Art. 2 — Se o temor é uma paixão especial.

O segundo discute-se assim. — Parece que o temor não é uma paixão especial.

1. — Pois, diz Agostinho: a quem o medo não desanima, nem a cobiça perturba, nem a agrura, i. é, a tristeza macera, nem a agita a alvoroçada e vã alegria1. Por onde se vê que, removido o temor, removidas ficam todas as demais paixões. Logo, não é uma paixão especial, mas, geral.

2. Demais — O Filósofo diz, que a busca e a aversão desempenham, no apetite, o mesmo papel que, no intelecto, a afirmação e a negação2. Ora, a negação e a afirmação não são atividades especiais do intelecto, mas podem se referir a muitas coisas. Logo, o mesmo se dá com a aversão, no apetite. Ora, o temor não é senão um afastamento do mal. Logo, não é uma paixão especial.

3. Demais — Se o temor fosse uma paixão especial, teria a sua sede principalmente no irascível. Ora, ele também existe no concupiscível. Pois, como diz o Filósofo, o temor é uma tristeza3; e Damasceno afirma, que o temor é uma virtude desiderativa4. Ora, a tristeza e o desejo existem no concupiscível, como já dissemos5. Logo, não é uma paixão especial, desde que pertence a diversas potências.

Mas, em contrário, o temor entra na divisão geral das paixões, como se vê em Damasceno6.

SOLUÇÃO. — As paixões da alma se especificam pelos seus objetos. E portanto, paixão especial é a que tem um objeto especial. Ora, tanto o temor como a esperança estão nestas condições. Pois, assim como o objeto desta é o bem futuro árduo e possível de ser alcançado, assim, o daquele é o mal futuro difícil a que não podemos resistir. Logo, o temor é uma paixão especial da alma.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Todas as paixões da alma são derivadas de um mesmo princípio, que é o amor, no qual têm conexão mútua. E é em virtude desta conexão, e não por ser o temor uma paixão geral, que removido ele, removidas ficam todas as outras paixões.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Nem toda aversão do apetite é temor, mas, a de um objeto especial, como já dissemos. E portanto, embora a aversão seja algo de geral, contudo o temor é uma paixão especial.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O temor de nenhum modo existe no concupiscível, pois não diz respeito ao mal absolutamente considerado, mas ao que é acompanhado de uma certa dificuldade ou arduidade, de modo que quase se lhe não possa resistir. Mas como as paixões do irascível derivam das do concupiscível e nelas terminam, como já dissemos7, ao temor se atribui o que é próprio ao concupiscível. Assim, chamamos ao temor tristeza porque o seu objeto, quando presente, contrista; e por isso, o Filósofo diz, no mesmo passo, que o temor procede da imaginação do mal futuro corruptor ou que contrista. Semelhantemente, Damasceno atribui o desejo ao temor porque, assim como a esperança é causada ou nasce do desejo do bem, assim, o temor é a fuga do mal, pois, tal fuga nasce do desejo do bem, como do sobredito claramente resulta8.
1. Lib. LXXIII Quaestion. (quaest. XXXIII).
2. VI Ethic. (lect. III).
3. II Rhetoric. (cap. V).
4. Lib. III Orthod. Fid., cap. XXIII.
5. Q. 23, a. 4.
6. II libro (cap. XII).
7. Q. 24, a. 1.
8. Q. 24, a. 2; q. 29, a. 2; q. 36, a. 2.