perdido antes de sua eleição.

10] De toda forma, lembre-se que “quando o pastor se transforma em lobo, é ao rebanho que, em primeiro lugar, cabe defender-se” (D. Guéranger, +1875). ― Santo Tomás de Aquino (+1274) escreveu: “(…) havendo perigo próximo para a fé, os prelados devem ser arguidos, até mesmo publicamente, pelos súditos; assim, São Paulo, que era súdito de São Pedro, arguiu-o publicamente, em razão de um perigo iminente de escândalo em matéria de Fé”. ― Segundo o grande teólogo dominicano Cardeal Caietano (+1534), “deve-se resistir em face ao Papa que publicamente destrói a Igreja”. ― O eminente doutor jesuíta Francisco Suarez (+1617) ensina: ”Se [o Papa] baixar uma ordem contrária aos bons costumes, não se há de obedecer-lhe; se tentar fazer algo manifestamente oposto à justiça e ao bem comum, será lícito resistir-lhe; se atacar pela força, pela força poderá ser repelido, com a moderação própria à defesa justa”. ― São Roberto Bellarmino: (+1621) “(…) assim como é lícito resistir ao Pontífice que agride o corpo, assim também é lícito resistir ao que agride as almas, ou que perturba a ordem civil, ou, sobretudo, àquele que tentasse destruir a Igreja; digo que é lícito resistir-lhe não fazendo o que ordena e impedindo a execução de sua vontade” (As referências estão em “La Nouvelle Messe de Paul VI: Qu’en Penser?”, que publiquei em 1975, Diff. de la Pensée Fr., Chiré-em-Montreuil, pp. 320-324).

11] Peçamos humilde e insistentemente a Nossa Senhora do Sagrado Coração e a São José, patrono da Igreja universal, que os Eminentíssimos Senhores Cardeais atendam fielmente à voz do divino Espírito Santo.

Vargas Llosa e Bento XVI

Postado por Admin.Capela em 24/fev/2013 - Sem Comentários

Foi publicado hoje, n’O Estado de S. Paulo, um interesssante artigo do escritor peruano Mario Vargas Llosa sobre a renúncia do papa Bento XVI.

O articulista, como se sabe, é  agnóstico e liberal. Apesar disso, refere-se ao papa com toda reverência e simpatia, reconhecendo os méritos do Santo Padre em seu esforço para solucionar os sérios problemas que afligem a Igreja. Vargas Llosa diz que os liberais não crentes não devem estar contentes com o fracasso do papa em sua luta por reformar a Igreja. Diz que o isolamento de Bento XVI nos últimos anos de seu pontificado evidencia a decadência e a vulgarização intelectual da Igreja, sendo um dos fatores primordiais de sua renúncia.

Meus aplausos a Vargas Llosa por essas palavras. Realmente, Bento XVI tentou resgatar os valores culturais da tradição católica: a sacralidade da liturgia, o apreço pela língua latina, a solidez na formação intelectual do clero, mas não teve o apoio necessário, não foi correspondido em sua obra. Não teve colaboradores à altura. Mais claro: sua obra foi boicotada por ignorantes, hereges e outros mal intencionados.

Mas o que desejaria assinalar no artigo de Vargas Llosa não é sua análise sobre o pontificado de Bento XVI. O que me deixou intrigado foram essas suas palavras: “Bento XVI não só representou a tradição conservadora da Igreja como também sua melhor herança: a da ilustre e revolucionária cultura clássica e renascentista que, não podemos esquecer, a Igreja preservou e difundiu, por meio de seus conventos, bibliotecas e seminários, a cultura que impregnou o mundo com ideias, formas e costumes que acabaram com a escravidão e, distanciando-se de Roma, tornaram possíveis as noções de igualdade, solidariedade, direitos humanos, liberdade e democracia…”

A frase acima  parece-me surpreendente e merece reparo. Vargas Llosa  estabelece um nexo entre o espírito revolucionário moderno e a cultura clássica preservada pela Igreja. Isto é simplesmente um absurdo. O espírito revolucionário moderno procede de outra fonte. Procede da fonte poluída do nominalismo de Guilherme de Ockham (O imperator, defende me gladio, et ego defendam te verbo). Dessa fonte abeberou-se mais tarde Lutero com sua falsa reforma. E desta falsa reforma resultaram o individualismo e o liberalismo moderno, base da democracia e da ideologia dos direitos humanos, coisas estas tão ruins mas tão festejadas por Vargas Llosa.

