Putin e a decadência do Ocidente

Postado em 05-06-2014

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Parece-me muito estranha e injustificada a crítica feita por alguns setores da direita liberal conservadora do Ocidente – sobretudo por aqueles grupos  que, apesar de se dizerem católicos, estão ligados às facções da maçonaria anglo-saxônica incrustadas no partido republicano dos EUA – contra as leis moralizantes sancionadas pelo presidente da Rússia com o intuito de proteger os valores familiares e religiosos do povo russo.

Tais grupos da direita liberal tentam lançar o descrédito sobre as medidas moralizadoras,chamando-as de “moral estatal” e taxando-as de hipocrisia ou pura estratégia política para captar a benevolência de amplas correntes da opinião pública do Ocidente, como se a Rússia ainda fosse um estado comunista em clima de guerra fria com os EUA. Como se ainda houvesse uma luta entre  regimes econômicos diferentes, o socialista e o capitalista. O que há hoje, com exceção de Cuba e Coréia do Norte, é um capitalismo universal disputando os mercados. De modo que aquelas pessoas que se opõem à Rússia hoje não estão defendendo o Ocidente contra uma ameaça de um regime totalitário comunista soviético, estão, sim, defendendo os interesses (nem sempre honestos) dos EUA ou tentando daí, talvez, obter alguma vantagem.

Seria muito desejável que tais pessoas demonstrassem maior empenho em denunciar e combater as mazelas da democracia liberal secular que solapa todas as instituições tradicionais da antiga civilização ocidental. Seria muito desejável que reconhecessem que hoje o Ocidente está muito mais envenenado pelo vírus do marxismo do que a própria antiga União Soviética. Com efeito, a história provou que o regime econômico socialista é completamente inviável, leva à miséria, de tal sorte que os próprios marxistas hoje adotam o regime econômico liberal e se limitam a fomentar a revolução cultural, pela propagação de todo tipo de vício e imoralidade, como a liberação das drogas, ideologia do gênero, destruição da família, da Igreja etc.

Putin demonstra ser um homem enérgico, de personalidade, corajoso, decidido. E tem toda razão em reprimir os profanadores dos templos da Igreja Ortodoxa Russa e os propagadores da revolução sexual. E o que é mais admirável é que tem o apoio de 80% da população em sua cruzada em defesa dos valores tradicionais. Assiste razão igualmente a Putin no ato de anexação da Criméia após a realização de plebiscito em que a maioria da população votou livremente  a favor da união com a Rússia. A ONU e seus acólitos não vivem por aí propalando o denominado princípio da autodeterminação dos povos? E se amanhã a Irlanda do Norte se separasse da Grã-Bretanha, que mal haveria?

Parece-me ridículo ficar criticando e denegrindo a Igreja Ortodoxa Russa em nossos dias pela recordação de delitos cometidos no passado, quando muitos dos hierarcas colaboraram com o stalinismo. Parece-me outrossim descabido dizer que hoje é desejável que os  russos se submetam ao bispo de Roma, quando este quer que os ortodoxos lhe ensinem a “sinodalidade”. Tomara que lhe  dessem umas aulas sobre a sacralidade da liturgia! Efetivamente, quem é quem no mundo religioso de nossos dias? Quem é cismático? Quem é herege? A confusão é geral.

Não procede a crítica à política de Putin em defesa dos valores morais. É um sofisma qualificá-la de “moral estatal”. A propósito, há duas coisas a serem recordadas. Por um lado, a lição do velho Aristóteles na sua Política que diz que a função do estado é promover a vida virtuosa. Ora, as democracias modernas nascidas da Revolução Francesa não têm nenhuma preocupação com tal fim da política. Só desenvolvem aquela arenga horrorosa da liberdade e da igualdade. Liberdade sem lei e igualdade sem a justiça que considere os méritos e deméritos dos indivíduos. Por outro lado, cumpre citar o que diz São Tomás na Suma Teológica na questão 96, a. 2 da Iª IIªe. Aí o santo doutor pergunta  se compete à lei humana proibir todos os vícios e diz que não, porque a lei se impõe à multidão dos homens, a maioria dos quais são homens que vivem uma vida sem virtude. E por isso, a lei não deve coibir todos os vícios, dos quais se abstêm os virtuosos, mas somente os vícios mais graves, sem cuja proibição a ordem social não se poderia manter. Outra questão da Suma Teológica que lança uma grande luz sobre o assunto que nos ocupa é a questão 10 da IIª IIªe., a. 11, referente à tolerância dos cultos dos infiéis. Aí o Aquinate demonstra grande sabedoria e prudência, dizendo que o regime humano deve imitar o regime divino. Ora, Deus, sendo onipotente, permite, entretanto, muitos males no mundo, que poderia proibir, a fim de que não ocorra que, eliminados tais males, outros bens maiores  sejam abolidos ou  sobrevenham outros males ainda mais graves. E cita Santo Agostinho que diz que da supressão do meretrício resultaria que toda a sociedade se transformaria num grande  lupanar. E diz ainda que a meretriz não está obrigada a restituir o dinheiro que recebe, pois, ainda que a causa seja ilícita, não é ilícita a doação que recebe (IIª IIªe. q. 62. a. 5 ).

O Ocidente, com o feminismo, repele tal sabedoria do santo doutor e sofre as consequências. Putin, a meu ver, não intenta uma moral estatal. Provavelmente sem o saber, aplica em sua pátria as lições do bem senso formuladas em princípios filosóficos por Aristóteles, Santo Agostinho e Santo Tomás. Não há sociedade que possa subsistir sem a Igreja e a família respeitadas. O discurso demagógico dos direitos humanos, que obscurece a inteligência das lideranças políticas e religiosas do Ocidente, nos conduz à ruína. Sem uma concepção sacral da ordem moral não há verdadeira civilização. Se não houver uma verdadeira reforma moral e intelectual das lideranças do Ocidente, assistiremos dentro de poucos anos ao fim de toda nossa sociedade.

Ademais, o direito não é uma realidade distinta da moral, mas uma parte da moral. É a própria moral dotada de sanção por decisão do legislador, como bem o mostrou em suas lições o filósofo brasileiro Raimundo Farias Brito.

Oxalá neste mês de junho, consagrado ao Sagrado Coração de Jesus, alcançássemos a graça de vir a ter em todas as nações da antiga cristandade governantes conscientes do seu dever sagrado de defender a religião, a família, enfim, todos os valores da civilização e não apenas dedicados a promover o consumismo ou o aumento do PIB.

Anápolis, 5 de junho de 2014

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