Art. 4 — Se no anjo há os intelectos agente e possível.

(II Cont. Gent., cap. XCVI)

O quarto discute-se assim. – Parece que no anjo há os intelectos agente e possível.

1. — Pois, o Filósofo diz que, assim como em toda a natureza há um princípio que é a causa de todas as coisas serem feitas, e outro que as faz a todas, assim também o mesmo se dá com a alma1. Ora, o anjo é uma natureza de certa espécie. Logo, há nele os intelectos agente e possível.

2. Demais. — Receber é próprio do intelecto possível; iluminar, porém, é próprio do intelecto agente, como se vê em Aristóteles2. Ora, um anjo recebe iluminação de outro que lhe é superior e ilumina o inferior. Logo, há nele os intelectos agente e possível.

Mas, em contrário, os intelectos agente e possível, em nós supõem relação com os fantasmas, que estão para o intelecto possível, como as cores para a visão; e, para o intelecto agente, como as cores para a luz, segundo se vê em Aristóteles3. Ora, tal não se dá com o anjo. Logo, neste não há os intelectos agente e possível.

SOLUÇÃO. — A necessidade de supor, em nós, um intelecto possível, foi porque, de fato, ora, inteligimos em potência e não em ato. Donde ser necessário existir uma virtude potencial em relação aos inteligíveis, antes do ato mesmo de inteligir mas que se atualize, em relação a eles, quando adquire a ciência e, depois, quando raciocina. E uma tal virtude se chama intelecto possível. Por outro lado, a necessidade de se supor um intelecto agente está em que as naturezas das coisas materiais, que nós inteligimos, não subsistem fora da alma como imateriais e inteligíveis em ato, mas são somente, como tais, inteligíveis em potência. Donde ser forçoso existir alguma virtude que torne tais naturezas inteligeveis em ato, e tal virtude, em nós, se chama intelecto agente.

Ora, ambas essas necessidades não existem nos anjos porque estes não são, nunca, inteligentes em potência somente, em relação às coisas que naturalmente inteligem; nem os inteligíveis deles são potenciais, mas atuais; pois, inteligem, primária e principalmente, as coisas imateriais, como a seguir se verá4. E, portanto, não pode haver neles os intelectos agentes e possível, senão equivocamente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Filósofo admite a existência desses dois princípios em todos os seres susceptíveis de geração e vir-a-ser, como as suas próprias palavras o demonstram. Porém, nos anjos, a ciência não é gerada, mas existe naturalmente. Por isso não se lhes deve atribuir a agência e a possibilidade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Ao intelecto agente é próprio o iluminar, não, por certo, outro ser inteligente, mas os inteligíveis, atualizando-os, pela abstração. Porém, ao intelecto possível é próprio o ser potencial em relação aos cognoscíveis naturais; e, por vezes, atualizar-se. donde, o fato de um anjo iluminar a outro não pertence à essência do intelecto agente; nem à do intelecto possível pertence o de ser iluminado quanto aos mistérios sobrenaturais, em relação a cujo conhecimento esse intelecto está, por vezes, em potência. Se, contudo, alguém quiser chamar a tais fatos intelectos agente e possível, fa-lo-á equivocamente; nem devemos nos importar com as denominações.
1. III De anima (lect. X).
2. III De anima (lect. VIII, X).
3. III De anima (lect. X, XII).
4. Q. 56.