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Centro Comunitário da Capela Santa Maria das Vitórias

Postado por Admin.Capela em 21/jan/2023 - Sem Comentários

Colabore com a construção de nosso Centro Comunitário!

Para a preservação da inocência de nossas crianças e maior glória de Deus!

 






 

Imagens

Finalidade

O centro comunitário que desejamos construir com a ajuda de Deus e a generosidade dos nossos benfeitores terá a finalidade de abrigar as diversas atividades desenvolvidas na Capela Santa Maria das Vitórias em benefício não só das famílias que a freqüentam habitualmente, mas também das pessoas mais carentes que procuram nossa capela em demanda de auxílio.

Indicamos a seguir algumas obras realizadas regularmente em nossa capela:

  1. Estudo do Catecismo Romano do Concílio de Trento.
  2. Curso fundamental de Latim.
  3. Palestras sobre temas gerais, de interesse para a formação intelectual católica, como história, política, filosofia etc.
  4. Apostolado São Lucas: consultas médicas gratuitas para pessoas desprovidas de seguro médico.
  5. Encontros mensais de meninos e meninas (separados) visando a contribuir para a formação da personalidade dos jovens.
  6. Reuniões da Pia União das Filhas de Maria.

Pretendemos que todas essas atividades possam ter uma estrutura adequada com o futuro Centro Comunitário, complementando assim a missão espiritual já desempenhada pela Capela.
Por oportuno, esclarecemos que nossa meta é, futuramente, (se a Providência Divina nos mostrar que é a melhor solução) fundar uma escola.

Desde já agradecemos a generosidade dos nossos benfeitores.
CONTA CORRENTE DA CAPELA SANTA MARIA DAS VITÓRIAS
BANCO ITAÚ
AGÊNCIA 0208
CC 55658-9
CNPJ: 07347.303/0001-24






Sobre o relatório de fiscalização do Ministério da Defesa e o que restou de nossa democracia

Postado por Admin.Capela em 10/nov/2022 - Sem Comentários

Sobre o relatório de fiscalização do Ministério da Defesa e o que restou de nossa democracia

Flávio Mamede Pereira Gomes

 

O Ministério da Defesa enviou nesta 4ª feira (9.nov.2022) ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) relatório de fiscalização produzido pelos técnicos militares sobre o processo eleitoral nos 1º e 2º turnos.

No documento, os encarregados pela fiscalização apontaram risco à segurança e fizeram, não sugestões para futuros pleitos, mas solicitação com urgência da investigação sobre o ocorrido durante a compilação do código-fonte e a análise dos códigos binários efetivamente utilizados nas urnas. Ao que o Ministro do Tribunal Superior Eleitoral respondeu, com satisfação, que o Ministério da Defesa não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022.

Em detalhes:

A equipe das Forças Armadas foi designada inicialmente e composta para realizar fiscalização e auditoria[1]. No entanto, em reunião, o TSE restringiu a atuação das Forças Armadas a fiscalização, que consiste em “verificar se algo está ocorrendo como previsto”. Isto significa que não coube às Forças Armadas avaliar o grau de segurança do SEV.

Foram oito atividades previstas e executadas. A primeira delas, o acesso ao código-fonte, não foi permitido às Formas Armadas compilar o código, apenas realizar uma análise estática, entenda-se inspeção visual (17 milhões de linhas de código, com partes dele sendo bibliotecas de código de terceiros, também não acessadas). O relatório afirma que o TSE só permitiu aos técnicos das Forças Armadas portarem papel e caneta ao adentrar na sala de computadores e também que o TSE inviabilizou a comparação de versões, ficando impossível até mesmo verificar se a versão fiscalizada é a mesma presente nas urnas. Conclusivamente, é necessário uma análise dinâmica em condições normais de uso para atestar que o conjunto hardware e software funciona corretamente, isto é, realizam o que deveriam e somente o que deveriam fazer.

Na etapa de cerimônia de assinatura digital e lacração dos sistemas, as Forças Armadas não puderam aferir a correspondência entre o código inspecionado e o efetivamente compilado. Além do mais, houve acesso à rede durante a compilação, que é um importante risco à segurança do processo. Diante dessas constatações, foi protocolado um pedido de escla­recimento ao TSE (Anexo G do relatório), o que não foi atendido. Repetindo: não puderam aferir a correspondência entre o código inspecionado e o efetivamente compilado.

A cerimônia de geração de mídias e de preparação das urnas foi feita conforme previsto, com a existência de mecanismos de controle de execução de tarefas e com a participação de juízes e promotores nas cerimônias. Concluiu-se que não foram encontradas nenhuma não-conformidade.

Quanto às cerimônias de verificação dos sistemas eleitorais instalados e de zerésima do sistema de totalização, a atividade limitou-se a conferir os hashes e as assinaturas digitais. Os demais procedimentos foram realizados pela equipe do TSE, cabendo apenas a observação por telão, à distância, dos agentes fiscalizadores. Não foi permitido o acompanhamento detalhado dos scripts de inicialização.

Os testes de integridade foram a primeira conferência do SEV em funcionamento, abrangendo 580 seções eleitorais e todos os tipos de urnas (2009, 2010, 2011, 2013, 2015 e 2020). Durante esses testes, as urnas não apresentaram anomalias. E, por fim, para o projeto-piloto de biometria foram escolhidas 58 seções. Devido à adesão aquém da faixa percentual dos eleitores aptos nas seções eleitorais, ao número reduzido de urnas submetidas ao projeto-piloto e à escolha não aleatória e antecipada, foi um teste inconclusivo para a detectar anomalias no funcionamento das urnas.

Por último, a conferência dos boletins de urna, 442 no 1º. Turno e 501 no 2º. Turno não foram encontradas diferenças nestas 0.2% das urnas.

Acima, os fatos. Agora a opinião. As Forças Armadas não puderam fiscalizar como deveria, nem auditar. Se as Forças Armadas não podem determinar o grau de confiabilidade do SEV, para não configurar desvio da função específica a que foi chamada a atuar pelo TSE, no entanto, seu papel institucional excede em muito esta tarefa. Mas nós podemos e devemos formar um juízo sobre o que nos foi apresentado. E dizemos que este sistema não nos atende enquanto sociedade democrática que requer transparência.

Foram 7 os pontos fiscalizados:

Acesso ao código-fonte alerta máximo, não atendido
Assinatura digital e lacração dos sistemas alerta máximo, não atendido
Geração de mídias e de preparação das urnas ok
Verificação dos sistemas eleitorais instalados ok, mas não atendido
Zerésima do sistema de totalização ok, mas não atendido
Testes de integridade inconclusivo
Conferência dos boletins de urna ok

 

No cômputo geral, e agora deixando de lado o aspecto técnico e ampliando o horizonte para a política, a história, os valores e tudo o mais que não nos é impedido de levar em consideração, podemos ver claramente como o SEV foi blindado à atuação das Forças Armadas, e foi blindado de toda e qualquer transparência. No jogo do poder, não é preciso vencer as eleições, basta dominar o sistema eleitoral. Ou em outras palavras, “o poder não se ganha, se toma”, essa é a máxima pregada e executada pela esquerda, para a qual “os fins justificam os meios”.

1) Se a eles, as Forças Armadas, com competência e lugar de direito, não foi permitido os meios para garantir o que se deve esperar do Sistema Eleitoral;

2) Se já foram encontradas anomalias ainda não explicadas, sequer examinadas, nos resultados das votações de 1o. e 2o. turnos, em que em uma mesma zona eleitoral, as urnas de 2020 (melhor auditadas) dão vitória para o Bolsonaro e as urnas anteriores dão vitória ao Lula;

3) Se há cerceamento da fala de deputados federais, com contas fechadas nas redes sociais por questionarem o resultado das urnas, eles que são os representantes do povo e por isso tem o dever de falar pelo povo e tem imunidade pela Constituição para isto… e isto está sendo violado;

4) Se antes disso, o processo eleitoral, na fase de campanha, não houve igualdade de trata­mento aos candidatos, com claro favorecimento a um, o dEx-Condenado;

5) Se exigimos a investigação das inserções de rádio na campanha do Nordeste –da ordem de 150mil inserções a menos para o Bolsonaro – e não fomos atendidos, e ainda fomos ameaçados;

6) Se até verdades patentes foram classificadas como fake news, até mesmo que o PT votou contra o Auxílio Brasil ou que Lula não foi absolvido, que Lula é amigos de todas as ditaduras e ditadores da América Latina, sendo que foi permitido chamar o Bolsonaro de genocida;

7) Se os membros do atual STF e TSE foram indicados por partidos políticos da coligação petista, e demonstram por palavras e atos que agem por viés ideológico e em clara perseguição aos que se lhe opõem;

É preciso que a sociedade civil organizada, ou pelo menos a parte sã, a partir dos setores mais representativos dos valores e da sobrevivência da mesma sociedade, dos quais destaco a religião e a economia, conclamo a todos que façam um esforço junto a suas comunidades religiosas e econômicas, para formar um juízo comum acerca da legitimidade do pleito eleitoral e, por conseguinte, do atual processo de implantação de um governo de viés totalitário e anti-democrático.

Assim como as Forças Armadas, eu também finalizo com um aviso dizendo que: “reafirmo o compromisso permanente com a democracia, a liberdade, a defesa da Pátria e a garantia dos Poderes Constitucionais, da lei e da ordem”. Mas quando fazem tudo o que fizeram e saem das 4 linhas da Constituição para recolocar um corrupto, condenado, de volta à Presidência da República, com o Judiciário perseguindo os inimigos políticos, é hora de dar um basta e declarar guerra às pessoas e partidos ligados a este projeto de poder absoluto.

Assinado: Flávio Mamede Pereira Gomes

Sobre o Relatório do Ministério da Defesa

Sobre o Sistema Eletrônico de Votação (SEV):

1) houve acesso à rede durante a compilação do código-fonte (risco à segurança do processo).

2) não é possível afirmar que está isenta de código malicioso.

Foi solicitado com urgência:

1) investigação do ocorrido durante a compilação do código-fonte.

2) analisar os códigos binários efetivamente utilizados nas urnas.

 

 

[1] Portaria GM-MD nº 4.115/2022, de 2 de agosto de 2022.

Sedevacantismo, um convite à perdição

Postado por Admin.Capela em 08/jan/2022 - Sem Comentários

Carlos Nougué

O que diz o título deste escrito não supõe um argumento ad hominem; não visa a desqualificar uma doutrina adversária sem prova, nem requer do leitor um ato de fé. Absolutamente não é isto. É que, para fazer boa teologia – coisa de que estão muito distantes os sedevacantistas –, há que obedecer a um critério fundamental: a analogia da fé. E não se diga que tal analogia, brandida por Leão XIII na Providentissimus Deus, se aplica tão somente à interpretação das Sagradas Escrituras. Não: aplica-se igualmente ao magistério autêntico da Igreja e, quanto ao que nos interessa, a toda a teologia com respeito ao mesmo magistério. Que porém quer dizer aplicar a analogia da fé? Simplesmente isto, se se trata da teologia com respeito ao magistério da Igreja: não se há de defender nada que contrarie o já definido (e definição supõe infalibilidade) pelo mesmo magistério. Um exemplo: se alguém quer sustentar que o mundo durará mil anos após a morte do Anticristo – o que considero ao menos improbabilíssimo –, que o faça, mas sem ferir de modo algum o já definido pelo magistério: quem até o fim dos tempos reinará imediatamente na terra será sempre o vigário de Cristo, nunca diretamente Cristo mesmo, nem o Espírito Santo, nem Maria. Tampouco haverá de negar que o Demônio continuará durante tais mil anos – se os houver – a ser de algum modo o príncipe deste mundo, nem que os homens, incluindo os batizados, continuarão a padecer as sequelas do pecado original: fazê-lo é, uma vez mais, ir contra o definido pelo magistério da Igreja ao longo do tempo.

