O dogma e os fatos dogmáticos

Postado em 21-09-2021

O dogma e os fatos dogmáticos

Um exemplo frisante: o grande cisma do Ocidente com três papas contemporaneamente.

Infelizmente, por volta do fim do século XIV, depois de quarenta anos de “cativeiro” do Papado em Avinhão, houve o grande cisma do Ocidente que perturbou por quarenta anos a paz da Igreja a qual chegou assim a conhecer a coexistência de um Papa com um ou até dois antipapas.

Com efeito, depois do pontificado de Gregório XI (30 de dezembro de 1370 – 26 de março de 1378), foi eleito Urbano VI (8 de abril de 1378 – 15 de outubro de 1389), ao qual foi contraposto um antipapa: Clemente VII eleito por muitos cardeais franceses em Fondi próximo de Latina e Terracina e na metade do caminho da Via Apia, entre Roma e Nápoles, aos 20 de setembro de 1378. A esses dois sucedeu Bonifácio IX (2 de novembro de 1389 – 1º de outubro de 1404), que então foi reconhecido como único papa.

 

Dúvida histórica, certeza canônico-teológica

 

O eminente erudito alemão Francisco Xavier Funk escreveu que a) sob o aspecto histórico, não é certo e é ainda discutível, para o cristão individualmente, se o Papa validamente eleito foi Urbano VI (de obediência romana) ou Clemente VII (de obediência francesa). Segundo ele e muitos outros estudiosos, uma decisão histórica totalmente segura não seria possível para cada historiador; por isso que uma mínima incerteza permaneceria  ainda hoje.

 

São Vicente Ferrer contra Santa Catarina de Sena

 

Recorde-se ademais que o dominicano espanhol e grande eclesiólogo (1350-1419) alinhou-se ao lado de Clemente VII. Ele foi canonizado apena 36 anos depois da sua morte pelo Papa Calisto III, aos 3 de junho de 1455, em Roma, na igreja dos dominicanos de Santa Maria sobre Minerva, onde repousa o corpo de Santa Catarina de Sena.

São Vicente Ferrer, em 1380, quando era prior do convento dos dominicanos em Valença, escreveu também um tratado teológico-canônico ( De moderrno schismate) , de notável teor doutrinal, para demonstrar a validade da eleição de Clemente VII.

Ao passo que do lado de Urbano VI ficou a dominicana italiana Santa Catarina de Sena (1347-1380), da qual Pio XII dizia que foi “a maior mulher gerada pelo catolicismo”, canonizada também na basílica de Santa Maria sobre Minerva, mas depois de oitenta um anos da sua morte. aos 29 de junho de 1461, pelo Papa Pio II.

Todavia, historicamente é lícito a cada cristão estudar a questão para obter maiores luzes e consultar novos documentos, considerando-a ainda aberta e disputada; b) teologicamente, juridicamente ou canonicamente é certo (não de fé divina, mas de fé eclesiástica), para a Igreja, que o Papa validamente eleito é Urbano VI e não Clemente VII.

 

A eleição do Papa feita sob a ameaça de violência física

 

Historicamente é certo que Urbano VI foi eleito sob a ameaça do povo romano enfurecido, pelos cardeais reunidos em conclave no Vaticano.

Além disso, muitos cardeais, dado o seu modo de agir abertamente sanguinário (havendo feito matar vários cardeais que lhe tinham desobedecido), fugiram aterrorizados de Roma e refugiaram-se no Reino de Nápoles, declarando ( com um fundamento histórico não de todo inconsistente) a sua eleição inválida por isso que realizada sob violência e portanto não livremente; passando, pois, à eleição de outro pontífice na pessoa de Clemente VII (1342-1394); o qual, entretanto, é considerado pela Igreja canonicamente um antipapa.

Os cardeais reunidos em conclave, sob a pressão da massa violentamente agitada do povo romano, aos 8 de abril de 1378, elegeram (de maneira não livre de temor e portanto não canonicamente regular) papa, o arcebispo de Bari, Bartolomeu Prignano, natural de Nápoles, que tomou o nome de Urbano VI ( 1378 – 1389).

