A conquista da América e a Igreja

Postado em 31-01-2013

Outro dia um amável leitor do site Santa Maria das Vitórias perguntou-me se possuía algum material bom sobre o tema da catequese dos índios no período colonial porque tinha tido uma contenda com uma professora de História de uma universidade federal. Sua mestra dirigira uma arenga baseada na legenda negra deblaterando contra a Igreja, acusando-a de coautora de um verdadeiro genocídio, etc. É um realejo volta e meia acionado para impressionar os incautos. O ditador Hugo Chávez pretendeu que o papa Bento XVI pedisse perdão pelos crimes cometidos contra os indígenas durante a evangelização da América.

O aluno, inteligente, não suportou calado tanta asneira, ignorância e falsidade. Argumentou bem, conforme me disse. No entanto, queria reunir maiores  informações a respeito.

Embora não seja historiador, proponho-me  fornecer algumas informações sobre o descobrimento da América e a catequese dos índios que poderão ser úteis aos católicos que amam a Igreja, não toleram vê-la denegrida e prezam a verdade histórica. Há dezesseis anos defendi uma dissertação com o título O Padre Antonio Vieira e a defesa dos índios no Brasil. Raízes bíblicas e patrísticas de sua argumentação através de seus sermões e cartas. Na ocasião, tive de estudar um pouco o aspecto histórico do tema, orientado por um professor da Universidade Gregoriana, pesquisando na biblioteca da referida universidade, na Casa Generalícia da Companhia de Jesus e no Centro Português de Cultura em Roma.

Parece-me que a primeira coisa que é preciso dizer a respeito é que a descoberta da América constituiu, sim, um problema de consciência para a cristandade, ao menos para a parte sã da cristandade que vivia sob o influxo da escolástica e da reforma tridentina. Logo após o descobrimento da América, a Igreja pronunciou-se, prevendo o perigo de abusos e injustiças cometidos por cristãos no novo continente. O papa Alexandre VI e os reis da Espanha  preocuparam-se em mandar para América homens de bem, de vida coerente com a fé, a fim de converter os aborígines. Alberto  Caturelli, em Il nuovo Mondo Riscoperto, comenta: “O papa sabe perfeitamente, como o sabem os reis e todos os cristãos, que frequentemente não fazemos o que desejaríamos mas aquilo que aborrecemos, que o bem que amamos não o fazemos e o mal que não amamos é justamente o que fazemos (Rom. 7, 15-19).

Em suma, para compreender a história da conquista da América, cumpre ter uma visão realista das coisas. Não se pode, por um lado, pensar, como os românticos, que os  indíginas fossem todos puros e inocentes, pacíficos e amigos da natureza e, de outro lado, conceber os europeus como tarados, carcomidos por uma tradição cultural e religiosa hipócrita, que vinham à América apenas para satisfazer suas paixões (sensualidade e cobiça) reprimidas pela civilização européia.

Diante das injustiças cometidas contra os índios levantou-se a voz dos missionários, teólogos, papas e reis católicos. Avultam, por exemplo, as figuras de frei Montesino, o filósofo dominicano espanhol Francisco de Vitória, professor da Universidade de Salamanca, um dos fundadores do Direito Internacional Público, e autor da célebre Relação De Indis, obra em que examina os títulos que legitimavam a entrada dos europeus na América (entre eles a natural sociabilidade dos homens) e afirmava os direitos naturais dos aborígines. A doutrina de Vitoria funda-se na noção de natureza humana comum a todos os homens. A edição de De Indis que possuo diz na apresentação: La corte de Fernando el católico movilizó juntas de teólogos y juristas en Burgos y Valladolid para encauzar aquel grito revolucionario. Se promulgó la primera legislacion de Indias, para el buen trato de los naturales y regulando sus trabajos en las encomiendas.