Pois bem, o Concílio Vaticano II e o chamado magistério conciliar (e pós-conciliar) trazem-nos um problema teológico novo, obviamente nunca tratado pelo magistério autêntico da Igreja: no e após o CVII, o magistério da Igreja depôs sua autoridade doutrinal em favor de uma soi-disant autoridade do conjunto do Povo de Deus enquanto tal, o qual seria dotado de um suposto sensus fidei infalível por si. Diante de tal e tão terrível novidade, portanto, é legítimo que se dispute em torno de sua solução. Mas, pela analogia da fé, toda solução quanto a esta questão que contrarie algo definido pelo magistério da Igreja será não só errada mas ilegítima. É o caso do sedevacantismo.

Com efeito, definiu o Concílio Vaticano I (D 1825): “Cânon. Se alguém, pois, disser que não é de instituição de Cristo mesmo, isto é, de direito divino, que o bem-aventurado Pedro tenha perpétuossucessores no primado sobre a Igreja universal […], seja anátema”. Os sedevacantistas tentam enganar-se a si mesmos e aos outros pondo que “perpétuos” não quer dizer “(papas) ininterruptos”, senão que neste cânon só se quis dizer que “o papado será perpétuo”. Sofisma e novilíngua de quinta categoria, claro. Definiu mais, todavia, o Concílio Vaticano I: “A perenidade da Hierarquia definiu-a implicitamente o Concílio Vaticano [I]. Com efeito, definiu explicitamente a perenidade do Primado (D 1824s). É assim que também definiu que é próprio do Primado ter subordinados a si e governar os Pastores ou Bispos da Igreja universal (D 1827-1831); logo, sempre haverá Pastores ou Bispos subordinados ao Primado. Isto mesmo é ensinado explicitamente na introdução à Constituição da Igreja (D 1821)” (P. J. Salaverri S. J., Sacrae Theologiae Summa [dos Padres da Companhia de Jesus, 4.ª ed., Madrid, B.A.C., 1962], trat. III, “De la Iglesia de Jesucristo”, n. 294.). [Quanto, ademais, à perenidade da Igreja, define-a o Vaticano I explicitamente mas indiretamente (D 1821-1824; cf. P. J. Salaverri S. J., ibidem).] Se é assim, por conseguinte, incorrem em anátema os sedevacantistas; e pô-lo supõe aplicar ao caso vertente a analogia da fé.

Se pois tivermos qualquer dúvida quanto à solução que se dê à questão gravíssima suscitada pelo magistério vaticano-segundo, não podemos porém de modo algum resolvê-la rompendo a analogia da fé. E é segundo esta analogia que respondo a seguir às dúvidas que me enviou um aluno.

1) “Diz Calderón que o CVII influi até mesmo no código de Direito Canônico. Mas se é assim, e tendo em vista as mudanças que foram feitas sob Paulo VI (Romano Pontifice Elegendo) e JPII (Universi Domini Gregis), mudanças que, se Calderón estiver certo, foram feitas sem autoridade magisterial, se pois é assim, creio que é possível concluir que sua promulgação e execução sejam ilícitas. Mas, se tal o são, deveríamos concluir, como os sedevacantistas, que já não há eleição de cardeais, e, então, de papas e enfim de presbíteros?”

RESPOSTA. Veja-se que a própria pergunta já é inadequada, porque supõe possível uma negação de algo definido pelo magistério. A resposta à questão, portanto, há de ser outra.

  1. a) Que o magistério conciliar e pois o CVII sejam ilegítimos, não o podemos decretar nós. Só um Papa ou um concílio sob um Papa. Os sedevacantistas, ao decretá-lo, caem sob outro anátema implicado por outra definição: a de que ninguém pode depor um papa (nem de fato, nem de direito). Mas não disse o Papa Adriano II numa carta incluída na Ação VII do VIII Concílio Ecumênico “que o Romano Pontífice sempre julgou as cabeças de todas as igrejas; mas não vemos em parte alguma que quem quer que seja o tenha julgado a ele. No entanto, é verdade que [o Papa] Honório [I], após sua morte, foi vergastado com o anátema pelos orientais. É necessário todavia não esquecer que ele foi acusado de heresia e que este é o único crime que torna legítima a resistência dos inferiores aos superiores, bem como a rejeição de suas perniciosas doutrinas”? Disse-o, mas disse também que Honório I foi anatematizado pelos orientais num concílio (o VI Ecumênico), com a aprovação de um Papa (São Leão II), e após a morte do Papa vergastado. Mas os sedevacantistas, sem ser padres conciliares e sem a aprovação de nenhum Papa, decretam que nada menos seis Papas não o são!… Ou seja: acrescentam ao anátema uma presunção sem tamanho.
  2. b) Depois, na Candeia Calderón diz exatamente (contra os sedevacantistas da tese de Cassiciacum) o contrário do posto pela pergunta: as mudanças nas regras da eleição papal feitas pelo magistério conciliar são perfeitamente legítimas. Por quê? Porque tais regras, digo-o eu, não fazem parte do poder autoritativo (de autoridade doutrinal) do magistério (nem de seu objeto primário nem de seu objeto secundário, os quais são os que, ainda que de diferente modo, podem dizer-se infalíveis, ou certos, ou prováveis). Fazem parte do poder governativo(ou seja, aquele meramente de ordem prática e prudencial) do magistério (como também fazem parte deste poder atos como, por exemplo, indicar bispos para esta ou aquela diocese, ou fechar igrejas durante uma pandemia). Por si, isto é a única coisa que não implicaria que o Magistério conciliar (com maiúscula porque agora se trata do sujeito do magistério) tivesse jurisdição precária, ou seja, merecesse não sê-lo por seus desvios da fé (cf. meu Do Papa Herético, p. 286-288, salvo engano). Reproduzo-o: “Como Caetano, João de Santo Tomás, os Carmelitas de Salamanca, Billuart, Afonso Maria de Ligório e tantos outros, pôde dizer Báñez que, ‘como a noção de membro [da igreja] é empregada metaforicamente, dissemos mais acima que pode haver vários ângulos da metáfora: segundo um ângulo [ou seja, a influência espiritual recebida de Cristo, segundo a própria terminologia de Báñez] o pontífice [a fide devius, desviado da fé] não é membro de Cristo ou da Igreja, e segundo outro [o poder de governar] é membro seu’.[180] Para entendê-lo, recorra-se a uma analogia. Como dizia Pio XII, um assassino já perdeu por seu mesmo ato o direito à vida e à cidadania. Mas, digo, é preciso que o estado o julgue, lhe retire a cidadania e o condene à morte. Enquanto ou se não o faz, tal assassino continua com a vida e a cidadania, ainda que só de certo modo, ou seja, em estado precário. Pois é, analogamente, o que nos parece se passa com o papa a fide devius: já deixou ipso facto de ser membro de Cristo e da Igreja; mas ainda preserva a jurisdição, ainda que tão só por falta do devido juízo: mantém-se papa, portanto, com jurisdição precária.[181] – Pode-se recorrer ainda a uma analogia com a potestade civil, como o faz, aliás, o mesmo Domingo Báñez.[182] Com efeito, um governo civil pode dizer-se tirânico se não se funda na verdade, razão por que só secundum quid mantém a autoridade e a jurisdição: ou seja, só enquanto não é deposto. Enquanto todavia não é deposto, segue sendo, de modo precário, o governo da nação. Pois bem, dá-se o mesmo, mutatis mutandis, com a cabeça visível da Igreja que tenha incorrido em heresia: está ipso facto excomungada, mas mantém precariamente a jurisdição.183 E não é essencialmente outra coisa o que se dá com todos os demais clérigos que se tenham desviado da fé: enquanto não são admoestados duas vezes e julgados, mantêm precariamente a jurisdição”. Mas, para que mantenha a jurisdição ainda que precariamente, é preciso que formalmente possam ser válidos os atos de seu poder governativo. Ergo.

2) “Por fim, uma outra pergunta: O Código de Direito Canônico faz parte do objeto segundo do objeto primário do magistério, não? É possível que se aplique infalibilidade a ele, não? Se é assim, e o infalível, suponho, é imutável, como a verdade é também imutável, como pode haver mudanças no Código de Direito Canônico ao longo da história?”

RESPOSTA. Diga-se, antes de tudo, que o Direito Canônico não é objeto segundo do objeto primário do magistério; isto não existe. É parte do objeto secundário do magistério da Igreja em seu poder autoritativo, e, como todo ato deste objeto secundário, só participa da infalibilidade se se funda em ato infalível do objeto primário do mesmo poder. Se todavia se funda em ato certo, será certo; se se funda em ato provável, será provável; se não se funda em nada disto, terá autoridade nula. (E cuidado para não reduzir ou empobrecer, como o fazem astutamente ou ineptamente os sedevacantistas, a tese de Calderón supondo que ela gira em torno de uma minguada oposição magistério infalível versus magistério não infalível. Não: o cerne mesmo da tese do Padre argentino é, na esteira de Pio XII (Humani Generis), a oposição magistério autêntico (que pode ser infalível, certo ou provável, sempre com assistência do Espírito Santo em algum desses graus) versus magistério conciliar ou liberal (não assistido pelo Espírito Santo) por ter deposto, ele mesmo, sua potestade autoritativa.)

Diga-se, depois, que os atos do objeto secundário do magistério enquanto potestade autoritativa estão a cavaleiro entre o doutrinal e o prático. É o caso das leis canônicas, das leis litúrgicas, das canonizações, das excomunhões, etc. Pois bem, as excomunhões podem ser revistas, se um Papa perceber que se fundaram em informações falsas. As canonizações, se se fundarem em doutrina infalível e resultarem de preciso processo, então participarão da infalibilidade em modo irrevogável. Mas as leis canônicas e as leis litúrgicas, pelo caráter mesmo de seu objeto ou matéria, não são absolutamente fixas, ainda que participem da infalibilidade. Por quê? Porque as condições mesmas em que se formularam na ordem do prático não só podem mas efetivamente mudam. Por isso é um erro pernicioso o de muitos tradicionalistas que dizem que nenhum Papa pode alterar a Missa tridentina tal como estabelecida por S. Pio V. Não só o pode, senão que alguns já o fizeram, em especial S. Pio X e Pio XII (ainda que este antes quanto ao rito da Missa nos dias da Semana Santa). O problema do Novus Ordo Missae de Paulo VI é que, além de não fundado em doutrina assistida pelo Espírito Santo (mas na doutrina herética do “mistério pascal”), institui uma antimissa, ou seja, uma “missa” de caráter centralmente convival e memorial e não sacrifical. Quanto ao Código de Direito Canônico pós-conciliar, diga-se algo análogo: apesar de sua novilíngua ordenada a dar às novidades do direito pós-conciliar o caráter de continuadoras do direito do magistério autêntico da Igreja (trata-se ainda da “hermenêutica da continuidade”), não passa de uma colcha de retalhos fundada na doutrina do sensus fidei soi-disant infalível do Povo de Deus por si, o que só por si já lhe retira qualquer verdadeira autoridade.

