Arquivo de 17 de janeiro de 2017

A nova Inquisição contra os cardeais “rebeldes”

Postado por Admin.Capela em 17/jan/2017 - Sem Comentários

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Finalmente, chegou ao conhecimento do grande público a vergonhosa divergência doutrinária entre um grupo de cardeais ditos “conservadores” e o papa Francisco sobre a exortação pós-sinodal Amoris laetitia. Uma divergência doutrinária vergonhosa e descabida por vários motivos. Vergonhosa porque já se pôde notar, ao longo da contenda, mudança de posições adotadas por ao menos um dos críticos de Amoris laetitia, como o sr. cardeal Muller, da Congregação para a Doutrina da Fé, que antes se declarava contrário às inovações da referida exortação, e agora se bandeou para o lado do papa, censurando publicamente os cardeais que interpelam Francisco I. Vergonhosa também porque em seus desdobramentos essa contenda começa a ferir os direitos da Soberana Ordem de Malta unicamente com o escopo de atingir seu patrono, o cardeal Burke, um dos principais signatários da interpelação do pontífice, mais conhecida como dubia. E descabida porque versa sobre um ponto doutrinário sobre o qual não paira a menor dúvida: um casamento rato e consumado não pode ser dissolvido nem sequer pelo papa, de modo que quem contrai segunda união após um casamento legítimo comete pecado de adultério e, por conseguinte, não pode receber absolvição enquanto não se desligar da união ilegítima e não pode receber a sagrada comunhão.

Agora os cardeais interpelantes estão sendo censurados pelo cardeal Muller por terem tido a coragem de tornar pública a correspondência dirigida ao papa como se fosse um desacato à autoridade do pontífice, uma intimidação contra o santo padre. Mas o pior é que se começa a esboçar um verdadeiro processo atrabiliário contra os cardeais, já ameaçados de degradação do cardinalato pelo presidente da Rota Romana. Com efeito, dir-se-ia que se estabelece uma inquisição bem ao gosto dos tempos modernos, bem adaptada à mentalidade do homem de hoje e aos recursos disponíveis. Em vez de um tribunal que julga os delitos contra a fé à luz da doutrina perene, à luz do dogma, em vez de um tribunal que conta com o trabalho sereno de teólogos que instruam um processo, apela-se logo aos meios de comunicação para conceder entrevistas que conquistem a simpatia da opinião pública, em vez de tratar o assunto em seu âmbito próprio e com os critérios legítimos. E a imprensa, que historicamente sempre se posicionou contra a Igreja e promoveu todas heresias e revoluções anticristãs, agora se mostra solidária com o papa e vilipendia os cardeais “conservadores” rotulados de rigoristas, homens rígidos, legalistas, desumanos, completamente alheios à realidade, incapazes de perceber a complexidade da vida humana que não se pode engessar dentro de esquemas teológicos ou ideológicos, como gosta de dizer Francisco I.

Quer dizer, a nova Inquisição entrega os cardeais acusados de cisma ao novo braço secular da Igreja pós-conciliar, a mídia. E esta se encarrega de executar a sentença de morte, condenando à execração pública os cismáticos que teimam em defender a moral familiar tradicional. Realmente, foi isto que se pôde verificar na edição do último domingo do jornal “O Estado de S. Paulo”, numa matéria de página inteira em defesa de Bergoglio e contra os cardeais “conservadores”, sob o título A revolução e a reação a Francisco dentro do Vaticano.

É pasmoso que um jornal de tradição maçônica, secular, cientificista, e não sei que coisa mais, saia em defesa de Francisco. Um jornal que promove o aborto, o casamento gay, o feminismo, o controle demográfico a qualquer custo, publica uma matéria contra os cardeais. E chama a atenção o fato que a matéria entrevista alguns “especialistas” que desenvolvem a defesa de Francisco, não com argumentos teológicos, mas recorrendo apenas a razões sociológicas para justificar a abertura de Francisco, ou melhor, a traição da doutrina católica sobre o casamento: a sociedade mudou, há uma nova cultura, a Igreja tem de adaptar-se, enfim, as bobagens de sempre.

Entretanto, do fim do mundo, quero dizer, da Argentina (assim a chamou Francisco I quando se apresentou ao mundo como o “bispo de Roma”) não vêm apenas sobressaltos. A grande nação platina é berço de grandes intelectuais católicos. É a terra de Cristián Iturralde. autor de La Inquisición – un tribunal de misericordia (Buenos Aires – 2012). Uma obra preciosa, um estudo realmente científico, com uma profusão de informações bem documentadas e concatenadas sobre o tema da Inquisição, o cavalo de batalha de todos os inimigos da Igreja e também dos maus católicos.

