Pacelli, Bergoglio e o cesarismo contemporâneo

Postado em 07-12-2013

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Francisco I continua muito festejado pela grande mídia mundial. No Brasil, a propósito do bispo de Roma, chamam atenção as recentes resenhas muito elogiosas de um livro a ser publicado em breve sobre suas atividades como provincial dos jesuitas em Buenos Aires em defesa dos perseguidos do regime militar que salvou a Argentina da desgraça de ser cubanizada. Diz-se que o padre Jorge Maria Bergoglio atuava mancomunado com o cardeal Arns para ajudar os subversivos a fugir dos órgãos de repressão da ordem política.

Não vem ao caso discutir aqui se houve exageros e violações das liberdades e garantias individuais durante a ditadura militar argentina. O que não se pode negar é que era um governo que cumpria um grave e doloroso dever de preservar a nação argentina de cair na escravidão de um regime totalitário comunista, completamente anticristão. Tampouco vale aqui a objeção de que aqueles que combatiam a ditadura militar não defendiam o comunismo, mas simplesmente queriam o restabelecimento do sistema democrático, porque naquele contexto histórico a ameaça à segurança e à ordem era real e não havia clima para eleições livres. Ademais, basta ver o desastre que ocorreu no Brasil e na Argentina após o fim da ditadura. Vivemos o absolutismo petista que se perpetuará no poder, por meio dessas cloacas democráticas que são as urnas.

O que me parece revoltante é uma injustiça cometida por alguns jornalistas  que se dizem católicos: nunca disseram uma palavra em defesa da verdade histórica e da honra de Pio XII, que atuou com coragem e prudência ajudando milhares de judeus inocentes a fugir dos tentáculos de um regime satânico (este sim) como o nacional-socialismo de Hitler. Não se diz nada em sua defesa porque era um papa de boa doutrina e anticomunista. Mas para festejar Francisco I não se poupam enpolgantes loas ao seu propósito de reforma da Igreja, de abertura à cultura secular e diálogo com todas as religiões etc.

Li um livrinho precioso La Iglesia en las encrucijadas de la historia, de Godefroid Kurth, (Santiago de Chile, 1942), que me tem feito refletir sobre a crise da Igreja. O referido filósofo da história mostra como a Igreja sempre venceu seus inimigos e obstáculos não se deixando jamais enredar pelas forças políticas e culturais dos sucessivos períodos históricos, a começar do próprio judaísmo. Diz ele que houve então o perigo de a Igreja circunscrever-se ao mundo hebreu: “Entre Israel reprobado, encerrado en su sinagoga, y el pueblo de Dios agrupado alrededor de la Iglesia, nada hay en común(…).Hé aqui por qué Israel era un obstáculo a la propagacion del Evangelio, por su pretensión a la hegemonia en el  Reino de Dios.” Depois, veio a tentação do Império Romano, depois, o feudalismo com a querela das investiduras, depois o cesarismo com Felipe o Belo e Bonifácio VIII e assim sucessivamente. E a Igreja sempre sofrendo mas triunfando ao descortinar o seu futuro, no cumprimento da missão que lhe confiou seu Divino Fundador.

Mas eis que chegamos ao drama dos nossos dias: a Igreja se deixa atrelar e enfeudar ao cesarismo democrático, laico, ateu, mundialista e maçônico da nova ordem mundial. Os famosos discursos de Paulo VI na ONU (última esperança de paz para a humanidade!) e no encerramento do concílio Vaticano II ( o culto do homem), a atual tergiversação (ou aceitação tácita?) diante da prepotência dos Estados em instituir uma legitimação das novas modalidades de família, tudo isto evidencia um esgotamento das energias da cristandade ante os desafios modernos e nos faz realmente pensar no que restará da Igreja nos últimos tempos. Com efeito, a Igreja sucumbe ao cesarismo democrático: o novo direito, o direito reduzido à vontade do homem (seja o rei absoluto ou o povo “soberano”) que os papas sempre fulminaram agora passa a ser bem visto, porque cada um tem a sua própria concepção de bem e de mal que deve ser respeitada e conciliada na sociedade democrática para que haja a paz!

O mais trágico, porém,é notar a Igreja atrelada a uma cultura fadada à morte por causa dos seus falsos princípios e erros. A missão da Igreja é denunciar e condenar tais erros e não ver simploriamente os “aspectos positivos” da modernidade.

Quão diferente o magistério do glorioso Papa Eugênio Pacelli, o imortal Pio XII! Em sua Carta Encíclica Summi Pontificatus (programa de seu abençoado reinado) proclama seu ideal de combater sob a bandeira de Cristo Rei; louva os pactos lateranenses que garantiram a incolumidade da Santa Sé (que então era, realmente, uma respeitada e gloriosa corte pontifícia); reafirma a autoridade da catedra de Pedro como depositária e mestra da doutrina sagrada; condena o direito moderno ( renegada a autoridade de Deus e o império da sua lei – diz Pio XII -, o poder civil tende a atribuir a si aquela absoluta autonomia que compete ao Autor Supremo); por fim, recorda a nobre prerrogativa e missão do Estado: “fiscalizar, auxiliar e ordenar as atividades particulares e individuais da vida nacional em vista do bem comum.”

Bossuet escreveu a história das variações do protestantismo. Romano Amério escreveu Iota Unum, historia das variações da Igreja no século XX. A conclusão não pode ser outra senão que a Igreja, desfigurada pelo liberalismo e um falso ecumenismo, sofre um processo de protestantização radical. Um livre exame se instala nos ambientes católicos. Pude testemunhar o que disse uma distinta senhora, antiga aluna do Colégio Sion dos anos trinta, ao comparar o que diz a Igreja hoje com o que dizia antigamente: cada papa disse o que quis! As consequências de tal percepção de uma perda de estabilidade e continuidade doutrinária da Igreja são desastrosas para a guarda da fé.

Vê-se hoje que as pessoas se consideram completamente autônomas, não querem mais dar satisfação a ninguém. Cada homem se considera um César! Tudo isto em grande medida por causa da abertura da Igreja ao mundo moderno.

Roguemos, pois, neste tempo do Advento, em que  nos preparamos para a Solenidade do Natal, a graça de meditar sobre a morte, sobre o juízo e sobre a infelicidade do homem sem Deus.

Anápolis, 7 de dezembro de 2013

Santo Ambrósio, bispo e doutor

Vigília da Imaculada Conceição