À guisa de conclusão, no entanto, e voltando ao título deste breve escrito, diga-se que se funda não só no posto ao longo destas linhas, mas em evidência: é absolutamente evidente que grande parte dos sedevacantistas – na maioria jovens sem a menor iniciação em teologia – não só cai sob o anátema do Vaticano I, mas perde a fé e a caridade, ou formalmente (aderindo, por exemplo, à ortodoxia ou ao protestantismo), ou materialmente (numa vida sem sacramentos, sem oração, com as consequências disso). Sei que estas linhas, como aliás meu mesmo livro Do Papa Herético, são incapazes de abrir os olhos de ao menos grandíssima parte dos sedevacantistas, cujo coração se endureceu; até porque, ao fim e ao cabo, isto é efeito do processo – conducente ao Anticristo – de apostasia da própria hierarquia da Igreja iniciado expressamente pelo CVII (ou seja, a abominação da desolação instalada no lugar santo). Mas ainda assim devo alertá-los e alertá-los: o canto de sereia do sedevacantismo, tão atraente à primeira vista, não é senão um convite à perdição.

São Carlos Borromeu, Francisco e Lutero no Vaticano

Postado por Admin.Capela em 27/out/2021 - Sem Comentários

Nos tempos de São Carlos Borromeu e São Pio V, os manuais de medicina recomendavam a realização de procissões para ajudar no combate à peste epidêmica. São Carlos tinha a preocupação de exigir distanciamento entre os fiéis nas procissões e nas igrejas, bem como cuidava da profilaxia através do uso de vinagre. Tinha, sobretudo, o zelo de evitar o contágio da heresia, combatendo com energia o erro, defendendo a verdade, instruindo o povo na santa religião, proibindo a divulgação da literatura ímpia ao mesmo tempo que promovia a alfabetização das classes sociais mais modestas.

Realmente, São Carlos Borromeu foi um santo admirável. Pertencente à mais alta nobreza da Lombardia, relacionado por laços de parentesco com as famílias mais influentes da Itália (os Medici, os Colonna, os Della Rovere), era cioso das prerrogativas do seu berço e da sua condição de príncipe da Santa Igreja. Para ele, ser nobre significava praticar a virtude com mais esmero e ter uma consciência mais viva de quão ignóbil é o vício. Trabalhou incansavelmente para a glória de Deus, salvação das almas e exaltação da Igreja. Com  prudência e firmeza auxiliou o seu tio, o Papa Pio IV, a concluir com êxito o Concílio de Trento, que se vinha arrastando havia anos em meio a vários percalços. Dormia só três horas e foi muito penitente. Morreu aos 46 anos de idade, aos 3 de novembro de 1584. Sua memória é celebrada dia 4 de novembro.

Hoje a medicina despreza o auxílio divino no combate à peste, confia em vacinas experimentais produzidas com material derivado de aborto provocado. Hoje muitos católicos não frequentam mais as igrejas a pretexto de pandemia.

Hoje só não há distanciamento entre a verdade e o erro. Todos juntos na sinodalidade! Francisco e Lutero juntos no Vaticano!

São Pio V, rogai por nós. São Carlos Borromeu, rogai por nós. Ajudai-nos a guardar a santa fé católica longe da promiscuidade ecumênica destes dias tenebrosos.

O’ tempora, o’ mores!

O dogma e os fatos dogmáticos

Postado por Admin.Capela em 21/set/2021 - Sem Comentários

O dogma e os fatos dogmáticos

Um exemplo frisante: o grande cisma do Ocidente com três papas contemporaneamente.

Infelizmente, por volta do fim do século XIV, depois de quarenta anos de “cativeiro” do Papado em Avinhão, houve o grande cisma do Ocidente que perturbou por quarenta anos a paz da Igreja a qual chegou assim a conhecer a coexistência de um Papa com um ou até dois antipapas.

Com efeito, depois do pontificado de Gregório XI (30 de dezembro de 1370 – 26 de março de 1378), foi eleito Urbano VI (8 de abril de 1378 – 15 de outubro de 1389), ao qual foi contraposto um antipapa: Clemente VII eleito por muitos cardeais franceses em Fondi próximo de Latina e Terracina e na metade do caminho da Via Apia, entre Roma e Nápoles, aos 20 de setembro de 1378. A esses dois sucedeu Bonifácio IX (2 de novembro de 1389 – 1º de outubro de 1404), que então foi reconhecido como único papa.

 

Dúvida histórica, certeza canônico-teológica

 

O eminente erudito alemão Francisco Xavier Funk escreveu que a) sob o aspecto histórico, não é certo e é ainda discutível, para o cristão individualmente, se o Papa validamente eleito foi Urbano VI (de obediência romana) ou Clemente VII (de obediência francesa). Segundo ele e muitos outros estudiosos, uma decisão histórica totalmente segura não seria possível para cada historiador; por isso que uma mínima incerteza permaneceria  ainda hoje.

 

São Vicente Ferrer contra Santa Catarina de Sena

 

Recorde-se ademais que o dominicano espanhol e grande eclesiólogo (1350-1419) alinhou-se ao lado de Clemente VII. Ele foi canonizado apena 36 anos depois da sua morte pelo Papa Calisto III, aos 3 de junho de 1455, em Roma, na igreja dos dominicanos de Santa Maria sobre Minerva, onde repousa o corpo de Santa Catarina de Sena.

São Vicente Ferrer, em 1380, quando era prior do convento dos dominicanos em Valença, escreveu também um tratado teológico-canônico ( De moderrno schismate) , de notável teor doutrinal, para demonstrar a validade da eleição de Clemente VII.

Ao passo que do lado de Urbano VI ficou a dominicana italiana Santa Catarina de Sena (1347-1380), da qual Pio XII dizia que foi “a maior mulher gerada pelo catolicismo”, canonizada também na basílica de Santa Maria sobre Minerva, mas depois de oitenta um anos da sua morte. aos 29 de junho de 1461, pelo Papa Pio II.

Todavia, historicamente é lícito a cada cristão estudar a questão para obter maiores luzes e consultar novos documentos, considerando-a ainda aberta e disputada; b) teologicamente, juridicamente ou canonicamente é certo (não de fé divina, mas de fé eclesiástica), para a Igreja, que o Papa validamente eleito é Urbano VI e não Clemente VII.

 

A eleição do Papa feita sob a ameaça de violência física

 

Historicamente é certo que Urbano VI foi eleito sob a ameaça do povo romano enfurecido, pelos cardeais reunidos em conclave no Vaticano.

Além disso, muitos cardeais, dado o seu modo de agir abertamente sanguinário (havendo feito matar vários cardeais que lhe tinham desobedecido), fugiram aterrorizados de Roma e refugiaram-se no Reino de Nápoles, declarando ( com um fundamento histórico não de todo inconsistente) a sua eleição inválida por isso que realizada sob violência e portanto não livremente; passando, pois, à eleição de outro pontífice na pessoa de Clemente VII (1342-1394); o qual, entretanto, é considerado pela Igreja canonicamente um antipapa.

Os cardeais reunidos em conclave, sob a pressão da massa violentamente agitada do povo romano, aos 8 de abril de 1378, elegeram (de maneira não livre de temor e portanto não canonicamente regular) papa, o arcebispo de Bari, Bartolomeu Prignano, natural de Nápoles, que tomou o nome de Urbano VI ( 1378 – 1389).

A sua eleição não tinha sido ainda anunciada quando a multidão enfurecida irrompe nas salas do conclave por temor de que, depois de quarenta anos do cativeiro de Avinhão, fosse eleito ainda outro francês. Os cardeais, na maior parte franceses, puseram-se em fuga, mas os romanos tranquilizaram-se pois que tinha sido eleito um italiano ainda que não nascido em Roma. Aqui também se pode notar facilmente como o desenrolar do conclave não foi o mais rigorosamente canônico e legal possível, mas a aceitação da eleição por parte da Igreja convalidou ou sanou in radice qualquer dúvida na Igreja e até na vida espiritual e sacramental dos cristãos.

No dia seguinte ( 9 de abril ) Urbano VI foi entronizado  e no dia 18 de abril foi coroado. Os cardeais assistiram à cerimônia de coroação e participaram na atividade pastoral do novo Papa.  De maneira que é pacífico que os cardeais o reconheceram como Papa: ainda que a eleição de 8 de abril tinha sido feita sob o temor de represália do povo romano e portanto em si mesma não livre das pressões violentas externas (1); todavia o procedimento sucessivo dos cardeais a reconhecia, a convalidava, a sanava e a interpretava praticamente como canonicamente válida.

Por isso, a eleição de Urbano VI, que historicamente, da parte do cristão em privado ou do estudioso pode ser considerada hipoteticamente “Papa dubius“, é considerada pela Igreja como canonicamente legítima (Papa indubitatus) e legítima foi reconhecida a sucessão romana dos papas que se sucederam a ele: Bonifácio IX (1389-1404), Inocêncio VII (1404-1406), Gregório XII (1406-1415). Enquanto a sucessão avinhoesa não é reconhecida como válida pelos cronistas oficiais, pelo que Clemente VII (1378-1394) e Bento XIII (1394-1423) são considerados pela Igreja oficialmente e canonicamente antipapas.

Infelizmente, Urbano VI procedeu com um rigor tão excessivo (2) para reprimir os abusos que então afligiam a Igreja que os cardeais franceses (junto aos quais sobretudo se havia introduzido o espírito do conciliarismo galicano, aos quais Santa Catarina chamava “demônios encarnados”) fugiram para Nápoles e dali excomungaram o Papa declarando-o deposto (3)

Era o início de uma série de erros que, a partir de um erro teológico ( superioridade do concílio sobre o Papa), levarão a uma situação catastrófica na Igreja (três papas contemporâneos, que presumem todos três ser o verdadeiro e único Vigário de Cristo).

Clemente VII estabeleceu a sua residência em Avinhão e abriu uma nova cúria formada por treze cardeais franceses. Assim, a cristandade dividiu-se em duas partes: a romana ou urbaniana contra a avinhoesa ou clementina.

O Papa Urbano VI respondeu excomungando o antipapa Clemente VII, de modo que “nominalmente toda a cristandade se achava excomungada!” (K. Bihlmeyer. o. c.)

Nascia assim o “Grande Cisma do Ocidente” que duraria quase trinta anos (1378-1417), após os primeiros quarenta anos do “cativeiro de Avinhão”)

 

Os fatos dogmáticos e os dogmas revelados

 

Com efeito, a sã teologia católica ensina que há alguns fatos ( por exemplo, a legitimidade e a validade de um pontificado ou de um concílio ecumênico), os quais, a despeito de não serem objetos da Revelação divina direta, ou seja não sendo um dogma divinamente revelado – como, por exemplo, a natividade de Jesus em Belém (Mt. II, 1; Lc. II, 4 e 7) – todavia,  estão conexos estreitamente com o dogma revelado (cf. Enciclopedia Cattolica, Città del Vaticano, 1950, voce “fatti dogmatici”).