E acrescente-se: Lutero não tinha nenhum apreço pelo humanismo renascentista. A cultura clássica preservada pela Igreja não tinha nada de revolucionário. É uma pretensão ilegítima da modernidade  reivindicar raízes na cultura clássica. A cultura clássica concorreu apenas para a edificação dos grandes monumentos da civilização cristã. A Igreja não conservou incubado em seu seio um vírus letal que depois a aniquilaria.

A modernidade tão exaltada por Vargas Llosa não pode ter, em hipótese alguma, nenhum nexo com o catolicismo por várias razões. O individualismo da modernidade supõe, em última análise, a negação do conceito de natureza humana. No mundo só haveria homens soltos, não haveria nenhum grupo social natural, nem sequer a família, formada pelo casamento monogâmico entre homem e mulher. Um dos pais da modernidade, Rousseau, disse que quem ousar empreender um povo deve ter a capacidade de primeiro desnaturar o homem, pois o homem, por natureza, está vocacionado à solidão. Do individualismo ao totalitarismo só falta dar um passo.

Por sua vez, o liberalismo da modernidade não tem nada que ver com a liberdade da tradição cristã. O liberalismo, no fundo, nega a liberdade na medida em que excogita uma liberdade de indiferença, uma liberdade que é fim e não meio. O liberalismo, aliado ao individualismo, é responsável pelo rebaixamento do homem a animal irracional que vive com os indivíduos da sua espécie guiado apenas por um instinto gregário e não pelos vínculos  da palavra e do amor.

Por causa de seus próprios problemas psicológicos, Lutero negou o livre arbítrio do homem. O livre arbítrio seria uma invenção de satanás na Igreja de Deus. Mais tarde os iluministas iriam também negar a liberdade do homem dizendo que todo seu comportamento, toda sua vida interior estão determinadas por reações bioquímicas.

Igualmente, o laicismo moderno não tem nada que ver com o princípio do Evangelho “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Uma coisa é afirmar a distinção entre o poder temporal e o poder espiritual, outra coisa (falsa) é defender a separação entre esses poderes.

A modernidade apresenta-se sedutora a muitos espiritos ingênuos com o seu discurso de defesa da dignidade humana, o que leva muitos à confusão de pensar que há uma compatibilidade entre a Igreja e o liberalismo moderno. Mas é preciso desmascarar a modernidade e mostrar a todos que, ao contrário, a modernidade tem um conceito muito baixo do homem. Com efeito, a partir de Lutero, que dizia ter o pecado original corrompido completamente a natureza do homem, todo o pensamento moderno foi uma loucura em torno do conceito de homem. O homem é lobo do homem. O homem, por natureza, é um inepto para a vida intelectual. O homem é o  que come. O homem é um câncer de pele da Terra. O homem é um vômito da natureza. Todas essas idéias estapafúrdias e indecorosas sobre o homem foram defendidas pelos mais expressivos pensadores da modernidade.

Querer estabelecer um nexo, um ponto em comum entre a modernidade e o catolicismo, é uma ilusão, é um erro crasso. É verdade que os católicos liberais, desde o século XIX, tentaram estabelecer uma aliança, mas foram severamente condenados pelos grandes papas até Pio XII. Depois do Vaticano II, infelizmente, sobretudo durante o pontificado de Paulo VI,  houve uma busca de diálogo e colaboração entre a Igreja e o mundo moderno liberal. Mas os frutos foram os piores possíveis e já tinham sido previstos por Pio IX no famoso Syllabus.