Por sua vez, o magistério da Igreja posicionou-se  contra qualquer tipo de escravidão. Em 1462,  Pio II censurou a redução a cativeiro de indivíduos da África. Em 1537, Paulo III, com a bula Sublimis Deus, e Urbano VIII, com a bula Comisssum nobis, de 1639, tomaram a defesa dos índios (cf. A Igreja e a escravidão, do cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho, Rio de Janeiro, 1985). Igualmente, a monarquia bragantina, influenciada pelo grande padre Antonio Vieira, tomou a defesa da liberdade dos índios através da lei promulgada pelo príncipe Pedro II. A propósito, Maxime Haubert em sua memória apresentada na Real Academia de Bruxelas, L’Église et la defense des “sauvages”  (Bruxelas, 1964) diz: Les rois catholiques s’entouraient de toutes garanties morales et juridiques, et leurs décisions n’avaient rien d’arbritraire ou improvisé. Elles étaient longuement elaborées par le Conseil d’Outremer, Conselho Ultramarino, crée en 1642. Les rois prenaient l’avis des missionaires, des colons, des indiens.

Outro aspecto do problema em torno do qual há muita confusão e exagero é a questão da densidade demográfica índigina no Brasil. Fala-se de um “holocausto” como o da Segunda Guerra. Na verdade, no vastíssimo território do Brasil havia imensas regiões despovoadas ou pouco povoadas. Calcula-se que no Brasil a população indígina no ano de 1.500 era em torno de 1.100.oo0, tendo diminuído para 500.000 por volta de 1.940 (Cf.  a nota ao pé de página de Boehrer, in Apontamentos para a civilização dos índios bárbaros do Reino do Brasil, de José Bonifácio de Andrada e Silva) . Se considerarmos a enorme miscigenação que houve nos primeiros séculos, a redução da população indígina provocada por atos de violência ou por pestes disseminadas por europeus não foi tão drástica como se diz.

Ademais, é preciso afirmar que os povos nativos, antes da chegada dos europeus, estavam dominados por costumes mais que desumanos, monstruosos, que a reta razão não pode justificar. Esses costumes só se explicam como consequência da idolatria, do culto satânico oferecido pelas falsas religiões aos ídolos.  Só se explicam pelo obscurecimento da consciência moral em decorrência dos vícios arraigados em uma pseudo-cultura pagã. As várias nações indíginas viviam guerreando entre si, dominando as mais fortes brutalmente sobre as mais frágeis, oferecendo sacríficios humanos em uma verdadeira hecatombe. São inúmeros os documentos históricos que provam essa triste realidade, que foi sendo corrigida e abolida por obra dos generosos e heróicos missionários católicos. Aqui no Brasil as cartas do Beato José de Anchieta relatam esses fatos. Há uma carta em que ele conta como tentou salvar uma criancinha recem-nascida enterrada viva pelas índias que davam gargalhadas enquanto o santo missionário tentava salvá-la.

É fato incontestável que os europeus foram recebidos como libertadores pelas nações indíginas oprimidas. E recorde-se ainda a história de Montezuma, que acolheu bem os espanhóis no México porque guardava a antiga tradição de Kukulcan (que não é um mito), segundo a qual homens do Oriente viriam, submeteriam todos os povos e destruiriam sua religião.

José Huby, em Christus – Manual de historia de las religiones (Buenos Aires, 1952), descreve os rituais de uma barbárie inaudita da religião dos aztecas. O culto do deus Huitzilopochtli, diz Huby, inaugurou os sacrifícios humanos em tal número e de forma tão monstruosa, que o historiador se recusaria a admiti-los se não pudesse provar sua existência  com documentos seguros e irrefragáveis (o. c. p. 125).

E aqui entre nós, no Brasil, Paulo Prado em Retrato do Brasil – ensaio sobre a tristeza brasileira, não poupando críticas aos primeiros colonizadores portugueses por sua luxúria e cobiça (críticas, a meu ver exageradas) também se refere aos costumes desumanos dos silvícolas (reproduz um impressionante depoimento de Gabriel Soares sobre os tupinambás) e diz que os jesuitas, em um período em que havia tanta desordem e abuso, representaram o poder moderador, o elemento de cultura moral, de exaltado misticismo (…) pregavam pela palavra e pelo exemplo: a abnegação, o desprendimento de si foram entre eles qualidades nunca desmentidas.  E acrescenta que lutaram contra os interesses, as ambições, a cobiça dos colonos.

Leão XIII disse que a história tem sido uma conspiração contra a verdade. Aqui no Brasil mais que nunca essa conspiração é urdida pelo governo federal através da comissão da mentira e  da rede pública de ensino. Não podemos ficar apáticos e indiferentes se não quisermos perder nossa identidade, nossos valores, nossa fé.

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Anápolis, 31 de janeiro de 2013.

Festa de São João Bosco