Em poucas palavras, “O objeto primeiro e especialíssimo da proclamação da doutrina da Igreja (cf. DB 1800) são as verdades e os fatos imediatamente revelados ( por ex., a Trindade e a Natividade do Verbo em Belém). Todavia, o magistério infalível estende-se também a todas aquelas verdades e àqueles fatos que são uma dedução da doutrina revelada ou um pressuposto da mesma (objeto secundário da infalibilidade). Ora, essas verdades e esses fatos, embora não sendo diretamente e formalmente revelados, contudo, estão de tal maneira conexos com a Revelação, que negá-los comprometeria a própria Revelação (DB 1836-1839). Por isso, essas verdades, teologicamente definem-se como verdades católicas ou doutrinas da Igreja (ou verdades “de fé eclesiástica”), para distingui-las das verdades ou doutrinas divinamente reveladas, isto é, o dogma divinamente revelado ou definido pela Igreja ( ou seja, a verdade “de fé divina e católica”). Os fatos dogmáticos, ademais, são os fatos históricos não revelados diretamente, mas estreitamente conexos com a Revelação divina e com uma verdade divinamente revelada, por exemplo, a legitimidade de um Papa ou de um concílio ecumênico. (…). Ora, se a Igreja pudesse errar no seu juízo sobre esses fatos ou verdades, que são indiretamente conexos com a Revelação, disso decorreriam conseqüências inconciliáveis com a sua instituição divina e com a sua santidade” (L. Otti, Compêndio de Teologia Dogmática, Turim, 1969).

 

Exemplos históricos concretos

 

Para dar um exemplo concreto, não é um fato revelado diretamente por Deus que, depois da abdicação do Papa São Celestino V (4) (29 de agosto-13 de dezembro de 1294) (5), Bonifácio VIII (1294-1303) foi o Sumo Pontífice legítimo; todavia, o seu ser Papa é um fato conexo estreitamente com o dogma revelado e, por isso, é infalivelmente certo que Bonifácio foi Papa; pois que esse fato ( a sua eleição canônica ao Sumo Pontificado exercido validamente) é requerido teologicamente para a formulação, a defesa e a aplicação de um dogma revelado e definido: “A Igreja foi fundada por Jesus Cristo sobre Pedro e os seus sucessores (os Papas), os quais são o fundamento e os pastores ou  seus chefes universais”; pelo que deste princípio dogmático, diretamente revelado (de fé divino-católica) resulta o fato dogmático ou de “fé eclesiástica” (conexo indiretamente com a Revelação divina direta e formal) que o Papa reinante e aceito de maneira moralmente (não matematicamente) unânime (6) pela Igreja hierárquica docente (dos pastores ou ensinantes) e discente (dos simples fiéis ou ensinada) é realmente Papa; com efeito, se não fosse assim, decorreriam enormes conseqüências teológicas e doutrinais, que anulariam praticamente e indiretamente o dogma do primado de Pedro e da apostolicidade da Igreja: eis porque de um princípio dogmático segue infalivelmente um fato dogmático, que é indispensável para ilustrar o princípio, concretizá-lo na prática e fazê-lo viver pelos cristãos.

Em suma, ao longo da história da Igreja, cumpre, não só anunciar o dogma revelado diretamente como uma verdade de fé divina, mas outrossim a) explicá-lo, aprofundá-lo, defendê-lo contra os que o negam ou o contestam e, enfim, b) aplicá-lo aos casos concretos como uma verdade de fé católica; por exemplo, o papa Urbano VI (1378-1389) que foi eleito aos 7 de abril de 1378, sob certa pressão popular exercida sobre os cardeais reunidos em conclave, ou Alexandre VI (1492-1503) que comprou, aos 11 de agosto de 1492, de maneira simoníaca (portanto hereticamente atéia e, conseqüentemente, com uma excomunhão) a eleição ao Sumo Pontificado, foi verdadeiramente Papa ou só aparentemente?(7) Ou ainda, São Pio X (1903-1914), o qual substituiu no conclave ao cardeal Mariano Rampolla  del Tindaro (1843-1913), que estava para ser eleito (2 de agosto de 1903) mas recebeu o veto da parte do imperador da Áustria, porque considerado anti-austríaco; foi eleito validamente Papa? Ou ainda João XXIII (1958-1963), que substituiu ao cardeal Giuseppe Siri (1906-1989), o qual teve de renunciar à eleição já realizada da parte do colégio cardinalício (8), porque quase a outra metade dos cardeais ameaçava um cisma, caso fosse eleito Papa o arcebispo de Gênova, considerado muito tradicionalista (Benny Lay, Il Papa non eletto: Giuseppe Siri, cardinale di Santa Romana Chiesa, Roma-Bari, Laterza, 1993); foi realmente Papa?

Se esses não fossem “verdadeiros” Papas ( fato dogmático e juízo histórico), o que não significa “bons” Papas ( juízo de valor [9]), que fim teria tido o dogma da Apostolicidade da Igreja; ou seja a sucessão ininterrupta de um Papa depois de outro a partir de São Pedro até o fim do mundo?

 

O ensinamento de Dom Bosco (1855)

 

Dom Bosco, com o seu estilo de síntese e de profundidade teológica, escrevia: “Jesus, antes de subir ao céu, fundou uma sociedade de fiéis, os quais deveriam professar a doutrina do Evangelho, sob o governo de um chefe por Ele estabelecido, que é São Pedro com os papas, como seus sucessores. […]. Isto quer dizer que Pedro é na Igreja o que na casa são os fundamentos. Ora, pode subsistir uma casa sem fundamento? Não: uma casa sem fundamento desmorona; assim uma Igreja que não tenha Pedro e seus sucessores por chefe é uma casa sem fundamento, que não pode não desmoronar” (São João Bosco, Maniera facile d’imparare la Storia Sacra ad uso del popolo cristiano, Turim, 1855, cap. XXVI).

No capítulo XXX, O governo da Igreja de Jesus Cristo, São João Bosco escrevia: “Quando Jesus subiu ao céu confiou o governo da sua Igreja aos apóstolos. Ele estabeleceu Pedro chefe dos apóstolos, seu vigário na terra no governo da sua Igreja e como tal, pelos apóstolos, reconhecido. […]. Aos apóstolos sucederam os bispos no sagrado ministério. A São Pedro sucederam os Papas. Depois dos apóstolos governaram e governarão sempre a Igreja os Papas e os bispos”.

Enfim, no capítulo XXXI, Características da Igreja de Jesus Cristo, especificava: “A principal característica da Igreja de Jesus Cristo é a sua visibilidade, que a deve fazer reconhecer, em todas as épocas, em meio a todas as sociedades que se vangloriam de ser cristãs. […] Jesus Cristo no Evangelho compara a Igreja a um monte, a uma eira, a uma casa, a um campo, a uma grande coluna, a uma cidade bem fortificada, todas coisas visibilíssimas. […]. Não pode haver mais Igrejas, porque Jesus Cristo fundou uma só. […]. A unidade da Igreja consiste na unidade dos pastores, ou seja os bispos estão unidos ao Papa e entre si. […]. A Igreja está dispersa por todo o mundo e deve durar até o fim dos séculos. […]. A Igreja foi sempre governada pelos sucessores dos apóstolos e de Pedro, sem interrupção e o deverá ser até o fim do mundo.[…]. Estas características convêm só à Igreja Romana. […] Enfim, São Jerônimo ensina que, como aqueles que não se acharam na arca de Noé pereceram, durante o dilúvio universal, assim também aqueles que querem viver fora da Igreja católica, perder-se-ão por toda a eternidade”.

 

De Pio IX a Pio XII

 

O que foi escrito por Dom Bosco em 1855 foi, depois, definido como dogma de fé divino-revelada, pelo Concílio Vaticano I em  1870; ora, essas verdades de fé, contidas na Revelação (Novo Testamento e Tradição apostólico-patrística) e definidas pela Igreja (Pio IX, Concílio Vaticano I, Constituição Dogmática Pastor Aeternus; São Pio X, encíclica Pascendi, 8 de setembro de 1907; decreto Lammentabili, de 3 de julho de 1907; motu proprio Sacrorum antistitum, de 1º de setembro de 1910; Pio XII, encíclica Mystici corporis, de 29 de junho de 1943) nos iluminam e devem ajudar-nos a não perder a via direita na situação hodierna como igualmente em cada situação análoga, que se viveu na Igreja (recorde-se a crise ariana do século IV, no século “tenebroso”, século X e no grande cisma do Ocidente no século XIV).

 

o Catecismo Maior de São Pio X (1905)

 

Esta mesma doutrina sobre a Igreja de Cristo acha-se explanada e compendiada de maneira profunda, precisa, simples e, sobretudo, magisterial ou oficial no Catecismo da Doutrina Cristã dito comumente Catecismo Maior, promulgado por São Pio X, aos 14 de junho de 1905.

O Papa Sarto escrevia: “Os legítimos pastores da Igreja são o Romano Pontífice, isto é, o Papa, que é o Pastor universal e os bispos [Pastores em suas dioceses particulares, ndr]. Além disso, sob a a dependência dos bispos e do Papa, têm parte no ofício de pastores os sacerdotes e especialmente os párocos [pastores na parte deles ou porção da diocese que se chama paróquia, ndr]. […]. Todos os que não reconhecem o Romano Pontífice [como vigário de Cristo, chefe e fundamento da Igreja, ndr] por seu chefe não pertencem à Igreja de Jesus Cristo. […]. A verdadeira Igreja se chama apostólica, porque remonta sem interrupção até aos apóstolos […] e porque é guiada e governada pelos seus legítimos sucessores [os bispos, ndr]. […]. A verdadeira Igreja se chama também romana, porque as quatro notas da unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade se encontram só na Igreja que reconhece por chefe o bispo de Roma, sucessor de São Pedro. […]. O corpo da Igreja consiste naquilo que ele tem de exterior e de visível. […]. Fora da Igreja católica, apostólica e romana ninguém pode salvar-se. […] A Igreja é infalível nas suas definições. […]. A Igreja docente compõe-se de todos os bispos que se acham dispersos, seja que se achem congregados em concílio. […]. A autoridade de ensinar na Igreja têm-na o Papa e os bispos e, sob a dependência deles, os outros sagrados ministros. […]. O Papa não pode errar, ou seja é infalível nas definições que concernem à fé e aos costumes. […]. O Papa é infalível só quando na sua qualidade de Pastor supremo e Mestre de todos os cristãos, em virtude da sua suprema autoridade apostólica, define uma doutrina em torno da fé e dos costumes que deve ser recebida [obrigatoriamente, ndr] por toda a Igreja” ( Prima parte, cap. X § 1-4, nn. 152, 154, 161, 162, 165, 169, 176, 185, 197, 199).

Em suma, em todas as circunstâncias em que o erro não é propugnado por heréticos que saem oficialmente da Igreja, mas por infiltrados que se escondem em seu seio e a dividem por dentro ( arianos, jansenistas, modernistas, neomodernistas…); em que não é fácil discernir onde se acha a autoridade e onde não, quando obedecer e quando não, cumpre recorrer a esses princípios, mantendo firme o dogma, mas sem exagerá-lo por excesso (legalismo rigorístico) ou diminui-lo por defeito (modernismo anarquista).

Portanto, é necessário manter firme o princípio segundo o qual a) na Igreja deve haver um Papa em ato, o qual seja  o fundamento dela; de outro modo a Igreja desmoronaria; não basta um fundamento puramente virtual ou material…

(Continua – tradução de SI SI NO NO)

 

 

Notas:

1) Em teologia moral estuda-se que certas ações jurídicas (por exemplo, no nosso caso uma eleição) tornam-se inválidas se são realizadas sob o impulso de um grave temor; ou se tornam anuláveis sob em virtude da requisição daqueles que sofreram a intimidação (por exemplo, os cardeais reunidos em conclave).

