Bento XVI, Santo Agostinho e os judeus

Postado em 07-05-2009

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Tendo em vista a próxima viagem de Bento XVI à Terra Santa e os debates teológicos entre a Fraternidade São Pio X e os dicastérios competentes da cúria romana em torno dos temas mais controvertidos do Concílio Vaticano II, desejaria fazer um cotejo entre o ensinamento de Santo Agostinho e uma passagem do Catecismo da Igreja Católica.

Há notícias de que os judeus estão descontentes com Bento XVI porque este ainda não disse claramente que eles, por professarem a lei de Moisés, têm a salvação.

Todo esse problema, essa confusão reinante, seria perfeitamente evitado se a tradição da Igreja não tivesse sido  atirada às urtigas nesses últimos anos. Na verdade, os modernistas iludiram os judeus de hoje com um falso ecumenismo, um diálogo inter-religioso irresponsável, que não tem como preocupação central a questão doutrinária, mas apenas fomenta um sincretismo, um irenismo com vista a um projeto filantrópico mundial. De maneira que, quando desponta o problema doutrinário – por que hoje temos um papa teólogo que não descuida do dogma – essas pessoas sentem-se enganadas achando que a Igreja tinha renunciado a sua missão de proclamar Cristo como único Salvador e a ela própria, Igreja Católica Apostólica Romana, como a única verdadeira Igreja de Cristo.

Quanto aos judeus, por exemplo, a doutrina do Apóstolo São Paulo não deixa margem a nenhuma dúvida . O apóstolo adverte os cristãos contra a tentação judaizante de crer que pela lei viria a salvação. Ele  mostra como a lei serviu apenas como um pedagogo que ensinou ao homem a sua própria impotência diante do pecado a fim de que esperasse o Salvador. Basta ler atentamente a epístola  de São Paulo aos Gálatas capítulos 2 e 3.

Infelizmente, o modernismo conseguiu nestes últimos enredar muitos espíritos dentro da Igreja. Um vocabulário ambíguo próprio para conciliar opiniões divergentes foi adotado. Uma visão otimista do mundo e do homem conquistou inteligências e vontades de tal modo que posições inovadoras e temerárias foram abraçadas ao menoscabo da sagrada tradição e arrepio de toda prudência.

Com efeito, no que concerne à situação religiosa dos judeus após a rejeição e morte de Cristo por seus antepassados, não há o que discutir se quisermos ser fiéis à tradição católica. Os judeus simplesmente apostataram da fé de Abraão. Orgulham-se em vão de ter o sangue de Abraão, mas perderam o seu espírito. É um dever de caridade dizer-lhes isto com todas as letras. Se amamos com sinceridade os judeus, temos de desejar-lhes a conversão: que se tornem bom católicos. A Igreja Católica é a sucessora de Israel. É a verdadeira Sião, a verdadeira Jerusalém.

Santo Agostinho diz em seu comentário ao salmo 148: “Ninguém diga: “Não sou filho de Israel”. Pois não penseis que os judeus são filhos de Israel e nós não somos; atrevo-me a dizer-vos, meus irmãos, que eles não são e nós somos. Ouvi por que: porque é maior o nascido segundo o espírito que o nascido segundo a carne. De quem procede Israel? De Abraão. Israel nasceu de Isaac, e Isaac de Abraão. (…) Quem degenera da fé de Abraão perde a linhagem de Abraão. Os judeus degeneraram, perderam sua estirpe. Nós imitamos Abraão, encontramos sua linhagem. (…) Ademais, Cristo é a linhagem de Abraão, e nós estamos em Cristo, pois do povo de Israel procede Maria, da qual nasceu Cristo, e nós nos achamos em Cristo; logo somos filhos de Israel.” Além do testemunho da tradição, temos a Sagrada Escritura que nos mostra Nosso Senhor, depois de negar que os judeus têm por pai Abraão, dizendo: “Vós tendes como pai o demônio e quereis fazer os desejos de vosso pai. Ele era homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele.” (Jo. 8,44)

Ao contrário, o catecismo publicado em 1992  no § 839 considera a fé dos judeus de hoje, que recusam o Messias, uma resposta à revelação de Deus na Antiga Aliança. Realmente, tal afirmação parece muito dificultosa, pois toda Sagrada Escritura  se refere a Cristo. São Paulo diz que quando os judeus lêem Moisés, um véu lhes cobre o coração, e este véu só lhes será tirado quando se converterem ao Senhor. (cf. II Cor. 3, 14-16) E o Doutor Santo Tomás, no comentário às epístolas de São Paulo, diz que a razão dos judeus ficou enfraquecida, de modo que não podem ver a claridade da divina luz, isto é, da divina verdade sem o velame das figuras. E isto porque fecham os olhos para não verem, por culpa da infidelidade deles, não por defeito da verdade.

Como se vê, a doutrina tradicional é clara, não dá margem a erro ou tergiversação. Bento XVI tem demonstrado repetidas vezes seu propósito de dissipar as dúvidas e de apascentar as ovelhas de Cristo com o pão da verdade. Esperamos que em sua próxima viagem a Israel ele possa dizer aos judeus, alto, sonoro e retumbante, o que escreveu em seu belo livro Jesus de Nazaré. Com sua habitual elegância ele comenta a obra do erudito judeu Jacob Neusner, principalmente suas considerações sobre a relação entre Cristo e a Tora, e conclui de forma irrefragável que não basta a lei: “Mas o homem tem fome de algo mais, precisa de mais. O alimento que alimenta o homem como  homem deve ser maior, deve situar-se em outro plano. É a Tora este outro alimento? De algum modo, o homem já pode nela e por ela fazer da vontade de Deus o seu alimento (cf. Jo. 4, 34). Sim, a Tora é “alimento” que vem de Deus; mas ela só nos mostra, por assim dizer, as costas de Deus, ela é a “sombra”. “O pão de Deus é aquele que desceu do céu e que dá a vida ao mundo” (Jo. 6, 33). (….) A lei tornou-se pessoa. No encontro com Jesus alimentamo-nos, por assim dizer, do próprio Deus vivo, comemos realmente o “pão do céu” (cf. Bento XVI, Jesus de Nazaré, Planeta, São Paulo, 2007, p. 101, 232).

Rezemos pelo Santo Padre para que ele tenha força para dizer aos judeus que a verdadeira obra da lei exigida por Deus dos homens é que eles creiam no Verbo Encarnado para que possam chegar ao Pai. Rezemos para o bom êxito do debate doutrinário da Fraternidade Sacerdotal São Pio X sobre o Vaticano II a fim de que volte a brilhar  a doutrina multissecular da Igreja.

Isto urge mais que nunca. Hoje, são muitos os cristãos que se judaízam não só se iniciando nos rituais da sinagoga mas adquirindo a mentalidade judaica de um reino terreno, imanentista, onde desaparece a esperança da vida eterna e só se adora o bezerro de ouro.

Anápolis, 7 de maio de 2009

Santo Estanislau, bispo e mártir