Ecône e o Vaticano. Legalizar o desacordo

Postado em 29-02-2016

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Tendo em vista os rumores e alguns comentários de autoridades eclesiásticas a propósito de um iminente reconhecimento canônico da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, desejaria expressar minha opinião sobre um assunto de interesse geral.

Em primeiro lugar, repito o que tenho dito em vários ocasiões. Visto que a Fraternidade São Pio X teve seu estatuto canônico supresso de uma forma arbitrária, ao arrepio do devido processo legal, nos idos de 1976, sem que se desse aos interessados nenhum direito de defesa  contra a medida atrabiliária, cabe, hoje, na verdade, uma perfeita restauração do direito violado. Se, por exemplo, eu fosse injustamente privado da minha cidadania e de todos os direitos dela decorrentes, não aceitaria nenhum ato de “misericórdia”, de reconciliação, de anistia ou coisa que o valha, mas a pura e simples reparação da injustiça cometida contra mim e o restabelecimento do meu direito acrescido de devida indenização. Se é procedente falar de misericórdia no caso, esta vem da parte do ofendido que perdoa ao agressor. É o caso da Fraternidade São Pio X.

Quanto às declarações de um conhecido prelado da cúria romana sobre o estado atual das relações entre a Fraternidade e o Vaticano, parece-me oportuno assinalar que hoje soam absurdas, sobretudo após a declaração conjunta (ou acordo?) do bispo de Roma e do patriarca de Moscou, assinada recentemente, sob as bênçãos dos irmãos Castro e do presidente Putin, as exigências de ordem doutrinária à Fraternidade São Pio X, quando o papa declarou que a Igreja Greco-Ucrâniana não deve expandir-se trazendo para o seio da Igreja Católica os cristãos nascidos ou caídos no cisma ortodoxo.

O referido prelado da Comissão Ecclesia Adficta deveria seguir o exemplo do Santo Padre e dizer que as comunidades dependentes da dita comissão não podem fazer proselitismo tentando atrair os fiéis da Fraternidade. Deveria também obedecer ao papa que já várias vezes declarou que discussões teológicas não chegam a lugar nenhum e que o importante é ter prazer na convivência fraterna. O Vaticano vai festejar o 5º centenário da falsa reforma do heresiarca Martinho Lutero e agora vem um prelado falar em exigências doutrinárias para o reconhecimento da Fraternidade. Em que mundo estamos? Em que Igreja estamos?

Com efeito, os debates doutrinários entre os teólogos da Fraternidade parece que se tornaram discussões bizantinas. Não por culpa da Fraternidade que segue o método escolástico tradicional, mas por culpa da outra parte que, influenciada pelo pensamento moderno, especialmente o modernismo de matriz hegeliana, que tenta conciliar o inconciliável, encontrando uma mediação entre os opostos. Aqui vale a pena citar, ainda que correndo o risco de parecer pedante, o aut aut de Kierkegaard contra o et et. Ou se obedece a Satis cognitum de Leão XIII, a Mystici corporis de Pio XII, que estabelecem a eclesiologia tradicional ou se aceita o subsistit do Vaticano II. Não há aqui et et.

Concluo, pois, estas breves considerações dizendo que, salvo o caso de um debate desenvolvido conforme o método escolástico em que a verdade, quando não convence vence, as assembleias que reúnem facções opostas não são feitas para conciliar mas simplesmente para legalizar o desacordo. Isto será possível se a prática pastoral de Francisco I se aplicar às relações entre Ecône e o Vaticano.

Deus une, o diabo reúne.

Anápolis, 29 de fevereiro de 2016.