Quando examinamos as raízes ideológicas da modernidade, o nominalismo e o individualismo, chegamos, realmente, à conclusão de que as aberrrações contra a natureza hoje legalizadas (casamento homossexual, aborto, eutanásia etc) são apenas consequências lógicas das premissas colocadas em séculos de cultura liberal. É impossível hoje a Igreja querer dialogar e colaborar com a sociedade laica sem conviver com essas aberrações. A Igreja terá de voltar à postura corajosa dos papas que condenaram o liberalismo. É questão de vida ou morte.

Oxalá o espírito clássico voltasse a ser cultivado em nossos dias. A modernidade estaria com seus dias contados!  Voltem ao latim, voltem a Cícero. Voltem ao estudo da lei natural, e os “direitos humanos” serão objeto de irrisão.

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Anápolis, 24 de fevereiro de 2013.

Uma quaresma especial

Postado por Admin.Capela em 12/fev/2013 - Sem Comentários

Estava pensando em escrever algumas linhas sobre a doutrina de Santo Tomás sobre o jejum quando recebi a notícia surpreendente da declaração de renúncia do papa Bento XVI. Evito qualquer especulação a respeito mas confesso minha suspeita de que o Santo Padre tomou uma decisão tão grave porque se viu cerceado. Os acontecimentos das últimas semanas, sobretudo a controvertida declaração de mons. Paglia sobre a necessidade de encontrar um instrumento jurídico que resguardasse os direitos dos “casais” e “famílias” gays, aumentam a minha desconfiança de que houve um confronto, uma tensão, nos palácios apostólicos.

Apesar de descaracterizada há décadas, a quaresma continua a ser para os católicos um tempo litúrgico rico em graças e ensinamentos se for bem vivida. O caráter ascético da quaresma, pela prática do jejum, da esmola e outras obras de penitência, cedeu lugar a uma campanha ideológica de “conscientização” de sabor socialista, humanista, a pretexto de promoção da solidariedade e fraternidade entre os homens e as “religiões”.

De maneira que é muito conveniente recordar o essencial sobre a quaresma: uma preparação espiritual, por meio das obras de piedade referidas acima, para ressuscitar  na Páscoa de Cristo para uma vida nova. E como o jejum e a abstinência foram muito desvalorizados em nossos dias, vale a pena rever o que diz Santo Tomás a respeito.

Lendo a questão 147 da Secunda Secundae relativa ao jejum, uma coisa que logo chama a atenção, é como a disciplina do jejum foi mitigada. É impressionante o rigor dos velhos tempos! Uma refeição só por dia, abstinência total de carne, ovos e laticínios para reduzir a sensualidade : ut vertatur in materiam seminis, cuius multiplicatio est maximum incitamentum luxuriae (art. 8). De fato, a disciplina era tão rigorosa que o nosso Gilberto Freyre, em Casa-Grande e Senzala, não hesita em dizer que o jejum foi uma das causas da falta de vigor físico do brasileiro dos tempos coloniais.

No entanto, o mais importante é ter consciência clara do valor espiritual do jejum como um ato de virtude, conforme explicação do doutor angélico. É um ato virtuoso porque está ordenado a um bem honesto, por três razões:

1) Refreia a concupiscência da carne, pois pelo jejum conserva-se a castidade. E cita São Jerônimo: “Sem Ceres e Baco, Vênus fenece.

2) Eleva a mente à contemplação das coisas sublimes.

3) Satisfaz à justiça divina pelos nossos pecados. E cita, a propósito, Santo Agostinho: “O jejum purifica a alma, abranda os sentidos, sujeita a carne ao espírito, faz contrito e humilhado o coração, dissipa as brumas da concupiscência, extingue os ardores da libido, mas acende a luz da castidade.

É notável ainda a resposta à objeção de que muitas vezes o jejum não é agradável a Deus ( Is.58, 3) e, portanto, não seria um ato de virtude, pois a virtude é sempre agradável a Deus. Santo Tomás soluciona a objeção dizendo que um ato que de per si é virtuoso pode tornar-se vicioso por alguma circunstância alheia, conforme diz a Escritura Sagrada: “Nos dias do vosso jejum fazeis a vossa vontade.” Ao contrário, o verdadeiro jejum, o jejum agradável a Deus, no dizer de Santo Agostinho, citado pelo Angélico, não ama a verbosidade, julga supérfluas as riquezas, despreza a soberba, recomenda a humildade, auxilia o homem a reconhecer-se ínfimo e frágil.

