Art. 4 — Se todas as coisas são boas pela bondade divina.

(I Sent., dist. XIX, q. 5, a. 2, ad 3; I Cont. Gent., cap. XL; De Verit., q. 21, a. 4)

O quarto discute-se assim. — Parece que todas as coisas são boas pela bondade divina.

1. — Pois, diz Agostinho: Considera tal bem e tal outro; elimina isto e aquilo e contempla o bem em si mesmo, se puderes; então, verás Deus, bem que não o é por outro, mas, bem de todos os bens1. Logo, as coisas são boas pelo bem mesmo, que é Deus.

2. Demais. — Como diz Boécio2, todas as coisas se consideram boas enquanto ordenadas a Deus, e isto em razão da bondade divina. Logo, todas são boas em razão desta bondade.

Mas, em contrario, todas as coisas são boas enquanto existem. Ora, dizemos que existem, não pelo ser divino, mas, pelo próprio. Logo, todas são boas, não pela bondade divina, mas pela própria.

SOLUÇÃO. — Nada impede, que aquilo que implica relação seja denominado como do exterior; assim, o que está colocado num lugar é por este denominado, e o que é medido é designado pela sua medida. Variaram, porém, as opiniões, quanto ao que recebe denominação absoluta. — Assim, Platão3 admitia espécies separadas de todas as coisas, e que os indivíduos recebem a sua denominação, quase participando dessas espécies; p. ex., dizemos que Sócrates é homem, por participar da idéia separada de homem, e assim como admitia serem separadas as idéias de homem e de cavalo, a que chamava homem em si, e cavalo em si, assim também considerava separadas as idéias de ser e de unidade, a que chamava ser em si e unidade em si, pela participação das quais cada ser é ente e uno. Porém, ensinava que o ente em si, e a unidade em si, constituem o sumo bem, e como o bem e a unidade no ser se convertem, dizia que o bem em si mesmo é Deus, por cuja participação todas as coisas são chamadas boas. — E embora tenhamos por irracional esta opinião, como também Aristóteles abundantemente o prova4, por ensinar que as espécies separadas das coisas naturais são subsistentes por si mesmas, contudo é absolutamente verdadeiro, que há uma realidade primeira que é, por essência, ser e bondade e é chamada Deus, conforme de sobredito resulta5. E com este modo de ver também Aristóteles concorda. — Ora, é participando dessa realidade, primaria e essencialmente ser e bondade, por uma certa forma de assimilação, embora remonta e deficiente, que as coisas podem ser consideradas seres e boas, como do sobredito se conclui6. — Assim, pois, cada ser é bom pela divina bondade, princípio primeiro exemplar, efetivo e final de toda bondade. Contudo, cada realidade é considerada boa também por uma semelhança da divina bondade, que lhe é inerente, que é a sua forma própria e o fundamento essencial das suas denominações. De modo que há uma só bondade, em virtude da qual todas as coisas são boas; e, por outro lado, há muitas bondades. Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.
1. VIII de Trin., c. 3.
2. De Hebdomad.
3. Arist., I Metaph., c. 6.
4. I Met., c. 9.
5. Q. 2, a. 3.
6. Q. 4, a. 3.