A Igreja e a Nação, o barroco e o romantismo

Postado em 16-06-2010

(Para festejar Otto Maria Carpeaux)[1]

Pe. João Batista de Almeida Prado Ferraz Costa

Outro dia um aluno perguntou-me que forma de governo eu achava que seria a melhor para o Brasil. Certamente esperava ouvir de mim, um padre de batina preta que diz a missa tradicional, a resposta simples e ridícula que eu desejava a restauração da monarquia.

A verdade é que no plano político, hoje, não há nada que fazer. Não tenhamos ilusão. Quando digo que não há nada por fazer, quero dizer que há tudo por fazer. É preciso que tudo seja refeito.

Acontece que a organização política decorre da sociedade civil. Quando esta está em frangalhos, não se pode esperar uma ação política positiva. De maneira que é necessário recomeçar por reconstruir a sociedade civil para restabelecer a ordem política.

Realmente, como organizar a sociedade política se não temos mais famílias bem estruturadas que dêem à sociedade lideranças com senso de responsabilidade pelos valores fundamentais? Sem a instituição da família que tenha plena consciência de sua função insubstituível, não há patriotismo, não há civismo, não há uma consciência nacional. Sem boas escolas que sejam um prolongamento das famílias, que consolidem os valores morais vindos do berço, onde estarão os bons profissionais, o empresariado que gere riquezas para a nação com a consciência do bem comum e da justiça?

Vivemos, pois, num deserto onde falta tudo isso. De modo que qualquer tentativa de uma ação política será um malogro. A política hoje, mais que nunca, pertence exclusivamente aos corsários. A homens sem lei que não têm a mínima noção do que seja a civilização.

É necessário, portanto, principiar pela catequese. A partir daí há alguma esperança. Convenci-me de que é a única coisa que nos pede Deus agora. É a única esperança de um futuro melhor. Ensinando às crianças o catecismo e a história sagrada, preservei-me de todo desespero e ceticismo quanto ao futuro da humanidade.

De fato, se por um lado  ficamos  desacoroçoados ao tentar  convencer um político da monstruosidade do aborto, da ignomínia do “casamento gay”, da iniqüidade do divórcio, por outro é muito animador ver como as crianças se convencem da indissolubilidade do matrimônio a partir de uma simples explicação da criação do homem e da mulher. Até as crianças que vivem o drama de pais separados reconhecem a sabedoria do plano de Deus na criação do homem e da mulher.

Em suma, será a partir da fé que se poderá reconstruir o Brasil. A partir da fé reencontraremos nossa identidade nacional fundada na cultura barroca. Não é à toa que o Beato José de Anchieta é considerado por muitos estudiosos o pai da nossa literatura. Literatura que é expressão máxima do espírito de uma nação.

A propósito do barroco, recorde-se o que disse o admirável ensaísta Otto Maria Carpeaux no interessantíssimo ensaio Tradições americanas:  o barroco é a expressão artística dum sentimento integral da vida. Diz que o barroco foi o responsável pela criação de todos os estados modernos na esteira do Concílio de Trento e da Contra-Reforma. Na Europa ao universalismo medieval sucede a formação das modernas nacionalidades plasmadas pelo barroco. Na América, onde não havia ainda nações criam-se os Estados por obra do barroco que é muito mais do que um simples estilo de arte, explica Carpeaux. [2]

Como se sabe, no processo de consolidação da independência e de formação do Império do Brasil, o papel do romantismo foi capital na medida em que auxiliou na afirmação dos valores nacionais, tanto na exaltação dos nossos  recursos naturais como na do próprio caráter do homem brasileiro, principalmente o índio.

Carpeaux explica muito bem a relação entre o barroco e o romantismo. Diz: “O romantismo é outro fenômeno capital: ele constitui toda a história espiritual e política da América Latina do século XIX. O romantismo ibero-americano é um fenômeno erzatz da tradição barroca interrompida. As experiências européias confirmam a conjectura: o romantismo é um verdadeiro contrabarroco, criação do conservantismo nacional dos princípios do século XIX, como reação contra a destruição do Estado absolutista pela Revolução. Essa origem conservadora parecerá estranha, em vista do papel revolucionário do romantismo na Europa ocidental e na América. O romantismo, porém, é uma das encruzilhadas da história espiritual, onde as contradições se encontram e se entrelaçam, dialeticamente.” [3]

Hoje, quando nos achamos sem nenhuma perspectiva de futuro, com o sentimento de que perdemos completamente nosso rumo, é necessário que façamos um esforço para redescobrir quem somos como nação, quais são nossas origens. Daí a necessidade de estudar a fundo o  barroco como o nosso berço e o romantismo como nossa pia batismal. Ainda que não constituam os princípios filosóficos fundamentais da grande tradição política de Aristóteles e Santo Tomás, foram eles que nos plasmaram como nação e, portanto, a eles, a despeito de qualquer lacuna, devemos retornar para que nos conheçamos melhor a nós mesmos.

Querer condenar essas correntes como espécies degeneradas porque nascidas já no mundo moderno  não me parece sensato. Querer apreciar o barroco apenas como um legado  precioso de obras artísticas de inegável valor sem impregnar-se do  seu espírito como o cerne da nação brasileira  é não compreender plenamente quem somos. Outrossim, quanto ao romantismo. Desprezá-lo como um subproduto de artistas dilacerados por uma suposta visão gnóstica do mundo é fazer uma crítica parcial baseada em duvidoso critério.

O fato é que somos herdeiros do barroco e do romantismo. Não podemos despojar-nos dessa “segunda natureza”, desses hábitos culturais que nos envolvem e constituem o nosso debilitado caráter nacional.

Estou convencido de que um bom apostolado passa, é claro, em primeiro lugar por uma catequese sólida (o catecismo de São Pio X) e, em segundo lugar, pela redescoberta de nossa tradição cultural. Não será aclimatando  o gótico aos trópicos (tentativa infeliz e infrutífera do movimento litúrgico modernista de antes do Vaticano II), que vamos promover uma cultura católica no Brasil. Não será tampouco restabelecendo os padrões estéticos  do arcadismo, mas voltando ao barroco do Pe. Vieira, ao espírito de nacionalidade que animou os autores ecléticos e românticos do século XIX e os levou a sustentar o segundo reinado, período áureo da história do Brasil, será redescobrindo e estudando essas fontes, que poderemos salvar o Brasil da barbárie petista. Carpeaux dizia que não há nada mais revolucionário no mundo do que uma tradição esquecida e ressuscitada.

Ressuscitemos esses valores nacionais. E a revolução às avessas estará feita.

Anápolis, 16 de junho de 2010.

 


[1] – Quando fazia meu curso jurídico quase sem nenhum interesse e  proveito, meu único prazer na faculdade era passar horas na biblioteca lendo a monumental História da Literatura Ocidental de Otto Maria Carpeaux.

[2] – CARPEAUX, Otto Maria. Ensaios reunidos, v. 1. Topbooks, 1991, RJ, p. 470.

[3] – Ibidem.