Arquivo de junho de 2015

PATERNIDADE… IRRESPONSÁVEL

Postado por Admin.Capela em 26/jun/2015 - Sem Comentários

[Originariamente publicado no periódico quinzenal Sì Sì No No, XLI, n. 5, 15/3/2015.]

Caro Editor, permita-me, por meio deste breve artigo, usar a primeira pessoa do singular, pois o que estou para expor vem bem a calhar com o tema e com a minha experiência de filho.

Durante o encontro que o Papa Francisco teve com os jornalistas na viagem de volta [das Filipinas] a Roma, a 8 mil metros de altura, falou-se de demografia, de povoamento humano do planeta, de perspectiva próxima ao malthusianismo, de família e, enfim, como corolário do recente Sínodo, de paternidade responsável.

O Pontífice foi claro, claríssimo: basta de superfamílias que representam, aos olhos do progressismo, mais um castigo do que uma bênção de Deus, em contextos pobres tais como as “periferias” do mundo, as Filipinas ou o Brasil por exemplo, onde vivem, por assim dizer, inúmeros meninos de rua. A família que atualmente deveria valer como modelo deveria manter-se num padrão de três filhos, no máximo. Ah sim, porque, como comenta o suposto teólogo Vito Mancuso, para os medievais “todo três é perfeito” (apud “Il pastore del popolo” in La Repubblica, 20/1/2015). Portanto, caros pais, tomai jeito; consultai especialistas, psicólogos, sacerdotes, frequentai centros assistenciais, mas não exagereis em “fazer filhos como coelhos”!

Não parece também a vós, caros leitores, ler ou escutar um anúncio do Planned Parenthood maçônico? Um Papa que se põe a regulamentar os nascimentos como um Malthus qualquer!

Até que enfim uma linguagem clara – alegra-se a imprensa mundial –, uma expressividade popular que tanto agrada e que nunca seria adotada por um João Paulo II ou por um Bento XVI; ainda segundo Mancuso, uma linguagem que, sem subverter a ordem do divino Criador nem cair em aberto malthusianismo, adverte que “pôr no mundo muitos filhos é tentar a Deus”, especialmente onde reina a pobreza.

Para reforçar a sua observação, o Papa Francisco lembrou (pouco discretamente, ele que havia condenado a “fofoca”) ter desaprovado uma senhora que concebera pela oitava vez, depois de ter tido partos cesarianos nas precedentes gestações: “Gostarias de deixar órfãos teus filhos? Tu tentas a Deus!”. Como se vê, é uma constatação malthusiana acompanhada de bom senso econômico que, ao preocupar-se da saúde da mulher e do futuro dos filhos, desconfia daquela Providência de Deus que se preocupa de toda a criação: “Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros, e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vós muito mais que elas?” (Mt 6,26).

Portanto, ter comparado a função materna, ainda que cumprida no contexto de um risco, com um “tentar a Deus” parece-nos – e é – sinal de total desconfiança em Deus e na sua potência, bem como de confiança máxima e única nas medidas humanas. “Teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens!” (Mt 16,23), diz Jesus a Pedro.

Ademais, a comparação da paternidade generosa com a dos coelhos é indício não somente de linguagem trivial, vulgar e plebeu, e de pensamento superficial e banal, mas também de manifesto escárnio àquele sagrado e misterioso dom, dado diretamente por Deus ao homem, que é a capacidade de contribuir para a reprodução de seres racionais. Mas enfim, este é o Papa que fala, infelizmente, de improviso e que perde a direção, especialmente quando fala na Casa Santa Marta e nos voos, e que faria melhor se dirigisse as suas elevadas e mordazes desaprovações aos políticos das Filipinas, de maioria católica, exigindo a adoção de medidas em apoio e tutela dos pobres e da família, em vez de implicar com os cônjuges “coelhos” e irresponsáveis. A imprensa não captou esse aspecto porque preferiu desfrutar tolamente a hilaridade da analogia acima. É evidente, nessa circunstância, a herética e vergonhosa inversão da lógica cristã.

Em consequência desse reprovável sermão, pensei em meus falecidos genitores e, assim, dirigi-lhes mentalmente esta minha amargurada carta:

“Queridos papai e mamãe, só agora, 20/1/2015, com a idade avançada de 73 anos, durante os quais vos amei como parte de mim mesmo e até mais, só agora, como dizia, compreendo a superficialidade, porém, com que levastes o vosso papel de pai e de mãe. É verdade que, para vossa justificação, influíram muitos fatores negativos, porque o vosso foi um tempo em que, sem televisão, sem informação oportuna, sem movimentos abortistas, sem pílula do dia seguinte, sem ‘nova teologia’, mas com tanta pobreza, tanta santa ignorância, não encontrastes coisa melhor do que colocar no mundo oito – oito, enfatizo – filhos. É verdade que a estes nunca deixastes faltar o pão, ainda que às vezes escasso e seco; é verdade que não soubestes oferecer-lhes uma educação livresca, mas só aquela da simplicidade, da honestidade e da oração; é verdade que tu, papai, não pudeste fazer ainda melhor porque partiste com 41 anos, consumido pelo feroz tumor do câncer e pela irremediável dor da precedente perda do menor de teus filhos, de somente 5 anos, atropelado por um frio automóvel; é verdade que também tu, mamãe, não soubeste então fazer outra coisa senão confiar no Senhor, trabalhando até esgotar-te pelo cansaço, mandando tuas duas filhas praticamente adolescentes ganhar o pão, uma num consultório médico, e outra numa alfaiataria da cidade, e meus outros irmãos aprender um ofício artesanal, e eu ao colégio dos Irmãos Maristas. Tudo isso, queridos pais, custou dor, sacrifício e lágrimas que, agora, depois dessa revelação do Papa, sei que nos podiam ser poupados, se tivésseis sido somente “mais responsáveis” e não “tivésseis tentado a Deus”, tirando do forno um filho atrás do outro. Com um pingo daquela maturidade indicada pelo Papa, vós vos teríeis poupado sofrimentos, preocupações, privações e problemas existenciais. Agora que tu, papai, e tu, mamãe, estais lá em cima, como creio e espero – contanto que Deus não vos tenha responsabilizado pelo bergogliano pecado de “temerária irresponsabilidade” –, cercados de cinco de vossos filhos e meus irmãos, vós vos livrastes das complicações deste mundo e deixastes-me, juntamente com outra irmã e outro irmão, a debater-me neste vale de lágrimas.

Eu deveria, portanto, nutrir para convosco um sentimento de sombria amargura e de compassiva e implícita desaprovação, agora que o Pastor do Catolicismo, Fé na qual eu milito, me fez compreender quão levianos e inconsequentes vós fostes ao colocar-nos no mundo e ter, sobretudo, constrangido o Senhor a empenhar-se a proteger-nos e guardar-nos. Bastavam três, os primeiros três filhos, dos quais dois, já depois de um ano e meio, partiram, vítimas da gripe. Nós, os outros cinco, nunca concebidos, não teríamos de suportar travessias, impedimentos e dores. Teríamos sido um puro nada, e eu não estaria aqui a acusar-vos da vossa inconsiderada prolificação. Então, queridos papai e mamãe, se tivesse de consentir com a doutrina deste Papa, que fala claro, eu vos teria de acusar de nos ter causado, com a vossa irresponsabilidade, dramas e odisseias gratuitas e nunca desejadas.

Mas não é bem assim, não é assim de forma alguma, e vós sabeis disso.

Fostes, na vossa simplicidade de pais analfabetos, os melhores, porque fostes ricos do sorriso do pobre que se satisfaz com pouco, ricos da fé em Deus, ricos daquele bom senso pedagógico, amoroso e severo na medida certa, diante do que desaparecem inclusive os mais refinados e eruditos sistemas educativos laicos. Recordo aquele senso de ingênua e festiva felicidade quando todos, em volta da mesa, esperávamos que tu, mamãe, servisses o modesto, mas merecido jantar. Unidade e amor, confiança e inocência. A vossa ação sempre andou no caminho da honestidade, da sinceridade, da boa vontade, da moderação, da prudência e do respeito. Vós nos educastes para esses valores, para não desejarmos tanto, para não roubarmos, para não praticarmos o vício, e, nos momentos de luto, soubestes confortar-nos, dando-nos a esperança de que tudo, em seguida, terminaria bem. Ainda hoje, à distância de décadas, os vossos rostos estão vivos no nosso ser e presentes na minha casa, retratados em duas pequenas telas, por mim amorosamente realizadas e colocadas ao lado de um quadro da Virgem Maria com o Menino.

Diga o que quiser o “bispo de Roma”, mas o Senhor, longe de vos atribuir culpas, acolheu-vos na sua glória, e estou certo disso porque tu, papai, depois de uma vida, tão breve, transcorrida inteiramente desde a infância entre restolho torrado de trigo e empoeiradas minas, morreste jovem invocando o seu santo Nome e entregando-te à tua preferida Santa Rita; e porque tu, mamãe, nascida num sábado dia 25 de março e, por isso, chamada Annunziata, te reuniste com ele num sábado dia 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima.

Amo-vos, hoje ainda mais, tão amados irresponsáveis!

Vosso filho agradecido, sétimo de oito,

L.P.

A ideologia do gênero e a deusa democracia

Postado por Admin.Capela em 09/jun/2015 - Sem Comentários

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Há algo de desconcertante no debate que se tem travado nos últimos dias sobre a ideologia do gênero que os esquerdistas, aliados aos liberais, tentam  impingir por todos os meios às nossas crianças da rede pública de ensino, após o Congresso Nacional ter recusado incluir no plano nacional de educação o vocabulário próprio desse discurso insano sobre o homem.