Uma das informações bem documentadas da obra de Iturralde, a qual vem bem a calhar com a contenda entre Francisco e os cardeais “rebeldes ou conservadores”, é a que nos diz que todas as religiões, em todos os tempos, inclusive as seitas protestantes apesar do seu proclamado livre-exame, sempre exerceram uma censura contra os seus hereges e aplicaram uma sanção. Sobre o judaísmo, por exemplo, o autor informa, com abundantes documentos, como os judeus apelavam para a Inquisição para que punisse os hebreus acusados de heresia, como o famoso Moisés Maimônides. Cita autores judeus que dizem que os rabinos e doutores da sinagoga tinham ótimas relações com os inquisidores, porque, como não tinham poder coercitivo contra os seus hereges, queriam que os inquisidores os punissem. Mostra que os guetos, as “juderias”, eram organizações queridas pelos próprios judeus para preservarem suas tradições e costumes; que não se tratava absolutamente de uma segregação injusta dos grandes reis católicos. Diz também que a Inquisição espanhola deve sua origem aos hebreus que, à medida que se convertiam ao catolicismo, lhe traziam seus procedimentos.

Iturralde esclarece perfeitamente a lenda da “pureza de sangue”, a infamante acusação de racismo lançada contra os papas e os reis da Espanha, recordando a postura antirracista do rei católico Fernando e citando bulas  dos papas Nicolau V e Sixto IV. Explica que a pureza de sangue significava não ter antecedentes heréticos nem imputação de outros delitos. Pureza de sangue significava, diz, um conjunto de fatores espirituais e morais, como a tradição, a fé, um destino comum, não era uma categoria racial.

Na página 47 da referida obra Iturralde destrói todas as imposturas contra a Inquisição,sustentadas até por pessoas “cultas”:

a) Galileu foi queimado pela Inquisição.

b) Tomás de Torquemada queimou milhares de protestantes.

c) a Inquisição queimou milhares de bruxas.

d) a Espanha, a Igreja e a Inquisição foram racistas.

e) o castigo comum da Inquisição era a fogueira.

f) o primeiro inquisidor São Domingos queimou milhares de hereges com a Inquisição medieval.

Responde Iturralde:

a) Galileu morreu de morte natural, em sua casa, gozando de uma pensão papal.

b)Torquemada morreu em 1498,vinte anos antes da revolução luterana.

c) A Inquisição espanhola nunca se interessou realmente pelas bruxas, as quais tinha por impostoras e loucas. Os protestantes ingleses e alemães,ao contrário, levaram-nas a sério: 150.000 pessoas queimadas, em sua maioria mulheres, só por acusações de bruxaria.

d) Houve milhares de inquisidores, religiosos, oficiais régios de origem judia.

e) A fogueira, empregada por quase todos os tribunais na história, só raramente foi empregada pela Inquisição, por considerá-la um castigo sumamente rigoroso. Os protestantes, ao contrário, empregaram este suplício em abundância.

f) São Domingos não foi o primeiro inquisidor, muito menos fundador do tribunal pontifício, tendo morrido dez anos antes da criação da Inquisição medieval.

Ademais, Iturralde esclarece como se originou a legenda negra contra a Igreja e a Inquisição. Os hereges que odiavam a Espanha e a Igreja usaram e abusaram da imprensa para lançar suas mentiras e calúnias. O espanhol, povo nobre e cavalheiro, cristão que não guarda rancor, não respondeu às difamações. Só tardiamente surgiram os bons apologistas católicos, como Menéndez Pelayo e outros que desmascararam um Llorente, por exemplo, o padre inquisidor, jansenista, que se voltou contra a Inquisição que servira e publicou uma obra infame a respeito do Santo Ofício.

O autor expõe também as garantias processuais da Inquisição, que não cabe aqui reproduzir.

A conclusão a que se chega é que hoje os cardeais submetidos à nova inquisição da Igreja pós-conciliar estariam em situação bem mais vantajosa se fossem conduzidos às barras do tribunal da Santa Inquisição! Que Nossa Senhora das Vitórias os proteja!

Anápolis, 17 de janeiro de 2017.

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