2) “Santa Catarina não deixou de advertir o Papa neste sentido” (cf.  K. Bihlmeyer – Storia della Chiesa, Morceliana, 1983)

3) São Vicente Ferrer, ao contrário, alinhou-se com tanto zelo e vigor por Clemente VII e depois por Bento XIII, que a Igreja, canonicamente, teria considerado antipapas e chamava o Papa romano Urbano VI que foi reconhecido, canonicamente, pela Igreja como verdadeiro Papa “seduzido pelo demônio herético” (cf. K. Bihlmeyer o.c.) É muito difícil ver claro a meia noite…

4) A canonização de Celestino V, aos 5 de maio de 1333, foi fortemente querida do rei francês Filipe IV dito o Belo (1285-1314) e canonicamente acelerada pelo Papa Clemente V (1305-1314) que pontificava, em total dependência da coroa da França, em forte contraposição com a política e a doutrina do Papa Bonifácio VIII (1294-1303): “A causa de canonização de Celestino V teve um iter rápido, também pela pressão exercida pelo partido adversário de Bonifácio VIII” ( Bibliotheca Sanctorum, Roma, Città Nuova, 1962). Todavia, “Clemente V não canonizou Celestino como mártir de Bonifácio VIII, como teria desejado Filipe o Belo, mas como confessor da fé” (cf. John Kelly, Gran Dizionario Illustrato dei Papi, Piemme, 1989). Ora, foi justamente a canonização de Celestino V que fez reconhecer, implicitamente, que Bonifácio VIII tinha sido eleito validamente e que a abdicação de Celestino V foi livre e canonicamente correta; de fato,  como Clemente V na bula de canonização proclamou São Pedro  del Morrone e não Celestino V, isto significava que, segundo a Igreja, Celestino V tinha realmente abdicado, que se tinha tornado um simples monge eremita (Pedro do Monte Morrone di Sulmona) e que a eleição de Bonifácio VIII tinha sido válida: “A canonização de Pedro del Morrone ( e não de Celestino V ), em 1313, expressou implicitamente o reconhecimento da validade da sua renúncia ao Papado” ( Enciclopedia dei Papi, Roma, Instituto della Enciclopedia Italiana, 2000). Em um próximo artigo voltarei a este tema específico, que na prática nos mostra a) como um Papa dúbio possa, pois, tornar-se indubius para a Igreja por causa  da sua aceitação por parte da sua hierarquia e dos seus  fiéis ut in pluribus; b) como nas canonizações – também antes da crise modernista e do Vaticano II – nem sempre se procedeu da maneira mais correta. Portanto, a opinião de alguns teólogos ( Mons. Brunero Gherardini, Pe. Ols …) sobre a não infalibilidade da Igreja nas canonizações não me parece de todo peregrina. Por isso, não nos devem causar espanto as canonizações de João XXIII, Paulo VI e João Paulo II, as quais foram impulsionadas ( para a beatificação já por Bento XVI e por João Paulo II) pelo Papa Francisco em vista de uma sorte de “canonização” do concílio Vaticano II.

5) Sob o aspecto histórico e jurídico/canônico, alguns peritos ainda hoje estão estudando (hipoteticamente e historicamente) se a abdicação do Papa Celestino V, à época (13 de dezembro de 1294) foi legítima e espontânea ou foi forçada e ilegítima: “A renúncia ou abdicação de Celestino V, tão discutida à época como ainda hoje” ( Enciclopedia dei Papiou também se a eleição de Urbano VI ocorreu validamente.

6) A unanimidade é matemática ou absoluta quando absolutamente todos, nenhum excluído, estão de acordo; enquanto é moral quando só a maior parte se acha de acordo.

7) Por exemplo, frei Savonarola (1452-1498) o negava explicitamente, mas quis recorrer a um concílio ecumênico contra o Papa Alexandre VI para fazê-lo declarar herético e depô-lo. Por isso, foi condenado porque negava o primado do Papa sobre o episcopado, verdade que era divinamente revelada mas não ainda definida pela Igreja, como ocorreu por ocasião do Concílio Vaticano I em 1870. Ademais, era ensinada comumente pelos teólogos, sobretudo pelos tomistas, mas não tinha sido definida de maneira solene. Por conseguinte, tratava-se de uma verdade de fé divina, isto é revelada, embora não fosse ainda definida e a sua negação era igualmente herética.

8) Como ele mesmo revelou, na forma de gravação eletrônica, ao jornalista vaticanista Benny Lay, em 1987, sob a condição de que fosse tornado público só após a sua morte (2 de maio de 1989).

9) Padre Innocenzo Colosio ( 1910-1997) escrevia: “Um “papa bom” não é necessariamente um “bom papa””. Ele punha em dúvida, na revista de ascética e mística e na “Palestra del Clero”, a bondade do pontificado de João XXIII, aduzindo para tanto as provas, tendo sido nomeado “advogado do diabo” na abertura do processo para declarar “Servo de Deus” papa Roncalli, onde chegar a nomeá-lo “venerável” e conduzir depois ao processo de beatificação, concluído em 2000 e à sua canonização em 2014 (ano em que foram canonizados também Paulo VI e João Paulo II); mas padre Colosio não ousou jamais dizer que não fosse Papa legítimo e real.

 

A missa “una cum” é um problema?

Postado por Admin.Capela em 23/ago/2021 - Sem Comentários

  1. De acordo com a sã teologia da primeira, segunda e terceira escolásticas.

Pe. Domingo Bañez

O eminente teólogo dominicano Domingo Bañes (1528 -1604. Discípulo de de Domingo Soto e Melchior Cano na Universidade de Salamanca, autor de profundos comentários à Suma Teológica de Santo Tomás), comentando a Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino e considerando a hipótese formulada por seu confrade o cardeal Tomás de Vio mais conhecido como Caetano (1468 – 1533) em sua obra De comparatione auctoritatis Papae et Concilii, explica que o Papa se, por pura hipótese investigativa, incorresse em heresia, continuaria Papa. Com efeito, a falta da graça santificante separá-lo-ia da alma da Igreja e a falta de fé do corpo da mesma, mas a jurisdição visível do pontífice romano não seria retirada porquanto esta concerne ao governo visível da Igreja, que é uma sociedade visível e não pode ser privada de uma autoridade primária visível que a governa por motivo da ausência nesta última de graça ou de fé, as quais são hábitos sobrenaturais invisíveis. (Qualquer que seja a forma de governo, o que importa antes de tudo é que haja um governo, de outra forma uma sociedade não ficaria de pé. Portanto, a existência de um governo é justificada pela ordem intrínseca que põe e conserva as relações entre os homens, os quais devem viver e vivem de fato em sociedade. Ora o governo de uma sociedade complexa, como é a sociedade civil ou o estado nacional – e com maior razão a sociedade espiritual universal que é a Igreja, ndr -, deve ser forte. isto é capaz de manter sob si e dirigir todas as atividades das famílias e de outros organismos que possam desenvolver-se dentro da dita sociedade. Cf.  Roberti e Palazzini – Dicionário de teologia moral)

Portanto, segundo Bañez (e Caetano na escola de Santo Tomás), o Papa hipoteticamente herético não seria membro vivo da Igreja por falta da graça, não faria mais parte do corpo da Igreja por erro contra a fé, entretanto seria sua cabeça visível em ato quanto ao governo e à jurisdição: “O papa não é cabeça da Igreja em razão da santidade ou da fé porque não é assim que pode governar os membros da Igreja, mas é cabeça da Igreja em razão do ofício ministerial, que o torna apto a dirigir e governar a Igreja mediante o governo externo e visível por meio da hierarquia eclesiástica, que é visível e palpável. Por conseguinte, segundo o influxo espiritual da graça e da fé não é membro da Igreja de Cristo, se não as tem; contudo, segundo o poder de governar e dirigir a Igreja é cabeça visível da mesma em ato.” (É interessante notar que Domingo Bañez, tratando deste problema, faz uma analogia entre o Rei e o Papa, entre o Estado e a Igreja, analogia negada por alguns que declaram o Papa degradado do Papado.)

Charles-René Billuart (1685- 1757)

Em sua obra De incarnatione Billuart retoma a tese de Bañez e ensina que “a cabeça governa e o membro recebe a vida da graça. Portanto, se o Papa incorresse em heresia, manteria ainda a jurisdição com a qual governaria a Igreja, mas não receberia mais o influxo da graça santificante e da fé do Cristo cabeça visível da Igreja e assim não seria membro de Cristo e da Igreja. Ora, em um corpo físico quem não é membro físico não pode ser sua cabeça física, mas em um corpo moral ou em uma sociedade a cabeça moral pode subsistir sem ser membro moral da mesma sociedade. Com efeito, um corpo físico sem vida não subsiste e uma cabeça física morta não governa o corpo físico, ao passo que a cabeça moral de uma sociedade ou corpo moral o governa ainda que sem a vida espiritual ou a fé. (cf. Billuart, Cursus theologiae, Veneza, 1787).

Padre Reginaldo Garrigou-Lagrange

Recentemente também um dos maiores teólogos do século passado, Padre  Reginaldo Garrigou-Lagrange (1877-1964), no seu tratado De Christo Salvatore (Turim, 1946), comentando Santo Tomás (Suma Teológica III parte, qq, 1-90) e retomando a doutrina dos dois doutores dominicanos contra-reformadores citados acima, precisa que um Papa hipoteticamente herético occulto continuaria membro da Igreja em potência, mas não em ato, e manteria a jurisdição pela qual governaria visivelmente a Igreja. O herético público, ao contrário, não seria mais membro da Igreja nem sequer em potência, como ensina Bañez, mas manteria o governo visível da Igreja.

É pacífico, portanto, para a sã e a mais alta teologia da primeira, segunda e terceira escolásticas (Santo Tomás, Caetano, Bañez e Garrigou-Lagrange) que, admitido e não concedido que o Papa incorra em heresia. manteria igualmente a jurisdição e continuaria chefe da Igreja, ainda que cessando de ser seu membro.

Se se tratasse de uma cabeça física, explica Padre Garrigou-Lagrange, isto seria impossível, mas é possível se se trata de uma cabeça moral e ademais “vice gerens“, ou seja se trata do vigário visível de Cristo invisível assunto ao céu e chefe principal da Igreja.

A razão é que a cabeça física de um corpo não pode influir e ordenar ao membros do seu corpo, se dele estiver separada fisicamente porque não recebe mais a vida da alma separada da cabeça e do corpo (por exemplo, João é decapitado e morre, a sua alma deixa o seu corpo e a sua cabeça não  dirige mais, através do cérebro, todos os seus órgãos), ao passo que uma cabeça moral de uma sociedade ou de um ente moral (temporal como o Estado ou espiritual como a Igreja) pode exercer a jurisdição sobre o ente moral também se está separado  (por erro contra a fé ou por pecado) da Igreja (1) e do influxo vital interno e sobrenatural de Cristo. Isto, ainda que seja anormal e excepcional, é possível (2),

(1) João Hus (1369 – 1415) afirmava, como os donatistas, que os sacerdotes privados da graça santificante não conferem os sacramentos validamente (DS 1208). Ele estendia esse princípio também ao poder concernente ao governo e à jurisdição da Igreja. Em outras palavras, segundo Huss, um papa que não segue São Pedro nos bons costumes e na confissão da fé não é papa, sucessor de  de Pedro, mas é vigário de Judas Iscariotes (DS 1212-1213); se o Papa é mau ou infiel, então, à semelhança de Judas, é um demônio, um ladrão, destinado à eterna ruína, e não é chefe de uma santa Igreja militante, não sendo sequer membro desta (DS 1220). Segundo Huss, isto vale para todos os cardeais e bispos e também para os titulares dos poderes civis: “ninguém é pública autoridade civil desde o o momento em que se acha em estado de pecado mortal” (DS 1230). Cf. G. Perini, I sacramenti, Bolonha, 1999; verbete Huss, in Enciclopédia Católica).