A sua eleição não tinha sido ainda anunciada quando a multidão enfurecida irrompe nas salas do conclave por temor de que, depois de quarenta anos do cativeiro de Avinhão, fosse eleito ainda outro francês. Os cardeais, na maior parte franceses, puseram-se em fuga, mas os romanos tranquilizaram-se pois que tinha sido eleito um italiano ainda que não nascido em Roma. Aqui também se pode notar facilmente como o desenrolar do conclave não foi o mais rigorosamente canônico e legal possível, mas a aceitação da eleição por parte da Igreja convalidou ou sanou in radice qualquer dúvida na Igreja e até na vida espiritual e sacramental dos cristãos.

No dia seguinte ( 9 de abril ) Urbano VI foi entronizado  e no dia 18 de abril foi coroado. Os cardeais assistiram à cerimônia de coroação e participaram na atividade pastoral do novo Papa.  De maneira que é pacífico que os cardeais o reconheceram como Papa: ainda que a eleição de 8 de abril tinha sido feita sob o temor de represália do povo romano e portanto em si mesma não livre das pressões violentas externas (1); todavia o procedimento sucessivo dos cardeais a reconhecia, a convalidava, a sanava e a interpretava praticamente como canonicamente válida.

Por isso, a eleição de Urbano VI, que historicamente, da parte do cristão em privado ou do estudioso pode ser considerada hipoteticamente “Papa dubius“, é considerada pela Igreja como canonicamente legítima (Papa indubitatus) e legítima foi reconhecida a sucessão romana dos papas que se sucederam a ele: Bonifácio IX (1389-1404), Inocêncio VII (1404-1406), Gregório XII (1406-1415). Enquanto a sucessão avinhoesa não é reconhecida como válida pelos cronistas oficiais, pelo que Clemente VII (1378-1394) e Bento XIII (1394-1423) são considerados pela Igreja oficialmente e canonicamente antipapas.

Infelizmente, Urbano VI procedeu com um rigor tão excessivo (2) para reprimir os abusos que então afligiam a Igreja que os cardeais franceses (junto aos quais sobretudo se havia introduzido o espírito do conciliarismo galicano, aos quais Santa Catarina chamava “demônios encarnados”) fugiram para Nápoles e dali excomungaram o Papa declarando-o deposto (3)

Era o início de uma série de erros que, a partir de um erro teológico ( superioridade do concílio sobre o Papa), levarão a uma situação catastrófica na Igreja (três papas contemporâneos, que presumem todos três ser o verdadeiro e único Vigário de Cristo).

Clemente VII estabeleceu a sua residência em Avinhão e abriu uma nova cúria formada por treze cardeais franceses. Assim, a cristandade dividiu-se em duas partes: a romana ou urbaniana contra a avinhoesa ou clementina.

O Papa Urbano VI respondeu excomungando o antipapa Clemente VII, de modo que “nominalmente toda a cristandade se achava excomungada!” (K. Bihlmeyer. o. c.)

Nascia assim o “Grande Cisma do Ocidente” que duraria quase trinta anos (1378-1417), após os primeiros quarenta anos do “cativeiro de Avinhão”)

 

Os fatos dogmáticos e os dogmas revelados

 

Com efeito, a sã teologia católica ensina que há alguns fatos ( por exemplo, a legitimidade e a validade de um pontificado ou de um concílio ecumênico), os quais, a despeito de não serem objetos da Revelação divina direta, ou seja não sendo um dogma divinamente revelado – como, por exemplo, a natividade de Jesus em Belém (Mt. II, 1; Lc. II, 4 e 7) – todavia,  estão conexos estreitamente com o dogma revelado (cf. Enciclopedia Cattolica, Città del Vaticano, 1950, voce “fatti dogmatici”).