Outro aspecto interessante da questão tratada por Santo Tomás consiste em saber se o jejum é um preceito. Na resposta o Santo Doutor desenvolve seu pensamento jurídico sobre a relação entre lei natural e lei positiva, explica a relação entre a esfera civil e a esfera eclesiástica: “Assim como compete aos príncipes seculares estabelecer os preceitos legais que concretizam  os princípios gerais do direito natural, com vista às coisas úteis ao bem comum temporal, assim também aos prelados compete estatuir aquelas coisas úteis ao bem espiritual dos fiéis. Ora, o jejum é útil para reprimir o pecado, elevar a mente às realidades espirituais. Assim, cada um, pela própria razão natural, está obrigado apenas a jejuar enquanto entende ser necessário para tal fim. Sob tal aspecto, o jejum é preceito da lei natural. A determinação, porém, do tempo e do modo do jejum segundo a conveniência e utilidade do povo cristão pertence ao direito positivo instituído pelo poder eclesiástico. Este jejum é eclesiástico, o outro, natural (q. 147, a. 3).

No artigo 2º da referida questão, Santo Tomás faz uma observação de grande atualidade. Diz que, embora o jejum consista proriamente na abstinência de alimentos, metaforicamente se pode falar de um jejum de todas as coisas nocivas, sobretudo as que são pecados. Ora, em nossos dias, quando vivemos mergulhados em uma cultura dos divertimentos, das baladas e entretenimentos eletrônicos, é conveniente o católico propor-se um jejum de internet, celular, msn etc.

Vale ainda acrescentar uma reflexão chistosa do Pe. Antonio Vieira: o jejum não acompanhado da esmola é mais poupança que penitência! Realmente, os  grandes santos sempre ensinaram que as duas asas da oração cristã são o jejum e  a esmola.

Este ano viveremos uma quaresma especial,em circunstâncias que exigem de nós um esforço redobrado. A renúncia do papa Bento XVI não deve ser vista apenas como uma decisão pessoal em virtude de sua debilidade que o impede de cumprir o seu ministério. Sua renúncia e sucessão devem ser ponderadas tendo em vista o seu pontificado, tão marcado pela má vontade, oposição e resistência de seus inimigos de dentro e de fora da Igreja. Como se sabe, o Santo Padre foi impiedosamente atacado quando declarou a legitimidade do rito romano tradicional, quando promoveu a justiça dentro da Igreja derrogando a excomunhão injusta dos bispos consagrados por Dom Lefèbvre (Ainda que na ocasião se dissesse que se tratava de um ato de misericórdia, foi, na verdade, ato de justiça, pois, como explica São João Crisóstomo, quase sempre todas as virtudes estão acompanhadas de algum defeito, exceto a caridade. No caso, a justiça, aos olhos de muitos no Vaticano, foi mesclada com o orgulho de não reconhecer que era justiça o que se fazia. Eu, particularmente, estou convencido de que o papa Bento XVI tem plena consciência de que a supressão canônica da Fraternidade São Pio X foi uma injustiça clamorosa cometida dentro da Igreja e queria repará-la apesar da divergência doutrinal entre o Vaticano e Ecône.  Como negar o reconhecimento canônico à Fraternidade São Pio X quando há bispos defendendo o casamento gay?). Por tudo isso, a sucessão do Santo Padre não será tão simples, embora confiemos na assistência do Espírito Santo.

Roguemos, pois a Nossa Senhora que nos ajude nesta quaresma a fazer penitência pelos nossos pecados. Supliquemos a misericórdia divina. Rezemos pelo Santo Padre a fim de que ele possa ter um bom sucessor.

O grande Joseph De Maistre dizia que cada povo tem o governo que merece. Numa paródia, poderíamos dizer que não merecemos um São Pio X, um São Pio V. Miserere nobis, Domine.

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Anápolis, 12 de fevereiro de 2013

Festa dos Sete Santos Fundadores Servitas