(2) Não é absolutamente ou metafisicamente possível ainda que por  milagre só o que repugna (por exemplo que um triângulo, continuando tal, tenha quatro ângulos); é fisicamente possível por milagre que um peso deixado no vácuo não caia sobre a terra se Deus suspende as leis naturais; ao contrário, só de maneira excepcional e anormal é moralmente possível que uma mãe deteste e mate seu filho indo contra a inclinação natural.

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2) O sedevacantismo e a questão da Missa “una cum”

Uma questão espinhosa

Resolve-se, assim, a famosa e espinhosa questão da Missa celebrada “una cum famulo tuo Papa N.” (Paulo VI-Francisco I). De fato, assim como o Papa hipoteticamente herético não seria membro vivo da Igreja por falta de graça, nem faria parte do corpo da Igreja por erro contra a fé, mas seria, todavia, sua cabeça visível quanto ao governo ou à jurisdição segundo a melhor teologia tomista do Aquinate ( falecido em 1274), assim também para os teólogos da Contra-Reforma (século XVI), bem como para Billuart (século XVIII) e para o Padre Garrigou Lagrange (falecido em 1964) é absolutamente lícito citar no cânon da missa o Papa (eventualmente) herético, que não é membro da Igreja, o qual, entretanto, no que concerne ao poder de jurisdição, é a sua cabeça, dizendo, como reza o cânon: in primis, quae tibi offerimus pro Ecclesia tua sancta catholica: quam pacificare, custodire, adunare et regere digneris todo orbe terrarum: una cum famulo tuo Papa nostro N. et antistite nostro N. / Em primeiro lugar oferecemo-vos estes dons pela vossa santa Igreja católica para que vos digneis pacificá-la e governá-la em todo o mundo juntamente com (una cum) o vosso servo o nosso Papa N., e com o nosso bispo N.” Pede-se, com efeito, ao Senhor que pacifique, custodie, reúna e governe a Igreja juntamente com o Papa e com o bispo do lugar onde se celebra. Em suma, roga-se pela Igreja, pelo Papa e pelo bispo; nada de mais, nada de menos. Esta é a tradução exata das palavras “una cum”  do cânon da missa. (cf. G. Campanini – G. Carboni, Vocabolario Latino-Italiano, Italiano-Latino, verbete “cum”: “preposição com ablativo indicante companhia. […]. Una cum, juntamente com.

Os sedevacantistas pretendem que essas palavras signifiquem: “…a vossa santa Igreja católica que é uma só coisa com o vosso servo o nosso Papa N.”. Ora, ainda que assim fosse e se dissesse, no cânon da Missa, que a Igreja e o Papa são uma só coisa porque o Papa é o seu fundamento e cabeça visível, à luz de quanto ensinado pelos teólogos retro-citados não haveria nenhum inconveniente. Portanto o Papa pode ser nomeado no Canon Missae também segundo esta tradução inexata sem cometer nenhum pecado.

 

Prima Sedes a nemine judicatur

 

No caso de um Papa mau, que conduza a Igreja na direção de uma grave crise na fé e nos costumes, assim como nenhuma autoridade humana é superior ao Papa pode-se rogar a Deus que o converta ou que o tire desta terra como Santo Tomás de Aquino ensina: “o mau prelado pode ser corrigido pelo inferior que recorre ao superior denunciando-o, e se não há um superior (como no caso do Papa, cujo superior é só Cristo, ndr), recorra a Deus a Deus a fim de que o corrija ou o tire da face da terra” (IV Sent., dist. 19, q. 2, a. 2). Em nenhum caso se pode julgar o Papa ( com um veredito jurídico, entende-se) e depô-lo do Papado: “Prima Sedes a nemine judicatur”. O Concílio Vaticano I (IV sessão, constituição dogmática Pastor Aeternus) definiu dogmaticamente o princípio da “injudiciabilidade” do Papa por qualquer autoridade humana e eclesiástica:

“Ensinamos e declaramos que, segundo o direito divino do primado papal, o Romano Pontífice é o juiz supremo de todos os fiéis (…) Ninguém poderá julgar um pronunciamento da Sé Apostólica, pois não há autoridade maior que ela. Portanto, quem afirma ser lícito recorrer contra  as sentenças dos Romanos Pontífices ao concílio ecumênico, como a uma autoridade superior ao Sumo Pontífice está afastado do reto sentir da verdade (DS. 3063-3064).

O Código de Direito Canônico de 1917, no cânon 1556, retomando a definição dogmática do Vaticano I, estabeleceu o princípio: Prima Sedes a nemine judicatur, retomado tal e qual também pelo Código de Direito Canônico de 1983, cânon 1404.

Por conseguinte, no cânon da Missa é lícito rogar a Deus que ajude a Igreja juntamente com o Papa e o bispo do lugar (una cum famulo tuo Papa nostro N. et Antistite nostro N.) e que, se não há outro remédio, tire da face da terra “Papa nostro Francisco” e o acolha no seio da sua misericórdia. Observe-se, porém, que desejar a danação de quem quer que seja é pecado mortal.

3) Conclusão

Não há, pois, nenhum pecado em nomear no Canon Missae o nome do Papa considerado, mas não demonstrado, degradado do pontificado, porque, admitido e não concedido, que não seja membro da Igreja por eventual indignidade ou heresia, continua a ser a cabeça e o fundamento visível da mesma Igreja quanto ao governo. É lícito também assistir à missa una cum sem cometer pecado mortal

Um batizado criminoso por sua vida imoral e falta de fé, se eleito canonicamente Papa, não é membro vivo ou não é de fato membro da Igreja, porém continua a ser sua cabeça (ainda que indigno) quanto ao poder de jurisdição. De modo que a governa visivelmente e deve ser nomeado no cânon da Missa sem por isso macular-se de pecado e emporcalhar a Igreja, que é santa quanto à sua natureza (Corpo místico de Cristo), ao seu fim (o céu), à sua origem (Cristo) e aos seus meios ( sacramentos, magistério infalível, leis), mas é composta, por divina vontade, de membros tanto os santos quanto os pecadores. O Papa como membro pode ser um pecador também contra a fé, hipoteticamente poderia ser considerado “herético”, mas só de maneira puramente investigativa ou dubitativa, como quando Santo Tomás se pergunta, de forma ficticiamente dubitativa “An Deus sit/ Se Deus existe” (S. Th. 1ª q. 2. a. 3), contudo em ambos os casos continuaria a ser cabeça visível (ainda que indigno) da Igreja quanto ao seu governo.

Privar hoje, neste mundo contemporâneo literalmente “infernal”, os fiéis da missa tradicional porque é celebrada nomeando no cânon o nome do Papa eleito canonicamente e reinante publicamente ainda que mal é uma aventura criminosa, que expõe a maior parte dos fiéis ao risco próximo de não poder viver habitualmente em estado de graça, privando-os de todos os sacramentos administrados “una cum”.

Aos fiéis é lícito ir a qualquer missa tradicional (celebrada também não “una cum“) porque é o ministro que responde  a Deus por suas escolhas, enquanto o fiel deve só responder se observou o 3º mandamento: “Recorda-te de santificar as festas”.

Não esqueçamos jamais o ensinamento do Angélico segundo o qual “Deus não abandona jamais a sua Igreja ao ponto de não poder encontrar ministros suficientes para as necessidades do povo” ( S. Th., Suppl. q. 36, a. 4, ad. 1). Ora, se os únicos sacramentos lícitos fossem aqueles administrados sem o “una cum“, os ministros católicos seriam talvez uma centena sobre um milhão e meio de fiéis católicos. Seriam, portanto, totalmente insuficientes para a necessidade do povo e a Igreja não seria mais “católica” ou seja dispersa pelo mundo inteiro, seria uma igrejola nem sequer nacional, mas só regional.

Petrus

Tradução do italiano do periódico católico anti-modernista  Si Si No No, 15 de dezembro de 2016.

 

 

 

TODO PODER EMANA DO POVO

Postado por Admin.Capela em 05/ago/2021 - Sem Comentários

E sereis como os deuses!
Por Márcio Freyesleben 13/09/2020 – 15:09 hs

A democracia não é o oposto da ditadura: é a causa dela, dizia  Bernanos, com toda razão. A democracia traz em sua gênese o princípio fundador do autoritarismo estatal.

A certidão de nascimento da democracia moderna é a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1789,  que proclamou a vontade popular como  fundamento de legitimidade da democracia. A vontade soberana do povo  é a fonte de todas as leis, da Constituição inclusive: “todo poder emana do povo”.

Deveras, quando um poder retira o seu fundamento de legitimidade de uma fonte tão dúctil e fluida — a   vontade popular — será apenas uma questão de tempo para que a democracia se transforme em seu oposto, a ditadura.

Até o advento da Revolução Francesa, a lei era  a expressão de uma realidade superior ao homem: Deus. Mesmo antes do cristianismo, a lei era a expressão de uma razão superior à vontade humana, como quando Antígonas advertiu Creonte  sobre a existência de leis  eternas.  A existência de uma ordem regular e divina sempre foi reconhecida mesmo entre os pagãos, e estava na base da democracia ateniense (a democracia clássica).

A Revolução Francesa entronizou a vontade geral  como fonte de legitimidade do poder  estatal. Na expressão de  Jean Madiran, foi um dia terrível na história do mundo, pois naquele momento os homens  declinaram no plural o pecado original: “sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal” (Gn 3, 5). É a “revolta essencial pela qual o homem quer estabelecer para si mesmo a lei moral, pondo de lado a que recebeu de Deus. Em 1789, essa apostasia tornou-se coletiva. Ela se tornou o fundamento do direito político. A democracia moderna é a democracia clássica em estado de pecado mortal”.¹

Ao contrário do que imagina o homem vulgar, a sujeição à vontade geral, sem o respeito a uma ordem transcendente, conduz ao comunismo: “o totalitarismo comunista não é uma anomalia no universo democrático, mas a sua conclusão lógica; a conclusão necessária; a conclusão inevitável…”² A democracia moderna traz consigo o germe do totalitarismo, porque  “ela só se limita por uma declaração de direitos ditos ‘imprescritíveis’, mas proclamados por uma autoridade que pode perfeitamente mudá-los, decretar outros ou aboli-los. Ela já os mudou muitas vezes, bem como já decretou novos direitos ‘imprescritíveis’. Ela já os suspendeu ou os aboliu. Não são mais direitos. Não existe, na democracia moderna, nenhum direito que possa ser democraticamente garantido e mantido contra a vontade geral”.³

Convenhamos, “a democracia não é como um pão, que cresce sem perder a homogeneidade: à medida que ela se expande, sua natureza vai mudando até converter-se no seu contrário.”4

A democracia moderna é devota  das  constituições, seu ídolo oco. As constituições, que nasceram para limitar o arbítrio do rei, agora submetem o homem  ao poder ilimitado da vontade geral,  que  pode alterá-las  a seu bel-prazer. E “quando os homens decidem que não há mais nada de superior à soberania popular [….], eles fazem bem mais do que mudar a constituição política: eles fazem uma revolução moral e religiosa, e não uma revolução qualquer, mas ‘a’ revolução, a única, a da criatura que recusa, desde Adão, sua condição de dependência”5

A democracia moderna é religiosa. É a seita do homem que coletivamente toma o lugar de Deus. E por não reconhecer nenhum limite superior, ela se expande indefinidamente para  regrar todos os aspectos da vida. Nada é infenso à intromissão do poder da massa. Por isso não deveria causar  espécie o fato de que ditaduras comunistas se autoproclamem democráticas.