Em poucas palavras, “O objeto primeiro e especialíssimo da proclamação da doutrina da Igreja (cf. DB 1800) são as verdades e os fatos imediatamente revelados ( por ex., a Trindade e a Natividade do Verbo em Belém). Todavia, o magistério infalível estende-se também a todas aquelas verdades e àqueles fatos que são uma dedução da doutrina revelada ou um pressuposto da mesma (objeto secundário da infalibilidade). Ora, essas verdades e esses fatos, embora não sendo diretamente e formalmente revelados, contudo, estão de tal maneira conexos com a Revelação, que negá-los comprometeria a própria Revelação (DB 1836-1839). Por isso, essas verdades, teologicamente definem-se como verdades católicas ou doutrinas da Igreja (ou verdades “de fé eclesiástica”), para distingui-las das verdades ou doutrinas divinamente reveladas, isto é, o dogma divinamente revelado ou definido pela Igreja ( ou seja, a verdade “de fé divina e católica”). Os fatos dogmáticos, ademais, são os fatos históricos não revelados diretamente, mas estreitamente conexos com a Revelação divina e com uma verdade divinamente revelada, por exemplo, a legitimidade de um Papa ou de um concílio ecumênico. (…). Ora, se a Igreja pudesse errar no seu juízo sobre esses fatos ou verdades, que são indiretamente conexos com a Revelação, disso decorreriam conseqüências inconciliáveis com a sua instituição divina e com a sua santidade” (L. Otti, Compêndio de Teologia Dogmática, Turim, 1969).

 

Exemplos históricos concretos

 

Para dar um exemplo concreto, não é um fato revelado diretamente por Deus que, depois da abdicação do Papa São Celestino V (4) (29 de agosto-13 de dezembro de 1294) (5), Bonifácio VIII (1294-1303) foi o Sumo Pontífice legítimo; todavia, o seu ser Papa é um fato conexo estreitamente com o dogma revelado e, por isso, é infalivelmente certo que Bonifácio foi Papa; pois que esse fato ( a sua eleição canônica ao Sumo Pontificado exercido validamente) é requerido teologicamente para a formulação, a defesa e a aplicação de um dogma revelado e definido: “A Igreja foi fundada por Jesus Cristo sobre Pedro e os seus sucessores (os Papas), os quais são o fundamento e os pastores ou  seus chefes universais”; pelo que deste princípio dogmático, diretamente revelado (de fé divino-católica) resulta o fato dogmático ou de “fé eclesiástica” (conexo indiretamente com a Revelação divina direta e formal) que o Papa reinante e aceito de maneira moralmente (não matematicamente) unânime (6) pela Igreja hierárquica docente (dos pastores ou ensinantes) e discente (dos simples fiéis ou ensinada) é realmente Papa; com efeito, se não fosse assim, decorreriam enormes conseqüências teológicas e doutrinais, que anulariam praticamente e indiretamente o dogma do primado de Pedro e da apostolicidade da Igreja: eis porque de um princípio dogmático segue infalivelmente um fato dogmático, que é indispensável para ilustrar o princípio, concretizá-lo na prática e fazê-lo viver pelos cristãos.

Em suma, ao longo da história da Igreja, cumpre, não só anunciar o dogma revelado diretamente como uma verdade de fé divina, mas outrossim a) explicá-lo, aprofundá-lo, defendê-lo contra os que o negam ou o contestam e, enfim, b) aplicá-lo aos casos concretos como uma verdade de fé católica; por exemplo, o papa Urbano VI (1378-1389) que foi eleito aos 7 de abril de 1378, sob certa pressão popular exercida sobre os cardeais reunidos em conclave, ou Alexandre VI (1492-1503) que comprou, aos 11 de agosto de 1492, de maneira simoníaca (portanto hereticamente atéia e, conseqüentemente, com uma excomunhão) a eleição ao Sumo Pontificado, foi verdadeiramente Papa ou só aparentemente?(7) Ou ainda, São Pio X (1903-1914), o qual substituiu no conclave ao cardeal Mariano Rampolla  del Tindaro (1843-1913), que estava para ser eleito (2 de agosto de 1903) mas recebeu o veto da parte do imperador da Áustria, porque considerado anti-austríaco; foi eleito validamente Papa? Ou ainda João XXIII (1958-1963), que substituiu ao cardeal Giuseppe Siri (1906-1989), o qual teve de renunciar à eleição já realizada da parte do colégio cardinalício (8), porque quase a outra metade dos cardeais ameaçava um cisma, caso fosse eleito Papa o arcebispo de Gênova, considerado muito tradicionalista (Benny Lay, Il Papa non eletto: Giuseppe Siri, cardinale di Santa Romana Chiesa, Roma-Bari, Laterza, 1993); foi realmente Papa?

