Art. 8 – Se as almas separadas conhecem as coisas que se passam neste mundo.

O oitavo discute–se assim. – Parece que as almas separadas conhecem as coisas que se passam neste mundo.

1. – Pois, se não as conhecessem, com elas não se ocupariam. Ora, conforme diz a Escritura, elas se ocupam com as causas que neste mundo se passam: Tenho cinco irmãos, para que lhes dê testemunho não suceda “irem também eles parar a este lugar de tormentos. Logo, as almas separadas conhecem tais coisas.

2. Demais. – Frequentemente os mortos aparecem aos vivos, adormecidos ou acordados, para lhes a visarem das coisas que neste mundo se passam; assim, Samuel apareceu a Saul, como se lê na Escritura. Ora, tal não se daria, se eles não conhecessem as coisas que se passam neste mundo.

3. Demais. – As almas separadas conhecem as coisas que entre elas se passam. Se, pois, não conhecem o que se passa entre nós, é que esse conhecimento lhes é impedido pela distância local; o que foi negado antes.

Mas, em contrário, diz a Escritura: ou os seus filhos estejam exaltados, ou estejam abatidos, ele não o conhecerá.

SOLUÇÃO. – As almas dos mortos não conhecem, por conhecimento natural – que é o de que agora se trata – as coisas que se passam neste mundo. E a razão disso pode ser deduzida do que já se disse antes. Pois, a alma separada conhece as coisas singulares, ou porque, de certo modo, está determinada em relação a elas, ou pelo vestígio de algum conhecimento QU afeto precedente, ou por ordem divina. Ora, as almas dos mortos, por ordem divina e pelo modo de ser delas, estão segregadas da conversação dos vivos, e em sociedade com as substâncias espirituais separadas do corpo. E por isso, ignoram o que se passa entre nós. Esta razão é dada por Gregório quando diz: Os mortos não sabem como se dispõe, depois que morreram, a “ida dos que ainda estão unidos à carne; porque a “ida do espírito dista muito da vida carnal; e assim. como os seres corpóreos e os incorpóreos são genericamente diversos, assim também são distintos pelo conhecimento. E isto mesmo o confirma Agostinho, ao dizer que as almas dos mortos não têm contado com as coisas dos vivos.

Quanto às almas dos bem–aventurados, porém, diferem Agostinho e Gregório. – Pois, este no mesmo passo, acrescenta: O que, todavia, não se deve pensar, em relação as almas santas ; pois de nenhum modo se deve acreditar que ignorem algo de exterior, elas que, interiormente; vêm a claridade de Deus omnipotente. – Ao passo que Agostinho diz expressamente, que os mortos, mesmo santos, não sabem que jazem os vivos e os filhos destes, conforme está na Glossa sobre o passo da Escritura: Abraão não nos conheceu. O que ele confirma com o fado de não ser mais visitado, nem consolado nas tristezas, pela sua mãe, como quando ela vivia; não sendo provável que esta tenha se tornado mais cruel, numa vida mais feliz. E ainda porque o Senhor prometeu ao rei Josias que morreria para não ver os males que sobreviriam ao povo, como está na Escritura. Mas Agostinho explana o que fica exposto, como que duvidando e por isso disse antes: cada um aceite o que digo, como quiser. Ao passo que Gregório se exprime assertivamente, o que é claro pela sua maneira de escrever: de nenhum modo se deve acreditar. E é mais aceitável a opinião de Gregório, que as almas dos santos, que vêm a Deus, conhecem todas as causas presentes que neste mundo se passam. Pois, são iguais aos anjos, dos quais Agostinho afirma que não ignoram o que se passa entre os vivos. Como, porém, as almas dos santos estão perfeitissimamente unidas à justiça divina, não se contristam nem se ingerem nas causas dos vivos, senão na medida em que o exige a disposição da justiça divina.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ As almas dos mortos podem se ocupar com as causas dos vivos, mesmo se ignorem o estado destes; assim como nós nos ocupamos com as dos mortos, fazendo–lhes sufrágios, embora lhes ignoremos o estado. E demais, os fados dos vivos podem ser conhecidos, não por meio deles mesmos, mas pelas almas dos que vão, deste mundo, para o outro, ou pelos anjos, ou pelos demônios, ou ainda pela revelação do Espírito de Deus, como diz Agostinho, no mesmo livro.

RESPOSTA À SEGUNDA. De qualquer modo que os mortos apareçam aos vivos, isso se dá por especial dispensa de Deus, de modo que as almas deles possam imiscuir–se com as causas dos vivos; o que se deve contar entre os milagres divinos. Ou tais aparições se fazem por operações dos anjos bons ou maus, mesmo que os mortos o ignorem; assim como também os vivos, embora o ignorem, aparecem, em sonhos, a outros vivos, conforme diz Agostinho, no livro supra citado. – Por onde, pode dizer–se que Samuel apareceu por uma revelação divina, segundo a Escritura, que diz: dormiu e predisse ao rei o fim da sua vida. Ou essa aparição foi causada pelos demônios, no caso em que não se queira aceitar a autoridade do Eclesiástico, por não o contarem os Hebreus entre as Escrituras Canônicas.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Essa ignorância não procede da distância local, mas da causa predita.