Art. 5 – Se todos os seres estão sujeitos ao governo divino.

O quinto discute–se assim. – Parece que nem todos os seres estejam sujeitos ao governo divino.

1. – Pois, diz a Escritura: Vi que debaixo do sol não é o prêmio para os que melhor correm, nem a guerra, para os que são mais fortes, nem o pão para os que são mais sábios, nem as riquezas para os que são mais doutos, nem a boa aceitação para os que são mais hábeis artífices; mas que tudo se faz por encontro e por casualidade. Ora, seres submetidos a um governo não são casuais. Logo, o que está debaixo do sol não está sujeito ao governo divino.

2. Demais. – A Escritura diz: Acaso tem Deus, cuidado dos bois? Ora, cada qual cuida do que lhe está submetido ao governo. Logo, nem todos os seres estão sujeitos ao governo divino.

3. Demais. – Quem pode se governar a si mesmo não precisa do governo de outrem. Ora, a criatura racional pode se governar a si mesma, pois, tem o domínio dos seus atos, age por si; e não é levada por outrem, somente, o que é próprio de coisas governadas. Logo, nem todos os seres estão sujeitos ao governo divino.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Deus não abandonou o céu e a terra, o anjo e o homem, e nem ainda a estrutura interna de qualquer ser animado, por pequeno e desprezível que seja, nem a penazinha da ave, nem a florzinha da erva, nem a folha da árvore, sem a das suas partes, Logo, todos os sujeitos ao seu governo:

SOLUÇÃO. – Pela mesma razão Deus é governador e causa dos seres; pois a Ele pertence produzi–los e dar–lhes a perfeição, o que tudo é próprio de quem governa. Ora, Deus é, não a causa particular de um gênero de seres, mas a universal, da totalidade dos seres, como já se demonstrou. Por onde, assim como nada pode existir sem ser criado por Deus, assim também nada há que lhe possa escapar ao governo. – E isto mesmo também se deduz claramente da noção do fim. Pois, o governo de alguém se estende até onde pode alcançar o fim desse governo, Ora, o fim do governo divino é a bondade mesma de Deus, como antes se demonstrou. Por onde, como nada pode haver que se não ordene à bondade divina, como fim, segundo do sobredito se colhe, impossível é a qualquer ser subtrair–se ao governo divino. – Logo, estulta é a opinião dos que dizem que os seres inferiores corruptíveis deste mundo, ou mesmo ser em particular, ou ainda as coisas humanas, não são governados por Deus. E em nome desses diz a Escritura: O Senhor deixou a terra.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Diz–se que estão debaixo do sol as coisas geradas e corrompidas pelo movimento do mesmo. E em todas elas se encontra o acaso; não que seja casual tudo quanto nelas se faz, mas porque em cada uma delas pode–se encontrar algo de casual. E isto mesmo demonstra que elas estão sujeitas ao governo divino. Pois, se tais seres corruptíveis não fossem governados por um superior, sobretudo, os que não tem conhecimento não tenderiam para nada; e, então, não poderia existir neles nada contrário à intenção, sendo esta contrariedade o que constitui a essência do acaso. Por onde, para significar que o casual realiza–se conforme à ordem de uma causa superior, na Escritura não se diz simplesmente que se viu o acaso em todas as coisas, mas se diz tempo e casualidade porque segundo certa ordem do tempo, encontram–se nas coisas deste mundo defeitos casuais.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O governo é uma mutação das coisas governadas, proveniente do governador. Ora, todo movimento é um ato do móvel, proveniente do motor, como diz Aristóteles. Ora, como todo ato é proporcionado ao ser do qual resulta, necessário é que móveis diversos sejam movidos diversamente, mesmo relativamente ao movimento de um só motor. Assim pois, por um só modo do governo de Deus as coisas são governadas diversamente, conforme a diversidade delas. E então, certas, tendo domínio sobre os seus atos, agem, por natureza, por si mesmas; e estas são governadas por Deus, não só por serem movidas por Ele, que nelas opera interiormente, mas ainda porque Ele as induz ao bem e retrai do mal por meio de preceitos e proibições, prêmios e penas. Ao passo que desse modo não são governadas por Deus as criaturas irracionais, que são levadas a agir, somente, e não agem. Assim, pois quando o Apóstolo diz, que Deus não cura dos bois, não os subtrai totalmente ao cuidado do governo divino; mas só quanto ao modo que convém propriamente à criatura racional.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A criatura racional governa–se a si mesma pelo intelecto e pela vontade; e ambas essas faculdades necessitam ser governadas e completadas pelo intelecto e pela vontade de Deus. E portanto, além do governo pelo qual a criatura racional se governa a si mesma, como senhora dos seus atos, necessita ela ser governada por Deus.