Se esses não fossem “verdadeiros” Papas ( fato dogmático e juízo histórico), o que não significa “bons” Papas ( juízo de valor [9]), que fim teria tido o dogma da Apostolicidade da Igreja; ou seja a sucessão ininterrupta de um Papa depois de outro a partir de São Pedro até o fim do mundo?

 

O ensinamento de Dom Bosco (1855)

 

Dom Bosco, com o seu estilo de síntese e de profundidade teológica, escrevia: “Jesus, antes de subir ao céu, fundou uma sociedade de fiéis, os quais deveriam professar a doutrina do Evangelho, sob o governo de um chefe por Ele estabelecido, que é São Pedro com os papas, como seus sucessores. […]. Isto quer dizer que Pedro é na Igreja o que na casa são os fundamentos. Ora, pode subsistir uma casa sem fundamento? Não: uma casa sem fundamento desmorona; assim uma Igreja que não tenha Pedro e seus sucessores por chefe é uma casa sem fundamento, que não pode não desmoronar” (São João Bosco, Maniera facile d’imparare la Storia Sacra ad uso del popolo cristiano, Turim, 1855, cap. XXVI).

No capítulo XXX, O governo da Igreja de Jesus Cristo, São João Bosco escrevia: “Quando Jesus subiu ao céu confiou o governo da sua Igreja aos apóstolos. Ele estabeleceu Pedro chefe dos apóstolos, seu vigário na terra no governo da sua Igreja e como tal, pelos apóstolos, reconhecido. […]. Aos apóstolos sucederam os bispos no sagrado ministério. A São Pedro sucederam os Papas. Depois dos apóstolos governaram e governarão sempre a Igreja os Papas e os bispos”.

Enfim, no capítulo XXXI, Características da Igreja de Jesus Cristo, especificava: “A principal característica da Igreja de Jesus Cristo é a sua visibilidade, que a deve fazer reconhecer, em todas as épocas, em meio a todas as sociedades que se vangloriam de ser cristãs. […] Jesus Cristo no Evangelho compara a Igreja a um monte, a uma eira, a uma casa, a um campo, a uma grande coluna, a uma cidade bem fortificada, todas coisas visibilíssimas. […]. Não pode haver mais Igrejas, porque Jesus Cristo fundou uma só. […]. A unidade da Igreja consiste na unidade dos pastores, ou seja os bispos estão unidos ao Papa e entre si. […]. A Igreja está dispersa por todo o mundo e deve durar até o fim dos séculos. […]. A Igreja foi sempre governada pelos sucessores dos apóstolos e de Pedro, sem interrupção e o deverá ser até o fim do mundo.[…]. Estas características convêm só à Igreja Romana. […] Enfim, São Jerônimo ensina que, como aqueles que não se acharam na arca de Noé pereceram, durante o dilúvio universal, assim também aqueles que querem viver fora da Igreja católica, perder-se-ão por toda a eternidade”.

 

De Pio IX a Pio XII

 

O que foi escrito por Dom Bosco em 1855 foi, depois, definido como dogma de fé divino-revelada, pelo Concílio Vaticano I em  1870; ora, essas verdades de fé, contidas na Revelação (Novo Testamento e Tradição apostólico-patrística) e definidas pela Igreja (Pio IX, Concílio Vaticano I, Constituição Dogmática Pastor Aeternus; São Pio X, encíclica Pascendi, 8 de setembro de 1907; decreto Lammentabili, de 3 de julho de 1907; motu proprio Sacrorum antistitum, de 1º de setembro de 1910; Pio XII, encíclica Mystici corporis, de 29 de junho de 1943) nos iluminam e devem ajudar-nos a não perder a via direita na situação hodierna como igualmente em cada situação análoga, que se viveu na Igreja (recorde-se a crise ariana do século IV, no século “tenebroso”, século X e no grande cisma do Ocidente no século XIV).

 

o Catecismo Maior de São Pio X (1905)

 

Esta mesma doutrina sobre a Igreja de Cristo acha-se explanada e compendiada de maneira profunda, precisa, simples e, sobretudo, magisterial ou oficial no Catecismo da Doutrina Cristã dito comumente Catecismo Maior, promulgado por São Pio X, aos 14 de junho de 1905.

