Art. 1 — Se a criatura corpórea procede de Deus.

O primeiro discute-se assim. — Parece que não procede de Deus a criatura corpórea.

1. — Pois, diz a escritura: Aprendi que todas as obras que Deus fez perseverarão para sempre. Ora, os corpos visíveis não duram eternamente, conforme a Escritura: As coisas visíveis são temporais, e as invisíveis são eternas. Logo, Deus não fez os corpos visíveis.

2. Demais. — Diz a Escritura: E viu Deus todas as coisas que tinha feito, e eram muito boas. Ora, as criaturas corpóreas são más, e o experimentamos por muitos males que nos causam, por exemplo, muitas serpentes, o calor do sol e coisas semelhantes; assim, pois, é mau o que é nocivo. Logo, as criaturas corpóreas não procedem de Deus.

3. Demais. — O que procede de Deus dele não afasta, antes, a ele conduz. Ora, as criaturas corpóreas afastam de Deus, como diz a Escritura: Não atendendo nós às coisas que se vêem. Logo, as criaturas corpóreas não procedem de Deus.

Mas, em contrário, diz a Escritura: Qual fez o céu e a terra, o mar, e todas as coisas que neles há.

SOLUÇÃO. — Vários heréticos opinam que os seres visíveis não foram criados por Deus, mas pelo mau princípio, e tiram argumentos para o seu erro do lugar do Apóstolo: Deus deste século cegou os entendimentos dos infiéis. — Mas tal opinião é absolutamente inadmissível. Pois, se seres diversos para algo se unificam é necessário que essa unificação tenha alguma causa, pois não se unificam por si mesmos. Donde, sempre que se encontra alguma unidade em seres diversos, é necessário recebam estes de alguma causa una a sua unidade; assim, diversos corpos cálidos recebem do fogo o calor. Ora, o ser se encontra comumente em todas as coisas, embora diversas. Logo, é forçoso haver um princípio do ser, em virtude do qual exista tudo o que de qualquer modo existe — seres invisíveis e espirituais ou visíveis e corporais. — Quanto ao diabo, ele se chama deus do século presente, não pela criação, mas por lhe servirem os que vivem mundamente, segundo o modo de falar do Apóstolo: O deus deles é o ventre.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Todas as criaturas de deus perduram, de certo modo, eternamente, ao menos quanto à matéria; pois, as criaturas de nenhum modo se reduzem ao nada, mesmo as corruptíveis. Porém, quanto mais se aproxima de Deus, que é imóvel, tanto mais imóveis são. Pois, as criaturas corruptíveis perduram perpetuamente quanto à matéria, transformando-se quanto à forma substancial. As criaturas incorruptíveis, porém, permanecem, por certo, substancialmente, mas são mutáveis sob outros aspectos, p. ex., localmente, como os corpos celestes, ou em relação aos afetos, como as criaturas espirituais. E o dito do Apóstolo — As coisas visíveis são temporais — embora verdadeiro quanto às coisas em si mesmo consideradas, por estar toda criatura visível sujeita ao tempo, quanto ao seu ser ou ao seu movimento, todavia o Apóstolo quis aplicá-lo às coisas visíveis consideradas como prêmios do homem. Pois, dos prêmios do homem, os consistentes em tais coisas são temporalmente transitórios; ao passo que permanecem eternamente os que consistem nas coisas invisíveis. Por isso, antes já tinha dito: Produz em nós um peso eterno de glória.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A criatura corpórea, por natureza, é boa; mas não é o bem universal, senão um certo bem particular e restrito; e dessa particularidade e restrição resulta, na criatura, a contrariedade, em virtude da qual um bem se contrapõe ao outro, embora um e outro, em si mesmo, seja bem. Donde vem que certos, considerando, nas coisas, não a natureza própria delas, mas a conveniência deles, julgam absolutamente más as que lhes são nocivas; sem atenderem que o nocivo para um, sob certo aspecto, é profícuo para outro ou para os mesmos, sob diferente aspecto. O que de nenhum modo se daria se os corpos fossem maus e nocivos em si mesmos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — As criaturas, me si mesmas, não afastam, mas aproximam de Deus, pois as coisas invisíveis de Deus, compreendendo-se pelas coisas feitas, tornaram-se visíveis, como diz o Apóstolo. E se afastam de Deus, é por culpa dos que delas usam insipientemente; por onde, diz a Escritura: as criaturas se fizeram um laço para os pés dos insensatos. Mas o fato mesmo de afastarem de Deus prova que dele procedem; pois, se afastam de Deus os insipientes, é que os aliciam por algum bem nelas existentes, bem que têm de Deus.