Art. 4 ― Se o ato vicioso ou pecado pode coexistir com a virtude.

(Supra, q. 63, a. 2, ad 2 ; infra, q. 73, a. 1, ad 2 ; IIª-IIªª, q. 24, a. 12; De Virtur., q. q, 1, ad 5).

O quarto discute-se assim. ― Parece que o ato vicioso ou pecado não pode coexistir com a virtude.

1. ― Pois, os contrários não podem coexistir no mesmo sujeito. Ora, o pecado é de certo modo contrário à virtude, como já se disse1. Logo, não pode coexistir com ela.

2. Demais. ― O pecado é pior que o vício, i. é, o ato mau é pior que o hábito mau. Ora, o vício não pode coexistir com a virtude, no mesmo sujeito. Logo, nem o pecado.

3. Demais. ― Assim como o pecado se manifesta acidentalmente na atividade voluntária, assim também, nos fenômenos naturais, conforme diz Aristóteles2. Ora, nestes nunca ele se manifesta acidentalmente senão por alguma corrupção da virtude natural; assim, os monstros procedem da corrupção de algum princípio seminal, como diz o Filósofo3. Logo, também na atividade voluntária, o pecado não se manifesta acidentalmente senão corrupção de alguma virtude da alma; e portanto, pecado e virtude não podem coexistir no mesmo sujeito.

Mas, em contrário, diz o Filósofo4, que pelos contrários é a virtude gerada corrompida. Ora, um só ato virtuoso não causa a virtude, como já estabelecemos5. Logo, também não a elimina um só ato pecaminoso. Portanto, uma e outro podem coexistir no mesmo sujeito.

SOLUÇÃO. ― O pecado está para a virtude como o ato mau para o hábito bom. Ora, o hábito da alma não se comporta do mesmo modo que a forma do ser natural. Pois, a forma natural necessariamente produz a sua operação própria. Por isso com uma forma natural não pode coexistir o ato da forma contrária; assim, o ato de resfriar não pode coexistir com o calor, nem, com a leveza, o ato do descenso, salvo por violência de um motor externo. O hábito da alma ao contrário, não opera necessariamente, antes, usamos dele quanto queremos. Por onde, podemos simultaneamente ter um hábito e dele não usarmos, ou praticarmos o ato contrário; e, assim, podemos possuir a virtude e inclinarmos para o ato do pecado.

Ora, este ato, comparado com a virtude, enquanto hábito, não pode corrompê-la, se for um único. Pois, assim como não gera o hábito um único ato, assim também por este não se corrompe, como já dissemos6. Comparado porém o ato do pecado com a causa das virtudes, um só ato pode corromper várias virtudes. Pois, todo pecado mortal é contrário à caridade, raiz de todas as virtudes infusas, como tais. E portanto, um único ato de pecado mortal, excluindo a caridade, exclui conseqüentemente todas as virtudes infusas, enquanto virtudes. E digo isto por causa da fé e da esperança, cujos hábitos ficam informes, depois do pecado mortal, e assim não são virtudes. Mas o pecado venial, não contrário à caridade, não a excluindo, também não exclui, por conseqüência, as outras virtudes. As virtudes adquiridas porém, não as exclui um único ato de qualquer pecado.

Assim, portanto, o pecado mortal não pode coexistir com as virtudes infusas, mas o pode com as adquiridas. Ao passo que o pecado venial pode coexistir tanto com estas como com aquelas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― O pecado não é contrário à virtude em si mesma considerada, senão quanto ao seu ato. E, portanto, o pecado, que não pode coexistir com o ato da virtude, o pode com o hábito da mesma.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― O vício é diretamente contrário à virtude, assim como o pecado o é ao ato virtuoso. E portanto, o vício exclui a virtude, como o pecado, o ato da mesma.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― As virtudes naturais agem necessariamente; e portanto, existindo íntegra a virtude, o pecado nunca poderá coexistir com o ato. As virtudes da alma porém, não produzem os seus atos necessariamente. E portanto o símile não colhe.
1. Q. 71, a. 1.
2. II Physic. (lect. XIV).
3. Physic. (ibid).
4. II Ethic. (lect. III).
5. Q. 51, a. 3.
6. Q. 63, a. 2, ad 2.