A democracia clássica respeitava a autoridade das instituições naturais. A democracia iluminista é prepotente.  “A autoridade do pai de família, do professor na sua classe, do patrão na sua firma, do bispo na sua diocese são heterogêneas à luz do princípio democrático moderno, e contrárias à Declaração dos Direitos de 1789. Essas autoridades, que são liberdades, não podem ser mantidas senão limitando-se a expansão do princípio democrático. O que faz a democracia liberal não é tanto limitar, mas meramente frear essa expansão, enquanto gaba-se de salvaguardar o que seria democraticamente normal destruir. Essas autoridades, essas liberdades, fundadas na ordem natural anterior à democracia, a democracia liberal as abala aos poucos, ela as dissolve lentamente, as diminui sem cessar. A diferença é de grau, não de natureza, com a democracia marxista, que as suprime ou as subjuga”.6

Sim,  o comunismo é democrático. As democracias modernas podem nascer liberais, mas terminam  comunistas, porque o Liberalismo e o Comunismo são filhos do mesmo Iluminismo materialista e anticristão:  são as duas pontas da língua bifurcada da serpente.

Marcio Luís Chila Freyesleben

Marceneiro Livre

[1] In As Duas Democracias,  Revista Permanência, nº 296

[2] Madiran, op. cit.

[3] Idem.

[4] Olavo de Carvalho, De Bobbio a Bernanos, Jornal da Tarde, 7 de janeiro de 1999.

[5] Madiran, op. cit.

[6] Idem.

Dom Bosco e o judaísmo pós-bíblico

Postado por Admin.Capela em 28/jul/2021 - Sem Comentários

Diálogos de um pai de família com os seus filhos

São João Bosco

Diálogo XIV

F. O senhor falou-nos diversas vezes da religião dos hebreus, como aquela de Moisés, única verdadeira religião antes da vinda do Salvador. Mas depois da vinda do Salvador, a religião judaica cessou de ser verdadeira religião?

P. Expliquei-vos já em várias ocasiões como a religião judaica, dada por Deus a Moisés, era uma preparação da religião cristã. Antes, todos aqueles que praticavam a religião judaica podiam somente salvar-se com a esperança no futuro Messias. Vindo, pois, o divino Salvador, pregou uma religião toda ela divina e santa, e quando Ele, morrendo sobre a cruz, consumou o grande mistério da redenção dos homens, teve seu término a religião judaica.

F. A religião que praticam os hebreus de hoje não pode mais salvá-los?

P. Não, meus filhos, a religião judaica pôde salvar os hebreus até a morte do Salvador; mas quando começou a pregar-se o Evangelho nas várias partes do mundo, nenhum dos hebreus mais pôde  salvar-se sem crer em Jesus Cristo e receber o batismo. Quem não é regenerado com as águas do batismo não pode entrar no Reino dos céus: assim está no Evangelho.

F. Os judeus que ouviram a pregação do Evangelho, converteram-se todos?

P. Os judeus que ouviram a pregação do Evangelho do próprio Jesus Cristo e dos seus apóstolos, em parte creram e receberam o batismo; mas a maior parte mostrou-se obstinada, e, seguindo os enganos dos escribas e fariseus, trabalhou de todas as formas para que o Messias fosse condenado à morte: coisas todas essas previstas pelos profetas, como vos fiz observar quando vos referi as profecias concernentes ao Messias e realizadas em Jesus Cristo.

F. Predisseram os profetas tal obstinação dos judeus?

P. Muitos profetas, como vos disse, predisseram tal obstinação dos judeus, e disseram claramente que em pena dessa voluntária cegueira seriam expulsos do país deles, dispersos pelas várias partes do mundo, sem rei, sem templo, sem sacerdócio. Depois no Evangelho lemos que Jesus Cristo à vista da obstinação, com que os judeus se recusavam a reconhecer os milagres extraordinários que ele fazia, à vista do enorme deicídio que aquele povo se preparava para cometer sobre a Pessoa de quem tinha vindo para salvá-lo, predisse que os judeus seriam assediados em Jerusalém, reduzidos a gravíssimos apertos, destruída a cidade, incendiado o templo, todo o povo disperso: e que tais coisas sobreviriam antes que outras sucedessem à presente geração.

F. Terrível profecia é esta! mas tais predições verificaram-se?

P. Todas estas predições cumpriram-se perfeitamente. Vivia ainda um grande número daqueles que se acharam presentes à morte do Salvador, quando os romanos, vindos para sitiar Jerusalém, a reduziram a tal aperto, que um arrebatava da mão do outro as coisas mais sujas para não morrer de fome, e as mão chegaram até a comer as carnes dos seus filhinhos. Um milhão e cem mil judeus foram trucidados, destruída a cidade, queimado o templo, o resto daquele povo desventurado disperso pelas diversas partes do mundo.

F. Uma nação desfeita, um povo disperso, parece incrível! Mas os judeus crêem nestas coisas, têm conhecimento delas?

P. Este fato é tão inaudito, que se a história não o registrasse, com dificuldade se acreditaria. É isto um grande castigo que certamente supõe um grande delito, qual a morte do Salvador.

Os hebreus crêem nesses fatos, e são eles próprios que os escreveram. Flávio Josefo, hebreu doutíssimo, escreveu minuciosamente esse grande acontecimento; ele mesmo teve grande participação no ocorrido; e conta uma longa série de sinais prodigiosos que o precederam.

F. Conte-nos algum desses sinais, e servirão sempre mais para nos fazer conhecer a veracidade do Evangelho.

P. Vou narrar-vos alguns que se acham referidos pelo mencionado autor.

No dia de Pentecostes, diz ele, foi ouvida no templo uma voz que, sem poder saber donde vinha, fortemente ribombava: saiamos daqui, saiamos daqui. Um homem chamado Anano veio do campo e não parava de gritar: ai do templo, ai de Jerusalém, voz do oriente, voz do ocidente, voz dos quatro ventos! ai do templo, ai de Jerusalém! Ele foi encarcerado, açoitado, mas não se deixou intimidar pelas bastonadas, correu pela cidade gritando com voz galharda por três anos, depois do que, exclamando ai de mim mesmo, foi golpeado por uma pedra sobre a cabeça e morreu.

Às nove da noite em torno do templo e do altar brilhou uma luz tão viva, que por meia hora parecia que fosse meio dia. Uma porta do templo, que se abria para o oriente, era de bronze e de um peso tão enorme, que eram necessários vinte homens para fechá-la. Essa porta achou-se por si mesma aberta, sem que nenhum homem a tocasse. Alguns dias depois em todos as regiões vizinhas de Jerusalém viam-se no ar exércitos alinhados, que a cercavam com um estreito assédio. Apareceu um cometa que vomitava chamas à maneira de raios, e uma estrela em forma de espada esteve suspensa por um ano inteiro com a ponta voltada sobre aquela cidade.

Tais são sinais prodigiosos que noite e dia anunciavam àquele povo sua iminente ruína. Depois disso vieram os romanos, os quais sem o saber, feitos instrumentos da ira divina, cooperaram para cumprir quanto estava escrito no Evangelho a respeito da destruição dos hebreus.

F. Os judeus não puderam mais retornar à pátria deles?

P. Os judeus foram de tal maneira dispersos, que doravante, a despeito de todo esforço deles, não puderam mais retornar à pátria, nem quer unir-se para formar um corpo de nação. Aqueles remanescentes que se conservam obstinados em muitos lugares, são para nós um argumento a favor da verdade da nossa religião. Por isso que haver hebreus convertidos à religião cristã, é sinal de que a reconheceram divina: aqueles que não se converteram são outro argumento também convincente, porque neles se verifica a cada dia uma profecia do Evangelho; isto é, que aquele povo vive disperso sem rei, sem templo, sem sacerdote, assinalados com a marca da divina reprovação.

Estado infeliz é esse dos judeus, no qual deverão permanecer até o fim do mundo.

F. Que dizem os hebreus para não abraçar a religião cristã?

P. Dizem que o Messias ainda não veio.

F. Sobre que razões se fundam?

P. Os hebreus ainda esperam o Messias, e fundam-se sobre a convicção de que ele deva vir à maneira de um formidável guerreiro e estabelecerá um reino temporal que se estenderá a todo o mundo. Por este motivo têm o coração apegado às coisas da terra, não chegam a conhecer as verdades do Evangelho, que são realmente espirituais; tampouco querem abrir os olhos para inúmeras  profecias que estão à disposição deles, as quais anunciam claramente que o Messias, apesar de ser Deus onipotente, devia vir sob uma roupagem humilde à maneira de um manso cordeiro, como fez Jesus  Cristo, e fundar um reino, que é a sua Igreja, a qual devia estender-se a todos os lugares da terra e durar eternamente

F. Tendo já vindo o Messias uma vez, como nos explicou o senhor, o qual reconhecemos em Jesus Cristo, certamente ele é esperado em vão; mas supondo que devesse vir ainda, poderiam os hebreus ter sinais certos para conhecê-lo?

P. Não, meus queridos filhos; suposto que os hebreus quisessem conhecer este Messias, não o poderiam mais por muitas razões.

  1. O Messias devia nascer naquela época em que a soberana autoridade da tribo de Judá tinha passado para mãos estrangeiras, coisa que se verificou por ocasião do nascimento de Jesus, e há dezenove séculos esta régia autoridade não existe mais.
  2. O Messias devia nascer da estirpe de Davi. Mas eu dialoguei com os mais doutos hebreus e todos são unânimes em afirmar que a descendência de Davi já se dispersou e misturou com o resto dos hebreus, que não se pode mais achar uma pessoa que possa com certeza fazer ver a sua descendência daquele rei profeta.
  3. Segundo o profeta Ageu, o Messias devia visitar o templo que os hebreus edificaram depois do retorno do cativeiro da Babilônia.

Mas como o Messias poderá visitar o referido templo, quando há dezoito séculos não existe mais?

F. O senhor, Papai, já conversou várias vezes com os hebreus; que dizem eles sobre essa verdade?

P. Realmente, tive oportunidade de falar diversas vezes com os hebreus. e freqüentemente ocorre que o assunto seja matéria religiosa, especialmente a respeito do Messias. Digo-lhes que dá pena ouvi-los discorrer sobre tão importante verdade.

F. Então, que dizem eles?

P. Geralmente os rabinos, isto é os mestres dos hebreus, recusam-se a falar sobre tal assunto. Alguns, poucos, vivem honestamente e estão de boa fé esperando o Messias. Mas a maioria vive na ignorância da própria religião, sem pensar no Messias, esquivando-se de quem quer que seja disposto a instrui-los.

