Art. 7 — Se a vontade de Deus é mutável.

I Sent., dist. XXXIX, q. 1, a. 1; dist. XLVIII, q. 2, a. 1, ad 2; I Cont. Gent., cap. LXXXII; III, cap. XCI, XCVI, XCVIII; De Verit., q. 12, a. 2, ad 3; Hebr., cap. VI, lect. IV.

O sétimo discute-se assim. — Parece que a vontade de Deus é mutável.

1. — Pois, diz a Escritura (Gn 6, 7): Pesa-me de os ter feito. Ora, quem se arrependeu do que fez tem vontade mutável.

2. Demais. — A Escritura diz (Jr 18, 7), da pessoa do Senhor: Falarei contra uma gente e contra um reino, para desarraigá-lo e destruí-lo e arruiná-lo. Mas, se aquela gente se arrepender do seu mal, também eu me arrependerei do mal que tenho pensado fazer contra ela. Logo, Deus tem vontade mutável.

3. Demais. — Tudo o que Deus faz, voluntariamente o faz. Ora, Deus não faz sempre as mesmas coisas: assim, ora manda observar a lei, ora o proíbe. Logo, tem vontade mutável.

4. Demais. — Deus não quer necessariamente o que quer, como se disse antes1. Logo, pode querer e não querer a mesma coisa. Mas, tudo o que tem poder em relação a dois contrários é mutável; assim o que pode ser e não ser é mutável, quanto à substância; e o que pode estar e não estar num lugar é mutável, quanto ao lugar.

Mas, em contrário, a Escritura (Nm 23, 19): Deus não é, como o homem, capaz de mentir, nem, como o filho do homem, sujeito à mudança.

SOLUÇÃO. — A vontade de Deus é absolutamente imutável. Mas, sobre este assunto, devemos considerar que, mudar-se a vontade, é diferente de querer a mutação de certas coisas. Pois, podemos querer que agora se faça tal coisa, e em seguida, o contrário, permanecendo a mesma vontade imóvel. Mas, a vontade se mudaria se começássemos a querer o que antes não queríamos ou deixássemos de querer o que queríamos. O que não se pode dar, sem pressupormos a mutação, por parte do conhecimento, ou quanto à disposição da substância mesma da pessoa que quer. Ora, como a vontade tem por objeto o bem, podemos começar a querer uma coisa de duplo modo. De um modo, se nos começar a ser bom o que dantes não nô-lo era; o que não vai sem mudança nossa. Assim, chegando o frio, começa-nos a ser bom assentarmo-nos ao fogo, o que, dantes, não nô-lo era. De outro modo, quando conhecemos como bom o que dantes ignorávamos que o fosse. Pois, deliberamos para sabermos o que nos é bom. Ora, já demonstramos2 que tanto a substância de Deus, como a sua ciência é absolutamente imutável. Logo, é forçoso que seja a sua vontade absolutamente imutável.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Essa expressão do Senhor devemos entendê-la metaforicamente e por semelhança conosco. Assim, quando nos arrependemos, destruímos o que fizemos, embora isso possa fazer-se sem mutação da vontade; como quando às vezes queremos, sem mutação da nossa vontade, fazer algo com intenção simultânea de o destruir em seguida. Assim, pois, dizemos que Deus se arrependeu, por essa semelhança de agir, delindo da face da terra pelo dilúvio o homem que criara.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A vontade de Deus, com ser a causa primeira e universal, não exclui as causas médias, a cuja virtude pertence produzir certos efeitos. Mas, porque todas as causas médias não podem adequar-se à virtude da causa primeira, muitas causas existem na virtude, na ciência, e na vontade divina, que não estão contidas na ordem das causas inferiores, como a ressurreição de Lázaro. Por onde, quem considerasse as causas inferiores poderia dizer: Lázaro não ressurgirá; — mas considerando a causa primeira divina, dizer: Lázaro ressurgirá. — E Deus quer tanto isto como aquilo, a saber, que alguma coisa haja de ser, segundo as causas inferiores; que, contudo, não será, segundo a causa superior; ou reciprocamente. Por onde, devemos concluir que Deus, por vezes, prenuncia um futuro, enquanto contido na ordem das causas inferiores — como, p. ex., segundo a disposição da natureza ou dos méritos — que, entretanto, não se realizará, porque existe de maneira diferente na causa superior divina. Assim, o que predisse a Ezequias, como refere a Escritura (Is 38, 1) — Dispõe da tua casa, porque tu morrerás e não viverás — não se realizou, porque estava determinado diferentemente e abeterno, pela ciência e pela vontade divina, que é imutável. E, por isso, diz Gregório: Deus muda a sentença, mas não o conselho3, isto é, a sua vontade. Quando diz, pois — Também eu me arrependerei — isso deve entender-se metaforicamente, porque os homens, quando não cumprem o que prometeram, dizemos que se arrependeram.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Da razão aduzida não podemos concluir, que Deus tem vontade mutável, mas que quer a mutação.
RESPOSTA À QUARTA. — Embora não seja necessário, absolutamente, querer Deus alguma coisa, contudo é necessário por suposição, por causa da imutabilidade da divina vontade, como dissemos4.
1. Q. 19, a. 5.
2. Q. 9, a. 1; q. 14, a. 15.
3. Moral., lib. XVI, cap. X.
4. Q. 19, a. 3.