A barbárie dos nossos dias

Postado em 30-09-2011

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Talvez aos olhos de um habitual leitor desta coluna o que direi nestas linhas pareça mais uma cantilena lamurienta de um tradicionalista inconformado com o rumo dos acontecimentos.

Com eloqüência ou  com  monotonia, o que importa é que a verdade seja honrada defendida.

Há poucos dias a ONU promoveu “o dia internacional da democracia”, apresentada mais uma vez como a panacéia dos males da humanidade. E festejada pelos avanços obtidos nos últimos quarenta anos no mundo inteiro.

Não é minha intenção analisar as mazelas da democracia moderna. Qualquer pessoa dotada de um mínimo espírito crítico está apta a ver quanto embuste, quanta farsa, se esconde atrás dessa idéia de democracia, que se tornou a única religião fora da qual não há salvação. Mas é curioso observar que os católicos hoje têm vergonha de professar o dogma fora da Igreja não há salvação, como se fosse uma forma de orgulho, de arrogância, enquanto os sectários da democracia moderna se tornam cada vez mais intolerantes e intransigentes contra aqueles que ousam discordar da tese da democracia elevada ao estatuto de nova religião universal que impõe um novo decálogo (os direitos humanos) em lugar dos mandamentos da Lei de Deus.

Nessa semana de comemoração, “conscientização” e ideologização do “dia internacional da democracia” observei duas imposturas repugnantes que me causaram indignação, entre muitas outras.

Refiro-me à afirmação feita por muitos colunistas de que, após a Segunda Guerra Mundial, com o fracasso de outros modelos políticos como o nazi-fascismo e o comunismo, a democracia aflorou em todo o mundo como o único sistema político admissível, de modo que aqueles países, que, por circunstâncias históricas as mais diversas, tiverem uma origem e uma constituição alheias ao espírito da democracia moderna devem ser induzidos a adotá-la de alguma forma dentro de um tempo. (A esses comentaristas políticos só lhes faltou a honestidade intelectual de declarar que são favoráveis a uma guerra pela democracia universal).

Ora, são inúmeros os graves problemas que denunciam os defeitos intrínsecos  do sistema democrático moderno. Basta recordar a enorme concentração da riqueza nas mãos de poucos. Nos EUA, protótipo da democracia que se quer exportar pelo mundo afora, a classe média está esmagada e a representação política no congresso é privilégio dos milionários, que lá ascendem por meio de campanhas eleitorais talvez tão sórdidas ou mais que as praticadas entre nós. Na França também, a concentração da riqueza  é enorme e maior que a existente antes da queda Bastilha!

Além disso, é uma injustiça dizer que regimes políticos como o do Generalíssimo Francisco Franco e  o do professor Antonio de Oliveira Salazar foram incapazes de promover o bem comum e não têm nada de bom a oferecer a posteridade. É uma clamorosa injustiça dizer que a democracia é o único regime que assegura os direitos individuais. Muito antes que houvesse a democracia moderna, o direito de propriedade já estava assegurado, o habeas-corpus já era garantido e uma conveniente participação dos homens na vida pública considerada como algo justo e desejável.

A outra impostura que me causou indignação foi a pretensão de alguns senhores de apresentar a democracia como o único remédio capaz de curar o mal da intolerância na sociedade multiculturalista hodierna.

Semelhante impostura é a mais ardilosa, porque supõe que a democracia é neutra diante dos vários segmentos da sociedade e tenta solucionar pacificamente possíveis conflitos. Não existe sociedade sem identidade. Não existe nação sem identidade cultural, sem raízes históricas, sem tradições. O chamado multiculturalismo moderno não passa de uma tática de homens perversos ou irresponsáveis que querem a destruição de nossa tradição cultural. O exemplo mais palpável que se pode citar a respeito é o ocorrido no Brasil: ao tempo do Império éramos um estado confessional católico; a república, em nome do falso princípio do Estado neutro, promoveu a separação entre Igreja e Estado, e adotou, na verdade, um novo culto, o culto positivista, inscrito até na pavilhão nacional.

A antiga cristandade ocidental, proclamando abertamente seus princípios e valores, sempre soube administrar o problema da diversidade cultural. Soube fazê-lo, porque não ocultou sua própria identidade. A grande obra de colonização e evangelização da América é a prova de como culturas diversas podem encontrar-se e fecundar-se mutuamente. Tal assunto, como se sabe, foi explanado com maestria por Francisco de Vitória em sua relação De Indiis, cuja leitura se recomenda a quem se interessa por problemas de filosofia jurídica.

O fato é que a democracia moderna nos conduz à barbárie. A cada dia que passa vemos os sinais mais evidentes de uma patologia social profunda. A degradação do homem, a corrupção da infância, o desprezo da velhice, a violação da vida humana nas mais diversas formas, se não provam uma influência especial do maligno sobre o mundo em nossos dias, ao menos provam que as instituições políticas faliram. O Estado democrático moderno é impotente diante de tantos desafios, não está apto a promover a justiça e a felicidade do homem, razão de qualquer sociedade política.

Houve um autor que disse: “Onde quer que a religião lute com a barbárie , a história nos diz que aquela triunfa; porém, se a luta se trava entre a filosofia e a barbárie , triunfa esta.”
Realmente, sempre que a Igreja lutou ela venceu. Mesmo na modernidade, que representa o maior desafio para a fé, a Igreja, quando lutou, triunfou. Triunfou na Contra-Reforma. Ressurgiu das catacumbas após a Revolução Francesa, com a restauração das várias ordens religiosas. No princípio do século vinte repeliu a heresia modernista sob São Pio X e a ameaça comunista sob Pio XII, após a segunda guerra. Mas desde o Vaticano II, quando resolveu depor as armas e dialogar em pé de igualdade com as correntes filosóficas modernas e oferecer um cristianismo diluído na forma de humanismo, a Igreja só vem colhendo derrota e a barbárie  expandindo-se pelo mundo inteiro.

Em conclusão, desejaria dizer que o grande desafio que se impõe à Igreja em nossos dias é, sem dúvida, a luta contra a ideologia democrática. Uma heresia secular e sutil que dissimula seu caráter  supra-religioso, a qual quer irmanar todos os povos, culturas, religiões acima de qualquer dogma ou valor moral que não sejam aqueles estabelecidos pelo próprio homem e vem seduzindo, com o espírito de Assis, os católicos, que, esquecidos da lição do Evangelho (de que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua alma?), querem a paz e a prosperidade a qualquer custo, ainda que seja ao preço da rejeição do Reino de Cristo.

Anápolis, 30 de setembro de 2011.

Festa de São Jerônimo.

Pr. Conf. Dr.