Há, portanto, muitos que vivem no judaísmo só por motivo de interesse. Não há muitos anos que que um hebreu, que se fez instruir na religião cristã, que estava vivamente disposto a tornar-se cristão, contanto que lhe fosse assegurada uma grande soma de dinheiro. Outro disse que se faria cristão, contanto que não fosse obrigado a abrir mão da herança paterna.

Outros comovem as vísceras de um cristão só de ouvi-los falar do Messias. Interrogado um sobre se ele cria no Messias, respondeu: o meu Messias é o ouro, é a prata. Outro, a semelhante pergunta, respondeu que um bom almoço era para ele um Messias. Que se pode mais responder a pessoas de um coração tão corrompido?

Não nos deve causar espanto que a muitos hebreus pouco importe o Messias e a religião, porque o judaísmo de hoje não é mais aquela religião santa anunciada pelos profetas, confirmada pelos milagres; antes aqueles que fizeram profundos estudos sobre a religião atualmente professada pelos hebreus dizem que ela se reduz a um verdadeiro ateísmo, vale dizer, a negar até a existência de Deus.

F. É possível que os judeus neguem a existência de Deus?

P. Se bem que os judeus não neguem abertamente a existência de Deus, todavia professam certos princípios, cuja admissão equivale a negar a existência de Deus implicitamente.

Os hebreus têm um livro intitulado “Talmud”, no qual estão contidas as cerimônias, os ritos, as orações e as coisas mais importantes da religião deles; os hebreus crêem mais no “Talmud” que na própria Bíblia. Ora, ouvi algumas das muitas impiedades contidas nesse livro, e com base nelas podereis tirar uma conclusão.

Deus, está dito no “Talmud”, passa as três primeiras horas do dia na leitura da lei hebraica; depois retira-se a um lugar apartado para chorar a ruína do templo de Jerusalém e a catividade do seu povo. Às vezes Deus recorda-se das calamidades que sofrem os hebreus junto aos gentios, derrama duas lágrimas no Oceano e alivia a sua dor batendo no peito. Estas e muitas outras absurdidades admitem os judeus, coisas que um cristão de sete anos sabe serem incompatíveis com um Deus onipotente, Criador e  Supremo Senhor do céu e da terra.

Igualmente no que concerne à alma dizem coisas as mais ridículas, ouvi algumas. tais como estão registradas no “Talmud”. Quem comer três vezes no dia de sábado, conseguirá a vida eterna. Quem rezar com a face voltada para o meio-dia terá o dom da sabedoria, e quem se voltar para o setentrião terá o dom das riquezas. Quem passar sob o ventre de um camelo não aprenderá mais nada. Fico horrorizado ao descrever semelhantes extravagâncias, menos ainda quero reproduzir as blasfêmias que os doutores hebreus vomitam contra Deus, contra Jesus Cristo e contra os próprios cristãos.

F. Como os judeus vomitam blasfêmias contra os cristãos?

P. Não só blasfêmias, mas também imprecações as mais tremendas, as quais, fazendo-me horror só o referi-las, peço-vos que me dispenseis de as dizer.

F. Contudo, pedimos-lhe que as diga, a fim de que saibamos também nós quais são os pensamentos e as pretensões dessa gente com a qual devemos com freqüência tratar.

P. Já que desejais tanto saber o que dizem os judeus sobre os cristãos, eu vos digo as coisas como estão literalmente escritas no “Talmud” deles. Nele está escrito:

  1. Que todos os judeus devem blasfemar três vezes ao dia os cristãos, suplicando ao Senhor que os confunda e extermine juntamente com os seus príncipes e soberanos, e são obrigados particularmente a fazer isto os rabinos nas sinagogas deles por ódio a Jesus Cristo Nazareno.
  2. Que Deus ordenou aos hebreus que se apropriassem, de algum modo, seja com a usura ou com o furto, as riquezas dos cristãos.
  3. Os judeus deverão considerar os cristãos como outros tantos animais bravos.
  4. O judeu não fará ao gentio nem bem nem mal, mas tratando-se de um cristão deverá empenhar-se em tirar-lhe a vida. Encontrando um cristão à beira de algum precipício,  um judeu tem o dever de empurrá-lo ao fundo.

********

Da Igreja de Jesus Cristo

A prodigiosa propagação do Cristianismo

F. Talvez, quando começaram a perseguir o Cristianismo, estava já muito expandido para poder impedi-lo?

P. Absolutamente, não. Disse que  as perseguições movidas contra os cristãos começaram a partir do primeiro instante que os apóstolos pregaram a ressurreição e a fé de Jesus Cristo em Jerusalém.

F. Talvez essas perseguições tenham tido pouca duração?

P. As perseguições movidas contra os cristãos duraram, horrivelmente cruentas, pelo espaço de trezentos anos, até que o imperador Constantino, tendo conhecido a divindade da religião cristã, ordenou que cessassem as violências contra os cristãos.

F. Sem dúvida isto nos parece um grande prodígio; mas não se poderia atribuir isto a alguma astúcia ou a algum meio empregado pelos apóstolos na pregação do Evangelho?

P. Os meios que os apóstolos  e outros colaboradores deles empregaram para propagar o Evangelho, eram realmente, como vos disse, aqueles que parecem os mais contrários à crença humana.

  1. O Evangelho era proibido, e era pregado publicamente.
  2. Deveriam ter recebido quem quer que fosse à fé, mas os apóstolos não admitiam senão os que tinham dado sinal de uma sincera conversão.
  3. Em vez de pregar o Evangelho sob a aparência doce e lisonjeira, em vez de prometer riquezas e felicidade, exigiam que renunciassem aos bens terrenos e se mostrassem prontos para morrer pela religião.

F. Outra dúvida me assalta, e é: não poderia dar-se que a religião não fosse abraçada porque divina, mas pelos milagres que os apóstolos realizavam?

P. Os apóstolos fizeram realmente muitos e numerosos milagres, mas faziam-nos justamente para confirmar a divindade da religião que pregavam. Ora, não podendo realizar-se os milagres de outro modo senão que por Deus só, resulta como legítima conseqüência que divina devia ser aquela religião à qual Deus dava tão esplêndido testemunho com tantos milagres.

F. Deus seja louvado, e muito obrigado ao senhor, meu querido papai. Não tenho mais nada a perguntar acerca da maravilhosa propagação da fé. Estou plenamente convencido dela.

(Fim da presente obra de São João Bosco. Tradução feita a partir do texto publicado pelo periódico  anti-modernista italiano Si Si No No)

O homem pinguim

Postado por Admin.Capela em 28/jul/2021 - Sem Comentários

Autor: Pe. Francesco Maria Putti

[Original italiano: < http://www.sisinono.org/j3/anteprime-2012/52-anno-2014/237-anno-xxxx-n%C2%B021.html >]

A história da humanidade demonstra que o “rei” do universo conhecido não aproveita a experiência dos outros e repete mais os mesmos erros de sempre do que as virtudes daqueles que o precederam.

A descoberta de uma lei física ou química, ocasionada amiúde por uma metodologia racional de pesquisa com adequados e inúmeros experimentos – e mais ainda pelo acaso durante os mesmos experimentos –, faz o homem acreditar que é o senhor da natureza naquele determinado campo, enquanto apenas descobre o que já havia desde antes, além de descobrir a utilidade ou relativa defesa que pode tirar disso em determinados momentos, lugares e tempos.

A limitação própria do homem é evidenciada por tudo, mas não é por ele aceita, mesmo ele percebendo que capta os efeitos, mas não as causas das coisas, cujo “porquê” lhe escapa.

Assim, pois, o homem tem a ciência, ou seja, um conjunto de cognições obtidas por reflexão e raciocínio em torno das coisas criadas, mas nunca a sabedoria, que “é a cognição das coisas nas suas razões mais íntimas e nas suas causas mais remotas” (Santo Tomás); a ciência colhe o efeito, enquanto a sabedoria se situa na causa criadora, ou seja, em Deus, e o homem que refuta essa realidade não tem outra solução senão exaltar o próprio “eu”.

Como o pinguim que poderia, se fosse um ser racional, considerar-se um homem ao se ver à distância no espelho, assim pode o homem acreditar ser um deus unicamente ao se ver à distância no espelho do próprio “eu”.

A inteligência de um homem (inclusive a de um grande homem) é justamente definida “inteligência deficiente”, pois é condicionada pelo seu próprio físico, aliado a um sistema nervoso, ambos carentes ou saturados de alguma substância química “x” ou “y” conhecida ou não. De maneira que a inteligência perfeita em todas as áreas não é do homem; para tê-la, deveria não ser condicionado pelo próprio corpo e pela natureza das coisas externas, de cuja presença sofre sem poder dominá-la, mas deveria ainda mais não ser condicionado pelo próprio “eu”.

Existe, ao invés, uma inteligência comum que se aproxima do suficiente em toda atividade humana. Esse é o homem no seu estado natural; assim nasceram os filhos de Adão e Eva depois da queda original, assim nascemos nós, assim nascerão os futuros homens.

* * *

O que pode modificar o homem para o bem, seja no crescimento seja no tempo, não é a tecnologia etc., mas os sãos princípios; não aqueles ditados pela ciência do homem cheio do próprio “eu”, mas aqueles ditados pela sabedoria de Deus.

A sabedoria de Deus é imutável e, enquanto Criador do homem e de toda a natureza que o circunda, é a única que possa indicar ao homem o caminho seguro e certo para alcançar o seu fim, não somente na ordem da vida eterna, mas também na ordem da vida terrena. Ao se comprometer e assim se descartar o caminho seguro indicado pela sabedoria, nasce a confusão na natureza do homem decaído; o caminho na ordem espiritual é confundida com o caminho terreno e vice-versa; consequentemente, nasce e prospera a confusão das ideias; o bem é confundido com o mal e vice-versa.

É coisa antiga que haja semeadores de cizânia dentre aqueles que, por si mesmos e por outros, querem descartar Deus para fazer triunfar o próprio “eu”, mas que também dentre os filhos… de Deus haja semeadores de cizânia, quem descarte Deus e quem busque o triunfo do próprio “eu” é absolutamente repugnante.

* * *

É repugnante porque são homens que conhecem a lei de Deus e se declaram amigos, inclusive ministros de Deus, mas não hesitam, com palavras e gestos, com seus compromissos, em entristecer a casa de Deus, que é a Igreja; essa mesma Igreja que é guardiã, com plena autoridade, da Revelação, da sua exata interpretação, dos sacramentos, da moral etc.

Tais pessoas, que se autoexcluem da vida da Igreja militante, praticamente menosprezam a autoridade da Igreja em seus ensinamentos, feitos para o bem de toda a humanidade, e querem substituí-los com os ensinamentos do próprio “eu” guiado pela própria inteligência “deficiente”, pois se consideram possuidores livres e absolutos… do Espírito Santo, daquele mesmo Espírito Santo que não reconhecem presente nos ensinamentos e disposições da Igreja.

Na ordem da natureza, a experimentação corrobora a descoberta e obriga a aceitá-la, e assim é na ordem espiritual, ou seja, o Espírito Santo corrobora o ensinamento da Igreja, e a Fé na presença certa do Espírito Santo obriga a aceitá-lo.

Mas para o homem-pinguim, que se vê “deus” no espelho do próprio “eu”, não é assim! Se não ousa declarar-se deus, declara-se oficialmente possuidor de um Espírito Santo em contínuo contraste com o da Igreja.

O demônio tem bons motivos para descansar; já há quem o substitui com a mesma plenitude de propósitos.