O Papa Sarto escrevia: “Os legítimos pastores da Igreja são o Romano Pontífice, isto é, o Papa, que é o Pastor universal e os bispos [Pastores em suas dioceses particulares, ndr]. Além disso, sob a a dependência dos bispos e do Papa, têm parte no ofício de pastores os sacerdotes e especialmente os párocos [pastores na parte deles ou porção da diocese que se chama paróquia, ndr]. […]. Todos os que não reconhecem o Romano Pontífice [como vigário de Cristo, chefe e fundamento da Igreja, ndr] por seu chefe não pertencem à Igreja de Jesus Cristo. […]. A verdadeira Igreja se chama apostólica, porque remonta sem interrupção até aos apóstolos […] e porque é guiada e governada pelos seus legítimos sucessores [os bispos, ndr]. […]. A verdadeira Igreja se chama também romana, porque as quatro notas da unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade se encontram só na Igreja que reconhece por chefe o bispo de Roma, sucessor de São Pedro. […]. O corpo da Igreja consiste naquilo que ele tem de exterior e de visível. […]. Fora da Igreja católica, apostólica e romana ninguém pode salvar-se. […] A Igreja é infalível nas suas definições. […]. A Igreja docente compõe-se de todos os bispos que se acham dispersos, seja que se achem congregados em concílio. […]. A autoridade de ensinar na Igreja têm-na o Papa e os bispos e, sob a dependência deles, os outros sagrados ministros. […]. O Papa não pode errar, ou seja é infalível nas definições que concernem à fé e aos costumes. […]. O Papa é infalível só quando na sua qualidade de Pastor supremo e Mestre de todos os cristãos, em virtude da sua suprema autoridade apostólica, define uma doutrina em torno da fé e dos costumes que deve ser recebida [obrigatoriamente, ndr] por toda a Igreja” ( Prima parte, cap. X § 1-4, nn. 152, 154, 161, 162, 165, 169, 176, 185, 197, 199).

Em suma, em todas as circunstâncias em que o erro não é propugnado por heréticos que saem oficialmente da Igreja, mas por infiltrados que se escondem em seu seio e a dividem por dentro ( arianos, jansenistas, modernistas, neomodernistas…); em que não é fácil discernir onde se acha a autoridade e onde não, quando obedecer e quando não, cumpre recorrer a esses princípios, mantendo firme o dogma, mas sem exagerá-lo por excesso (legalismo rigorístico) ou diminui-lo por defeito (modernismo anarquista).

Portanto, é necessário manter firme o princípio segundo o qual a) na Igreja deve haver um Papa em ato, o qual seja  o fundamento dela; de outro modo a Igreja desmoronaria; não basta um fundamento puramente virtual ou material…

(Continua – tradução de SI SI NO NO)

 

 

Notas:

1) Em teologia moral estuda-se que certas ações jurídicas (por exemplo, no nosso caso uma eleição) tornam-se inválidas se são realizadas sob o impulso de um grave temor; ou se tornam anuláveis sob em virtude da requisição daqueles que sofreram a intimidação (por exemplo, os cardeais reunidos em conclave).

2) “Santa Catarina não deixou de advertir o Papa neste sentido” (cf.  K. Bihlmeyer – Storia della Chiesa, Morceliana, 1983)

3) São Vicente Ferrer, ao contrário, alinhou-se com tanto zelo e vigor por Clemente VII e depois por Bento XIII, que a Igreja, canonicamente, teria considerado antipapas e chamava o Papa romano Urbano VI que foi reconhecido, canonicamente, pela Igreja como verdadeiro Papa “seduzido pelo demônio herético” (cf. K. Bihlmeyer o.c.) É muito difícil ver claro a meia noite…

