De Maastricht a La Paz, a confusão é geral

Postado em 21-10-2011

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Cheguei à conclusão de que, lendo o noticiário dos jornais, a minha fé pode aumentar. São tantas as irresponsabilidades, são tantos os erros grosseiros, são tantos os equívocos cometidos  pelos chefes de governo, é tamanha a malícia das lideranças mundiais que transparece através das notícias, que é preciso reconhecer que só sobrevivemos pela ação misericordiosa da Providência Divina que conduz misteriosamente todas as coisas.

Na América do Sul, chama-nos a atenção o estado de desintegração nacional produzido na Bolívia pela ideologia indigenista da esquerda. O governo do Sr. Evo Morales houve por bem outorgar às nações silvícolas poder jurisdicional, de modo que poderão doravante solucionar seus litígios de acordo com um suposto direito consuetudinário peculiar aos povos aborígenes.

É bem conhecida de todos a arenga da teologia da libertação contra o genocídio dos índios e a destruição de sua cultura perpetrados  na obra de colonização e evangelização da América. Bem sabemos quanta injustiça, quanta mentira encerra esse realejo maçônico-esquerdista. Quem lê, por exemplo, as cartas do beato padre José de Anchieta sabe a quantos costumes bárbaros e desumanos se submetiam, por ignorância religiosa, os pobres autóctones pagãos. Em uma de suas cartas conta o grande missionário apóstolo do Brasil como teve de lutar para tentar salvar uma criancinha recém-nascida enterrada vida após a morte de sua mãe, conforme prescrevia a tradição tribal.

Mas o que é irritante em toda situação calamitosa da Bolívia é que o Sr. Evo Morales em sua política indigenista demagógica teve de observar um limite traçado pelo bom senso, sem, todavia, renunciar a sua ideologia e reconhecer que tinham razão os antigos missionários. Refiro-me à restrição imposta ao poder jurisdicional concedido aos indígenas: eles não poderão aplicar a pena de morte, nem maltratar as mulheres, as crianças e os idosos e incapacitados. Presidente Morales, assim não resta quase nada das tradições tribais! Isto é imperialismo europeu!

Nossos avós tinham mais prudência ao elaborar os seus códigos. Com efeito, o Código Civil Brasileiro de 1916 previa a incapacidade relativa dos silvícolas ao mesmo tempo que os submetia a um regime tutelar. Justamente o contrário do que se faz hoje.

Mas as calamidades dos nossos dias não se restringem à América Latina. Os Estados Unidos e a Europa, que deveriam dar ao mundo inteiro o bom exemplo da prudência e da justiça na administração da coisa pública e na solução dos problemas, oferecem um espetáculo deplorável a quem acompanha os acontecimentos.

Na  configuração política  do mundo de hoje dois problemas parecem avultar. A crise financeira da Europa que ameaça a continuidade do Euro e a crise do mundo árabe. Não tenho competência para opinar sobre problemas econômicos. Quero apenas registrar que, pela leitura do noticiário, é possível aquilatar quanta imprudência, quanta má-fé, quanta injustiça, houve na introdução da nova moeda da União Européia. Basta assinalar isto para formular um juízo moral a respeito. Houve vozes abalizadas que foram amordaçadas. Basta isto para comprovar mais uma vez que a política não é assunto para tecnocratas nem lideranças pragmáticas, mas exige prudência e sabedoria. Uma ciência política dominada pelo critério econômico e sem consciência moral não é verdadeira ciência.

O outro problema, concernente ao mundo árabe, foi objeto de interessante entrevista da sra. Madeleine Albright, a primeira secretária de estado dos EUA. Tampouco tenho competência para julgar suas aptidões profissionais. Mas não escondo minha repugnância por uma mulher ocupar tal cargo. O que me pareceu censurável é sua cegueira quanto ao problema islâmico. A referida senhora disse que atualmente se comete um equívoco quando se fala do mundo árabe, não se distinguindo vários tipos de muçulmanos existentes pelo mundo afora. Albright menciona os vários grupos, mas não diz uma palavra sobre a presença dos maometanos na Europa. Pode ter sido um lapso ocorrido durante uma entrevista, mas fica aqui a minha interrogação.

Para encerrar estas mal traçadas linhas, desejaria recordar algumas lições de Santo Tomás de Aquino sobre a virtude cardeal da prudência, tal como explanado na Suma Teológica. Como fariam bem nossas lideranças se estudassem a virtude da prudência, que é a virtude política por excelência indispensável para o estabelecimento do bem comum!
Como se sabe, o santo doutor, após definir a virtude da prudência como uma virtude moral  reitora dos atos humanos que reside na inteligência – julga acerca dos meios e fins  e dirige a vontade -, distingue suas partes integrantes e potenciais que vale a pena referir uma por uma. São partes integrantes da virtude da prudência: 1) a memória (responsável pelo bom aproveitamento das experiências e das lições da história); 2) a inteligência ( necessária para a compreensão da realidade, analisando os prós e os contras); 3) a docilidade para receber as lições e informações dos outros; 4) a solertia, a sagacidade ou viveza de engenho; 5) a razão ou capacidade de deliberar passando de uma principio ao outro até chegar a uma conclusão; 6) a providência ou capacidade de prever as conseqüências;  7) a circunspecção ou capacidade de examinar as circunstâncias; 8) a cautela ou capacidade de corrigir um plano sendo necessário. E finalmente, as partes potenciais da prudência: 1)a eubulia que examina o bom conselho; 2) a synesis ou juízo sensato que examina a aplicabilidade do próprio juízo; 3) o gnome que é a capacidade de julgar à luz dos princípios mais altos.

Como se vê, a virtude da prudência, no mundo materialista e agnóstico em que vivemos, eclipsou-se completamente do ambientes da alta política internacional. Quer-se resolver todos os problemas com base num imediatismo com vista ao máximo de vantagens materiais e resultados práticos. Não há a preocupação de tomar as decisões em ordem ao fim último do homem.

Mas o pior é que a virtude moral da prudência não desapareceu apenas do mundo da alta política internacional. Quando não se corrompeu em baixa astúcia entre muitos cristãos em sua competição por um lugar ao sol na sociedade desumana em que vivemos, a virtude da prudência amesquinhou-se pela perda da sua parte potencial do gnome, isto é, hoje muitos cristãos não têm mais a capacidade de julgar as coisas de acordo com as máximas do Evangelho, o ensinamento tradicional da Igreja, mas deixam-se arrastar enganados pelo humanismo maçônico que lhes estende as mãos em nome da construção de um mundo novo e melhor.

Cumpre, pois, a nós, com muita constância e paciência, viver e testemunhar a prudência em nossa vida, endereçando todas nossas ações ao nosso fim último. Disso depende nossa santificação. Disso resultará a verdadeira transformação do mundo para a salvação das almas e glória de Deus. Essa  virtude moral finíssima que é prudência faz os grandes homens e sobressai  fulgurante na vida dos santos.

 

Anápolis, 21 de outubro de 2011.

Santo Hilarião, conf., Santa Úrsula e companheiras mártires.