Segunda Carta aberta ao Santo Padre

Postado em 28-06-2010

Beatíssimo Padre.

Há mais de um ano dirigi-me a Vossa Santidade para expressar-lhe meu apoio diante dos ataques desfechados contra sua augusta pessoa por haver praticado um ato de justiça ao anular o decreto de excomunhão contra os quatro bispos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X.

Agora dirijo-me com o propósito de encorajar Vossa Santidade a continuar sua obra iniciada apesar de toda ira e sanha que se levantam contra Vossa Santidade por parte dos inimigos da Igreja (internos e externos). Estão furibundos porque percebem que Vossa Santidade,  pouco a pouco, repõe a Igreja em seu devido lugar.

Permito-me, com todo respeito, compartilhar com Vossa Santidade algumas idéias que me acodem à mente diante de fatos recentes.

Em primeiro lugar, desejaria dizer a Vossa Santidade que estive em Roma em maio último (quando rezei especialmente por Vossa Santidade na Basílica de São Pedro) e ouvi de um prelado digno do maior respeito e confiança que os rumores sobre as conversações doutrinais entre a Santa Sé e a Fraternidade Sacerdotal São Pio X são positivos, mas, ao que parece, Vossa Santidade não tem a intenção de pronunciar-se a respeito. Porque uma palavra de Vossa Santidade iria agravar a divisão  da Igreja. Vossa Santidade, disse-me o prelado, espera que se encontre uma saída honrosa para ambas as partes. Devo dizer-lhe que isto me parece muito dificultoso.

Mas sendo assim as coisas, é necessário aplicar um remédio para sarar uma ferida que gangrena a Igreja. Refiro-me à arbitrária supressão canônica da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, levada a efeito de forma ilegal, draconiana, à maneira como Stalin pôs fim às repúblicas bálticas.

Se as conversações entre a Santa Sé e a Fraternidade correm o risco de não se concluir com uma palavra do Papa que esclareça os problemas do Vaticano II (como, aliás, deseja o eminente teólogo Brunero Gherardini em sua importante obra Vaticano II, um disurso da fare), é necessário que ao menos a Santa Sé repare aquela tremenda injustiça cometida contra Mons. Lefebvre, sua obra e milhares de católicos apegados à tradição. Com efeito, sua obra foi brutalmente posta na ilegalidade porque ele dizia o que Vossa Santidade diversas vezes disse. Ele criticava a missa nova. Vossa Santidade também apóia uma crítica severa à reforma litúrgica, tal como no prefácio ao livro de Mons. Gamber, o qual disse que a reforma de Paulo VI foi mais radical que a de Lutero! Ele dizia que a missa tradicional jamais poderia ser abolida. Vossa Santidade disse a mesma coisa por ocasião do motu proprio.

Por outro lado, Vossa Santidade com freqüência enaltece a memória de seu predecessor João Paulo II, o qual ,devo dizer-lhe, teve diversas atitudes que me parecem chocantes e pasmosas como, por exemplo, o encontro de Assis, o beijo do Corão etc, etc. Pois bem. Uma das atitudes chocantes de João Paulo II foi quando no jubileu do ano 2000 pediu perdão público pelos pecados e erros cometidos pela Igreja ao longo de sua história. Um anacronismo censurado por intelectuais católicos respeitadíssimos como Paul Johnson (Quando Deus pedirá perdão por haver destruído Sodoma?, escreveu ele então) e por Romano Amério emStat Veritas.

Se João Paulo II pediu tal perdão, porque não pedir perdão agora aos tradicionalistas da Fraternidade São Pio X por haver cometido contra eles uma abuso de poder ao decretar  extinção canônica da Fraternidade e restituir-lhes o estatuto jurídico que lhes compete conforme o melhor direito?

Ademais, desejaria dizer a Vossa Santidade que não me parece coerente um discurso que admite uma crítica à reforma litúrgica e ao mesmo tempo isenta o Vaticano II do desastre que vivemos na Igreja em todos os campos. Lex orandi, Lex credendi. O cardeal Benelli disse uma vez que a missa tradicional jamais poderia ser restabelecida na Igreja porque correspondia a uma eclesiologia ultrapassada. Agradeço-lhe a sinceridade mas não lhe perdôo a heresia.

Pelas palavras do cardeal, fica demonstrado que o Vaticano II tem seus problemas. A reforma litúrgica com todas suas ambigüidades não nasceu do nada. Ela expressa uma nova teologia. De onde?

Santo Padre, coragem! Santo Padre, fale! São Pedro condenou à morte Ananias e Safira por haver fraudado a comunidade dos primeiros cristãos. Santidade, exerça sua autoridade: faça que a terra engula também os fraudadores, não de bens materiais, mas da doutrina sagrada, esses hereges que se recusam a obedecer-lhe não corrigindo, por exemplo, a forma da consagração do cálice na santa missa, conforme ordenado por Vossa Santidade há alguns anos já.

Para nossa tranqüilidade, Vossa Santidade tem reiteradas vezes condenado o relativismo hodierno. Mas devo dizer-lhe que, não obstante o discurso de Vossa Santidade, o ecumenismo e  o dialogo inter-religioso hoje praticados favorecem sobremaneira um clima de relativismo e indiferentismo em toda sociedade. Bispos e padres com a maior desfaçatez, dizendo-se acobertados por Vossa Santidade, promovem as mais escandalosas cerimônias em que se realiza abominável communicatio in sacris. O mal causado às almas é enorme, incalculável. Hoje, a quase totalidade dos católicos acha que todas as religiões são boas; que é uma discriminação e intolerância dizer que a única religião verdadeira é a Igreja Católica.

Por derradeiro, Santo Padre, como um filho que confia em seu pai, quero dizer-lhe que uma das coisas mais tristes que vivemos na Igreja hoje é a falta de amor à verdade. Ama-se tudo menos a verdade. Ama-se o poder, amam-se as vantagens materiais, cargos, prebendas, prestigio, adulam-se os poderosos, mas não se ama a verdade. Ama-se um falso amor pentecostal, mas não se ama a verdade. O dístico de Vossa Santidade, Cooperatores Veritatis, representa para mim um consolo.

Não sei o que me custará esta carta. Talvez nada, talvez passe despercebida. Talvez me custe a cabeça, como a meu santo e venerado patrono São João Batista. Mas cumpro meu dever de consciência. Não suporto ver a injustiça que se cometeu contra Mons. Lefebvre, o bispo que preservou minha fé no deserto da Igreja pós-conciliar.

Rogando a bênção de Vossa Santidade, asseguro-lhe minhas orações.

Cor Mariae Immaculatum, spes nostra esto.

 

Padre João Batista de Almeida Prado Ferraz Costa

Anápolis, 28 de junho de 2010

Vigília de São Pedro e São Paulo