Art. 1 — Se o bem difere realmente do ser.

(I. Sent., dist. VIII, q.1, a.3; dist. XIX, q.5, a.1, ad 3; De Verit., q.1, a.1., q.21, a.1; De Pot., q.3, a.7, ad 6)

O primeiro discute-se assim. — Parece que o bem difere realmente do ser.

1. — Pois diz Boécio: Vejo que, nas coisas, difere o ser do bem1. Logo, ser e bem diferem realmente.

2. Demais. — Nenhum ser se dá forma a si mesmo. Ora, o bem se concebe como informação do ser, como se vê no Comentador2. Logo, o bem difere realmente do ser.

3. Demais. — O bem é susceptível de mais e de menos, e o ser não o é. Logo, este difere realmente daquele.

Mas, em contrário, Agostinho: Somos bons na medida em que somos3.

SOLUÇÃO. — O bem e o ser, realmente idênticos, diferem racionalmente, o que assim se demonstra. A essência do bem consiste em tornar alguma coisa desejável; pois, por isso, diz o Filósofo, que o bem é o que todas as coisas desejam4. Ora, é claro que uma coisa é desejável na medida em que é perfeita, pois todos os seres desejam a própria perfeição. E como um ser é perfeito na medida em que é atual, é claro que é bom na medida em que é ser, pois o ser é a atualidade das coisas, como resulta manifestamente do que já se disse5. Por onde, é claro, que o bem e o ser são realmente idênticos; mas, o bem acrescenta à noção de ser a de desejável, que lhe é estranha.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora o ser e o bem sejam na realidade idênticos, contudo, como racionalmente diferem, essas duas noções não têm, tomadas em absoluto, a mesma significação. Pois, como o ser significa, propriamente, o que é atual, e o ato, em sentido próprio, se ordena à potência, é ente, absolutamente falando, o que se distingue, primariamente da potência pura. Ora, tal é o caso de toda realidade substancial; e, por isso, pelo seu ser substancial, é que uma coisa é chamada ente, em sentido absoluto. Pelos atos que se lhe acrescentarem, porém, é chamada ser, de certo modo; assim, ser branco exprime o ser sob determinado aspecto, porque o tornar-se branco, advindo ao já atualmente preexistente, não elimina nenhum estado potencial absoluto. Mas, bem significa perfeição desejável e, por conseqüência, refere-se a um estado último. Por onde, o que tem a perfeição última se chama o bem perfeito absoluto. Aquilo, porém, que não tem essa perfeição, que deve ter, embora tenha a perfeição proveniente da atualidade, não é considerado, contudo, absolutamente, nem perfeito, nem bom, senão só relativamente. Assim, pois, pelo seu ser primeiro, e que é substancial, uma coisa é considerada ser, no sentido absoluto da palavra, e boa relativamente, isto é na medida em que é ser. Pelo contrário, quanto ao último ato, é considerada ser, relativamente, e boa, absolutamente. Por onde, o dito de Boécio, que nas coisas, difere o ser, do bem, deve ser referido ao bem e ao ser, tomados absolutamente; pois, pelo ato primeiro, uma coisa é ser, absolutamente, como, pelo ato último é bem, em sentido absoluto. E contudo, pelo ato primeiro, é bem, de certo modo, assim como, de certo modo é ente, quanto ao último ato.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O bem se concebe como informação, quando considerado, em sentido absoluto, quanto ao último ato.

E semelhantemente, deve-se RESPONDER À TERCEIRA OBJEÇÃO, que o bem é susceptível de mais e de menos, enquanto ato superveniente, p. ex., como ciência ou virtude.
1. De Hebdom.
2. in Commento libri de Causis, prop. XXI, XXII.
3. De doctrina christiana, lib. I, c. 32.
4. I Ethic., c. 1.
5. Q. 3, a. 4; q. 4, a. 1, ad 3