Art. 3 — Se a doutrina sagrada é uma só ciência.

(I Sent., prol., a. 2, 4)

O terceiro discute-se assim — Não parece uma só ciência a doutrina sagrada.

1. — Pois, como diz o Filósofo1, cada ciência se ocupa com um só gênero de objetos. Ora, criador e criatura, objetos da doutrina sagrada, não pertencem ao mesmo gênero. Logo, não é uma só ciência a doutrina sagrada.

2. — Ademais, a doutrina sagrada trata dos anjos, das criaturas corpóreas e dos costumes humanos, se bem tais assuntos respeitem a ciências filosóficas diversas. Por onde, não é uma só ciência a doutrina sagrada.

Mas, em contrário, a ela se refere a Sagrada Escritura no singular, quando diz (Sb 10, 10): E lhe deu a ciência dos santos.

SOLUÇÃO. — É só uma ciência a doutrina sagrada. Pois, da potência, como do hábito, deve-se determinar a unidade pelo respectivo objeto, considerado na idéia formal e não materialmente. Assim: homem, asno e pedra convêm num só conceito formal de cor, objeto da potência visiva2. Ora, considerando a Sagrada Escritura vários assuntos como divinamente revelados, conforme dissemos antes (a. 1 ad 2), todas as coisas divinamente reveláveis comunicam num só conceito formal do objeto desta ciência. Donde as abrange a doutrina sagrada como sendo uma só ciência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A doutrina sagrada não assenta conclusões a título igual sobre Deus e as criaturas, mas sim de Deus principalmente, e das criaturas enquanto se referem a Deus como princípio ou fim; o que não tolhe a unidade da ciência.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Nada impede se distingam as potências inferiores ou hábitos por objetos, todos dependentes de uma potência ou hábito superior; pois estes últimos consideram o objeto por modo formalmente mais extenso. Assim, o sentido comum tem por objeto o sensível, que abrange o visível e o audível; por onde, apesar de ser uma só potência, estende-se a todos os objetos dos cinco sentidos. Semelhantemente, a doutrina sagrada, suposto seja uma somente, pode ocupar-se com os objetos de ciências filosóficas diversas, sob um aspecto, enquanto reveláveis divinamente; de modo que ela parece impressão da ciência divina, saber simples e singular de todos os objetos.

1. I Poster., c. 28
2. Cf. I q. 59, a. 4 c; 77, a. 3 c; 79, a. 7 c; 82, a. 5 c.