Com efeito, alguns articulistas parecem mais preocupados em denunciar a artimanha de que se valem os degenerados em sua empreitada de promover a revolução dos costumes e valores como uma violação das regras do jogo democrático do que em argumentar contra a tal ideologia do gênero como uma ameaça à sobrevivência da humanidade e uma gravíssima ofensa à ordem moral estabelecida pelo Criador. A impressão que se tem é que o valor supremo, que  querem defender de qualquer ataque, de qualquer afronta, é a democracia que se viu violada pela estratégia empregada pelo governo federal, ficando relegados a segundo plano a crítica e o combate à ideologia do gênero.

A esta lamentável insuficiência discursiva acresce outro problema: a patente incapacidade de alguns articulistas católicos de ver que há uma relação de causa e efeito entre o democratismo moderno e a rápida e crescente degenerescência da humanidade nos últimos anos desde quando a subcultura do democratismo, do “inclusivismo” e do discurso antidiscriminação passou a predominar em todos os âmbitos da sociedade.

Ora, é incontestável que a ideologia do gênero é apenas um fruto sazonado desse jardim do democratismo, no qual qualquer canalha atrevido, gozando da liberdade e da igualdade asseguradas pela constituição “cidadã”, sem sentir-se vinculado a nada e a ninguém a não ser à vontade própria, se julga soberano e a própria lei, acima de todo o resto da sociedade, que deve “respeitar” seu comportamento, porque cada um pode viver como quiser, com tal que não perturbe a “ordem democrática” ou o “Estado democrático de direito”.

É evidente que a democracia laica, fundada no dogma da soberania popular e inspirada pela nova religião cientificista, tem de aprovar a ideologia do gênero. Está na lógica dos seus princípios. A ideologia do gênero está em perfeita harmonia com a ideologia democratista moderna na medida em que ambas advogam em favor da soberania do indivíduo. É um grande equívoco pensar que a democracia é o regime da lei que organiza a sociedade em vista do bem comum, estabelecendo direitos e deveres dos homens segundo suas condições. A verdade é que não temos nenhuma garantia jurídica; basta ver que  o Supremo Federal legisla, o Executivo atropela o Legislativo, e este último não representa o povo, mas só cuida dos seus próprios interesses. O resultado é que não há autoridade política séria que governe a nação com prudência e conforme a lei.

Dentro dessa triste realidade é uma remata tolice querer, na luta contra a implantação da ideologia do gênero, argumentar em defesa da legalidade democrática, não ousar afrontar os sentimentos democráticos do homem moderno e deixar de denunciar que a liberdade de “opção sexual”, o transexualismo, enfim a ideologia do gênero, é um dos sintomas de uma  patologia moderna ainda maior chamada democratismo que fez do homem o Ser Supremo no lugar de Deus Nosso Senhor Rei das Nações.

Se Deus não existe, ou se cada um inventa o seu deus, se a sociedade não reconhece uma ordem moral objetiva, porque o poder emana do povo, se a liberdade individual não tem outro limite senão a própria conciliação dos arbítrios, é claro que tem de haver não só eutanásia, aborto, “casamento” homossexual, necrofilia, zoofilia, mas também mudança de “sexo”. Quem pode o mais pode o menos. Quem pode a eutanásia, por que não pode também a mudança de sexo? Se nas escolas se deve ensinar que a eutanásia é uma coisa normal diante do sofrimento físico, por que não se poderá ensinar a licença absoluta dos costumes?

Diante desse niilismo ético da democracia moderna, que deriva do dogma da soberania popular e da transmutação do dogma fora da Igreja não há salvação para o dogma fora da democracia não há salvação, só há um remédio: os católicos declararem um combate intrépido não só à ideologia do gênero, mas a sua causa natural, o democratismo. Um combate doutrinário que esclareça o verdadeiro sentido da política, como organização da cidade formada por um  conjunto de famílias e não simples soma de indivíduos soltos, como a arte de promover o bem comum, a vida virtuosa em ordem ao fim último. É preciso também deslindar o erro que se formou em torno da noção de cultura e de sua relação com a natureza. Infelizmente, também neste ponto há vários jornalistas católicos que não têm sabido explicar essa questão ao tratar do erro da ideologia de gênero.

O fundamental, porém, é que se desmascare o erro da religião moderna: a tentativa que se verifica, desde o Vaticano II, de conciliar o inconciliável: a visão teocêntrica e a visão antropocêntrica do mundo, a concepção do mundo fundada na lei de Deus, na vontade de Deus, e a concepção do mundo em que o homem é soberano, “cidadão”, uma concepção de mundo em que só o homem é rei e Cristo, no máximo, será presidente por um mandato, sem direito à reeleição, de uma república universal, eclética, em que todas as religiões e indivíduos, sem nenhuma distinção, viverão como quiserem na nova Babilônia. Não haverá mais homens e mulheres procedentes de famílias e linhagens, mas só indivíduos. Só assim, não havendo mais homens nem mulheres, mas só indivíduos, em pé de igualdade, haverá liberdade absoluta. Sob a batuta do Anticristo, é claro.

Anápolis, 10 de junho de 2015.

Santa Margarida, Rainha e Padroeira da Escócia.