Art. 3 — Se o anjo conhece discorrendo.

(Infra, q. 79, ad. 8; q. 85, a. 5; De Verit., q. 8, a. 15; q. 15, a. 1)

O terceiro discute-se assim. — Parece que o anjo conhece discorrendo.

1. — Pois, o discurso do intelecto consiste em conhecer uma coisa por meio de outra. Ora, os anjos conhecem assim quando, pelo Verbo, conhecem as criaturas. Logo, o intelecto angélico conhece discorrendo.

2. Demais. — Tudo o que pode a virtude inferior pode a superior. Ora, o intelecto humano pode silogizar e conhecer as causas pelos efeitos, e nisso consiste o discurso. Logo, o intelecto angélico, superior na ordem da natureza, também o pode, com maior razão.

3. Demais. — Isidoro diz que os demônios conhecem muitas coisas por experiência1. Ora, o conhecimento experimental é discursivo; pois, como diz Aristóteles, de muitas coisas memoradas resulta uma experiência e, de muitas experiências, resulta um universal2. Logo, o conhecimento dos anjos é discursivo.

Mas, em contrário, diz Dionísio que os anjos não congregam o conhecimento divino por meio de difusos raciocínios, nem chegam simultaneamente a esses conhecimentos especiais por algum meio comum3.

SOLUÇÃO. — Como já se disse muitas vezes, os anjos têm, entre as substâncias espirituais o grau que têm os corpos celestes entre as corpóreas; por isso, Dionísio lhes chama inteligências celestes. Ora, a diferença entre os corpos celestes e os terrenos está nestes alcançarem a sua última perfeição pela mudança e pelo movimento; ao passo que aqueles logo, pela própria natureza, a atingem. Assim, também os intelectos inferiores, i. é, dos homens, por um certo movimento e discurso da operação intelectual, atingem a perfeição e o conhecimento da verdade, passando de um objeto conhecido para outro. Se, porém, imediatamente, pelo próprio conhecimento do princípio, tivessem como conhecidas todas as conclusões conseqüentes, não haveria neles lugar para o discurso. Ora, é isto o que se dá com os anjos, pois, imediatamente, vêem tudo o que podem conhecer nas coisas que primeiro naturalmente conhecem. E por isso se chamam eles intelectuais, pois, também em nós se dizem inteligidas as coisas imediata e naturalmente apreendidas; sendo essa a razão por que se chama intelecto ao hábito dos primeiros princípios. Porém, as almas humanas que chegam ao conhecimento da verdade por um certo discurso se chamam racionais; e isso nelas se dá pela debilidade da sua luz intelectual. Se, pois, tivessem a plenitude dessa luz, como os anjos, imediatamente, no primeiro aspecto dos princípios, apreender-lhe-iam todo o conteúdo, vendo tudo o que dele se pudesse deduzir.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O discurso designa um certo movimento. Ora, todo movimento passa de uma posição anterior para outra posterior. Daí o considerar-se como conhecimento discursivo o passar de um primeiro objeto conhecido para outro, que era, antes, ignorado. Se, porém, conhecido um, o outro o fosse simultaneamente, como no espelho é vista simultaneamente a imagem da coisa, então tal conhecimento não seria discursivo. Ora, é assim que os anjos conhecem as coisas no Verbo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os anjos podendo silogizar, como conhecedores do silogismo, vêem nas causas os efeitos e nos efeitos as causas; não, porém, que adquiram o conhecimento da verdade desconhecida silogizando das causas para os causados e destes para aquelas.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Admite-se experiência nos anjos e nos demônios por certa similitude, enquanto conhecem os sensíveis presentes, sem, todavia, nenhum discurso.
1. I Sententiarum, cap. X.
2. Posteriorum, lib. II, lect. XX; Metaph., lect. I.
3. de div. nom., cap. VII (lect. II).