4) A canonização de Celestino V, aos 5 de maio de 1333, foi fortemente querida do rei francês Filipe IV dito o Belo (1285-1314) e canonicamente acelerada pelo Papa Clemente V (1305-1314) que pontificava, em total dependência da coroa da França, em forte contraposição com a política e a doutrina do Papa Bonifácio VIII (1294-1303): “A causa de canonização de Celestino V teve um iter rápido, também pela pressão exercida pelo partido adversário de Bonifácio VIII” ( Bibliotheca Sanctorum, Roma, Città Nuova, 1962). Todavia, “Clemente V não canonizou Celestino como mártir de Bonifácio VIII, como teria desejado Filipe o Belo, mas como confessor da fé” (cf. John Kelly, Gran Dizionario Illustrato dei Papi, Piemme, 1989). Ora, foi justamente a canonização de Celestino V que fez reconhecer, implicitamente, que Bonifácio VIII tinha sido eleito validamente e que a abdicação de Celestino V foi livre e canonicamente correta; de fato,  como Clemente V na bula de canonização proclamou São Pedro  del Morrone e não Celestino V, isto significava que, segundo a Igreja, Celestino V tinha realmente abdicado, que se tinha tornado um simples monge eremita (Pedro do Monte Morrone di Sulmona) e que a eleição de Bonifácio VIII tinha sido válida: “A canonização de Pedro del Morrone ( e não de Celestino V ), em 1313, expressou implicitamente o reconhecimento da validade da sua renúncia ao Papado” ( Enciclopedia dei Papi, Roma, Instituto della Enciclopedia Italiana, 2000). Em um próximo artigo voltarei a este tema específico, que na prática nos mostra a) como um Papa dúbio possa, pois, tornar-se indubius para a Igreja por causa  da sua aceitação por parte da sua hierarquia e dos seus  fiéis ut in pluribus; b) como nas canonizações – também antes da crise modernista e do Vaticano II – nem sempre se procedeu da maneira mais correta. Portanto, a opinião de alguns teólogos ( Mons. Brunero Gherardini, Pe. Ols …) sobre a não infalibilidade da Igreja nas canonizações não me parece de todo peregrina. Por isso, não nos devem causar espanto as canonizações de João XXIII, Paulo VI e João Paulo II, as quais foram impulsionadas ( para a beatificação já por Bento XVI e por João Paulo II) pelo Papa Francisco em vista de uma sorte de “canonização” do concílio Vaticano II.

5) Sob o aspecto histórico e jurídico/canônico, alguns peritos ainda hoje estão estudando (hipoteticamente e historicamente) se a abdicação do Papa Celestino V, à época (13 de dezembro de 1294) foi legítima e espontânea ou foi forçada e ilegítima: “A renúncia ou abdicação de Celestino V, tão discutida à época como ainda hoje” ( Enciclopedia dei Papiou também se a eleição de Urbano VI ocorreu validamente.

6) A unanimidade é matemática ou absoluta quando absolutamente todos, nenhum excluído, estão de acordo; enquanto é moral quando só a maior parte se acha de acordo.

7) Por exemplo, frei Savonarola (1452-1498) o negava explicitamente, mas quis recorrer a um concílio ecumênico contra o Papa Alexandre VI para fazê-lo declarar herético e depô-lo. Por isso, foi condenado porque negava o primado do Papa sobre o episcopado, verdade que era divinamente revelada mas não ainda definida pela Igreja, como ocorreu por ocasião do Concílio Vaticano I em 1870. Ademais, era ensinada comumente pelos teólogos, sobretudo pelos tomistas, mas não tinha sido definida de maneira solene. Por conseguinte, tratava-se de uma verdade de fé divina, isto é revelada, embora não fosse ainda definida e a sua negação era igualmente herética.

8) Como ele mesmo revelou, na forma de gravação eletrônica, ao jornalista vaticanista Benny Lay, em 1987, sob a condição de que fosse tornado público só após a sua morte (2 de maio de 1989).

9) Padre Innocenzo Colosio ( 1910-1997) escrevia: “Um “papa bom” não é necessariamente um “bom papa””. Ele punha em dúvida, na revista de ascética e mística e na “Palestra del Clero”, a bondade do pontificado de João XXIII, aduzindo para tanto as provas, tendo sido nomeado “advogado do diabo” na abertura do processo para declarar “Servo de Deus” papa Roncalli, onde chegar a nomeá-lo “venerável” e conduzir depois ao processo de beatificação, concluído em 2000 e à sua canonização em 2014 (ano em que foram canonizados também Paulo VI e João Paulo II); mas padre Colosio não ousou jamais dizer que não fosse Papa legítimo e real.