Art. 7 — Se é certo o número dos predestinados.

(I Sent., dist. XL, q. 3; De Verit., q. 6, a 4).

O sétimo discute-se assim. — Parece que não é certo o número dos predestinados.

1. — Pois, não é certo o número que pode­mos aumentar. Ora, o número dos predestina­dos podemos aumentá-lo, como diz a Escritura (Dt 1, 11): O Senhor Deus… ajunte a este número muitos milhares. E a Glosa: Isto é, um número defi­nido para Deus, que conhece os que o compõem1. Logo, não é certo o número dos predestinados.

2. Demais. — Não se pode dar a razão por­que Deus preordenou à salvação um número de homens, de preferência a outro. Ora, Deus nada faz sem razão. Logo, não foi preordenado por ele o número certo dos que se devem salvar.

3. Demais. — A obra de Deus é mais per­feita que a da natureza. Ora, nas obras desta, o bem se manifesta quase sempre; e, em poucos casos, a falha é o mal. Se, pois, Deus instituísse um número certo dos que se deveriam salvar, mais numerosos deveriam ser os que se salvassem que os que se condenassem. Mas, a Escritura diz o contrário (Mt 7, 13-14): Larga é a porta e espaçoso é o cami­nho que guia para a perdição e muitos são os que entram por ela. Que estreita é a porta e que apertado o caminho que guia para a vida! E que poucos são os que acertam com ele! Logo, não foi preordenado por Deus o número dos que se devem salvar.

Mas, em contrário, diz Agostinho: É certo e não pode aumentar, nem diminuir o número dos predestinados2.

SOLUÇÃO. — O número dos predestinados é certo. Alguns porém disseram que o é formal, mas não materialmente. Como p. ex., se dissés­semos ser certo que cem ou mil se salvarão, mas não estes ou aqueles. Ora, esta opinião destrói a certeza da predestinação, de que já tratamos3. E portanto devemos dizer que, para Deus, o nú­mero dos predestinados é certo, não só formal, mas ainda, materialmente. Devemos, porém advertir, que afirmamos ser certo o número dos predestinados para Deus, não só em razão do conhecimento, porque sabe quantos devem sal­var-se; pois, assim, também sabe ao certo o número das gotas da chuva e da areia do mar; mas, em razão de uma certa eleição e deter­minação.

Para evidenciá-lo devemos saber, que todo agente busca produzir um efeito finito, como resulta do que dissemos sobre o infinito4. Ora, quem busca uma medida determinada, no efeito que produz, procura um certo número, nas par­tes essenciais dele, necessárias para a perfeição do todo; não escolhe determinado número, em si mesmo, nas partes exigidas não principal­mente, mas em razão de outras; e só as toma em número tal que seja necessário por causa dessas outras. Assim, um construtor escolhe a medida determinada da casa, e mesmo o nú­mero determinado dos compartimentos que nela quer fazer, bem como o das dimensões da parede ou do teto; mas, não escolhe o número deter­minado das pedras, senão que as toma tantas quantas bastem a construir a parede, nas suas dimensões demarcadas.

Ora, o mesmo devemos dizer de Deus, em relação a todo o universo que é seu efeito. Assim, Deus lhe preordenou as dimensões e o número conveniente das suas partes essenciais, as quais se ordenam, de certo modo, à perpetui­dade: quantas esferas, quantas estrelas, quantos elementos, quantas espécies de seres. Mas, os indivíduos corruptíveis se ordenam ao bem do universo, não principal, mas, secundàriamente, enquanto conservam o bem da espécie. Por isso, embora Deus saiba deles todos o número certo, não preordenou contudo, em si, o número dos bois ou dos mosquitos ou de seres semelhantes, que a sua divina providência somente cria na medida bastante à conservação das espécies. Ora, dentre todas as criaturas, ordenam-se principalmente ao bem do universo as racionais, como tais incorruptíveis; sobretudo as que, alcançando a beatitude, mais imediatamente atingem o fim último. Por onde, o número dos predestinados é certo, para Deus, não somente em razão do conhecimento, mas também em ra­zão de uma certa e principal predeterminação. O que porém de nenhum modo se dá com o nú­mero dos réprobos, que Deus preordenou ao bem dos eleitos, aos quais todas as causas lhes contri­buem para seu bem.

Quanto ao número de todos os predestinados — tantos homens se salvarão quantos os anjos decaídos, dizem uns; quantos os anjos fiéis, dizem outros; não somente quantos os decaídos, mas mesmo, quantos os anjos criados, dizem ainda outros. Mas, é melhor pensar, que só Deus sabe o número dos eleitos à suprema feli­cidade (como está na Coleta pelos vivos e de­funtos).

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O lugar citado do Deuteronômio deve ser enten­dido dos que são prenotados por Deus, relativa­mente à justiça presente. Ora, o número deles aumenta e diminui; mas não o dos predestinados.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A noção da quanti­dade da parte se deduz da sua proporção com o todo. E assim, a razão porque Deus fez tan­tas estrelas, e tantas espécies de seres e tantos predestinou, é a proporção das partes principais com o bem do universo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O bem proporcionado ao estado comum da natureza se realiza em muitos seres e falha em poucos. Mas, o con­trário se dá com o bem excedente a esse estado comum. Assim, a ciência suficiente para admi­nistrar a própria vida muitos a têm, e os poucos que dela carecem se chamam tolos ou estultos; são porém pouquíssimos em relação aos outros os que atingem à ciência profunda das coisas inteligíveis. Ora, consistindo na visão de Deus, a eterna beatitude excede o estado comum da natureza, sobretudo porque a graça se perdeu pela corrupção do pecado original, e por isso poucos se salvam. E aqui refulge por excelên­cia a misericórdia de Deus, elevando alguns à salvação, que muitos não alcançam abandona­dos ao curso comum e inclinação da natureza.
1. Ordinaria.
2. De Correptione et Gratia, c. 13.
3. Q. 23, a. 6.
4. Q. 7, a. 4.