Não percamos a oportunidade

Postado em 19-12-2018

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Parece que, infelizmente, há muitos brasileiros, sobretudo entre os católicos, que ainda não se deram conta do momento favorável que vivemos no Brasil hoje. Quando digo momento favorável, não me refiro apenas à esperança bem fundada de que a nossa economia melhore a partir do próximo ano graças às reformas que a nova equipe econômica deve realizar, mas ao clima espiritual que se introduziu na sociedade brasileira e vem se consolidando após a vitória do Bolsonaro. Esse clima espiritual representa, com efeito, um vasto campo para um trabalho de apostolado e de formação doutrinária para debelar de vez, do seio da nossa sociedade, o veneno da mentalidade revolucionária.

A meu ver, chegou a hora de esclarecer uma grande parcela da opinião pública, que nas últimas eleições manifestou não só um descontentamento com a malversação do dinheiro público e o descalabro econômico da era petista mas também uma simpatia pelo discurso conservador sobre os valores morais da religião, da família e da pátria, um apreço por toda a tradição; chegou a hora de esclarecê-la sobre o grande embuste da democracia moderna com tudo que esta tem de ruim: o igualitarismo, a libertinagem, o sufrágio universal, o individualismo, a soberania popular etc.

Chegou a hora dizer claramente que a democracia é o vestíbulo do inferno e os profissionais da grande mídia são quase todos diabos diplomados, conforme aquela figura do velho diabo criada por C. S. Lewis em sua obra As cartas do coisa ruim. Imagina Lewis um velho diabo, bem astuto, paraninfando uma turma de novos diabos, concluintes do curso de tentador, prestes a partir pelo mundo afora para enredar os homens. E diz o velho diabo em seu discurso: “Democracia é a palavra com a qual segurais os homens pelo nariz. O bom serviço, já realizado pelos nossos peritos filólogos na corrupção da linguagem humana, torna desnecessário advertir que jamais deveis ajudar a criatura humana a obter dessa palavra um significado claro e definitivo.”

Por essa alegoria de Lewis vê-se claramente que a democracia moderna é o reino da mentira, o regime do Pai da Mentira, e os jornalistas que a vivem exaltando como o único regime compatível com a dignidade humana na verdade são diabos diplomados pelo velho Diabo e estão a seu serviço para infelicidade dos homens.

Todo o discurso em defesa da democracia, a pretexto de combater regimes totalitários desumanos, na realidade só tem promovido a difusão do erro, como a corrupção dos costumes, o desprestígio da autoridade e o igualitarismo, a tal ponto que hoje desapareceu  o respeito devido à autoridade paterna. Hoje em dia os pais não conseguem mais impor aos seus filhos a disciplina necessária para a vida doméstica e um professor não pode sequer corrigir um erro gramatical cometido por seu aluno porque não se admite mais que a linguagem do professor seja mais escorreita que a do seu aluno. Não se aceita nenhuma forma de superioridade. Cria-se uma mentalidade de ignorância orgulhosa e invejosa. E tudo isto decorre, é claro, do sufrágio universal igualitário. Eu mesmo tive uma vez uma oportunidade de ouvir um soberbo ignorante expressar sua satisfação invejosa porque tanto os ricos quanto os pobres, tanto os inteligentes quanto os burros, na hora da morte e na hora do voto  valem a mesma coisa! Quer dizer, o imbecil não temia o juízo de Deus e muito menos tinha consciência do que significa concorrer para os destinos da nação por meio de um voto.

Mas graças a Deus parece que a parte ainda sã da sociedade brasileira está despertando e reagindo. Aqueles que viviam numa letargia foram obrigados a acordar para a realidade nas últimas eleições. Observou-se que  muitas famílias que só estavam apreensivas com a crise econômica e com a corrupção tomaram consciência de que o problema do Brasil é de outra ordem, é um confronto com os inimigos de toda a tradição cristã das nossas raízes históricas.

Essa tomada de consciência de que ha um confronto com os inimigos da ordem social cristã tradicional está apenas começando. E são pessoas das mais diversas condições sociais que se aproximam de nós, ávidas por ouvir e aprender a verdade, ávidas por redescobrir uma grande tradição espiritual. Para ilustrar a realidade que vivemos hoje no Brasil, vale a pena compará-la com dois momentos históricos do século passado.

Em princípio do século passado havia na França uma juventude já um tanto farta do discurso positivista e cientificista, avesso a qualquer metafísica e hostil às virtudes militares. Raïssa Maritain retrata admiravelmente bem esse ambiente cultural em Grandes amizades. Muitos daqueles jovens franceses se interessaram pela filosofia de Bergson, que, a despeito de suas deficiências, já representava uma abertura para a metafísica, e começaram a querer servir a França no Exército. Foi quando, por assim dizer, redescobriram a grandeza espiritual da França católica. Um desses jovens, Ernest Psichari, neto do célebre escritor Renan, foi servir a França na Mauritânia. O contato com místicos muçulmanos, a consciência moral de que ele tinha de agir com toda a justiça naquela terra miserável de infiéis, foi o meio de que se serviu a Providência para ajudá-lo a voltar para a fé católica, para voltar a amar a verdadeira França, a França de São Luís, a França de Santa Joana d’Arc, a França que qualquer homem educado ama.

Outro momento histórico significativo ocorreu há quase quarenta anos atrás, durante a guerra do Afeganistão; houve então algo semelhante à presença do exército francês na Mauritânia. Os soldados russos, confrontados com um povo que vivia até recentemente sob um regime monárquico quase feudal, um povo profundamente apegado a sua fé e identidade nacional, redescobriram suas próprias tradições e valores religiosos espezinhados pelo comunismo.  Há quem diga que isto contribuiu muito para o fim da União Soviética. Que esta não teria ruído apenas em consequência da política armamentista de Ronald Reagan.

Como se vê, parece que a polarização da sociedade brasileira, a radicalização política provocada pelas últimas eleições, poderão ter um efeito benéfico. Mas dependerá do nosso trabalho de esclarecimento, de combate doutrinário, a produção de frutos duradouros. Na França, infelizmente, o momento oportuno vivido no começo do século passado não produziu frutos mais duradouros porque houve a estúpida condenação da Ação Francesa e não se aproveitou a instabilidade política gerada pela crise econômica de 1929 para dar um golpe de estado e derrubar a república como pretendia Charles Maurras.

Não percamos, pois, a oportunidade que a Providência nos oferece para trabalharmos para instaurar um regime de ordem. Para instaurar todas as coisas em Cristo na Terra de Santa Cruz.

 

Anápolis, 19 de dezembro de 2018.