Art. 1 – Se a mulher devia ter sido produzida na primeira produção das causas.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a mulher não devia ter sido produzida na primeira produção das coisas.

1. – Pois, diz o Filósofo que a fêmea é o macho falho, Ora, nada de falho e deficiente devia existir na primeira instituição das coisas. Logo, nessa primeira instituição, a mulher não devia ter sido produzida.

2. Demais. – A sujeição e a diminuição foram subsequentes ao pecado. Pois, à mulher foi dito, depois do pecado: estará sob o poder de teu marido; e como diz Gregório; no que não delinquimos somos todos iguais. Ora, a mulher tem, naturalmente, menor virtude e dignidade que o homem; pois, como diz Agostinho, sempre é mais digno de honra o agente que o paciente. Logo, a mulher não devia ter sido produzida na primeira produção das coisas, antes do pecado.

3. Demais. – Devem–se evitar as ocasiões do pecado. Ora Deus tinha presciência que a mulher havia de ser, para o homem, ocasião de pecado. Logo, não devia tê–la produzido.

Mas, em contrário, diz a Escritura: Não é bom que o homem esteja só, façamos–lhe um adjutório semelhante a ele.

SOLUÇÃO. – Era necessário que a mulher fosse feita para adjutório do homem. Não, certo, adjutório para qualquer outra obra, como alguns disseram; pois, nisso o homem pode ser ajudado, mais convenientemente, por outro homem, do que pela mulher; mas para o adjutório da geração. O que se pode compreender mais manifestamente, se se considerar o modo da geração, nos seres vivos. – Assim, certos têm conjuntamente 1) virtude da geração ativa e passiva, como acontece com as plantas, geradas da semente; pois, não há nelas nenhuma operação vital mais nobre que a geração e, por isso, a todo tempo e convenientemente, nelas, a virtude geratriz ativa vai junta com a passiva. – Porém os animais perfeitos têm a virtude gera triz ativa, no sexo masculino, e a passiva, no feminino. E como eles são capazes de alguma operação vital mais nobre que a geração, para cuja operação a vida se lhes ordena principalmente, por isso, o sexo masculino não se une com o feminino a todo o tempo, mas só no do coito. E assim podemos pensar que, pelo coito, constituem um só ser o macho e a fêmea, como na planta, a todo tempo, conjugam–se as virtudes masculina e feminina, embora em umas abunde mais uma dessas virtudes, e, noutras, a outra. – Ora, o homem se ordena a uma operação vital mais nobre, que é o inteligir. E por isso ne]e, com maior razão, devia haver a distinção entre uma e outra virtude, de modo que a fêmea fosse produzida separadamente do macho; e contudo, ambos se unissem, carnalmente, para a obra da geração. Por onde, logo depois da formação da mulher, diz a Escritura: Serão dois numa só carne.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Na sua natureza particular, a fêmea é um ser deficiente e falho. Porque a virtude ativa, que está no sémen do macho, tende a produzir um ser perfeito semelhante a si, do sexo masculino. Mas o facto de ser a fêmea a gerada provém da debilidade da virtude ativa, ou de alguma indisposição da matéria; ou ainda, de alguma transmutação extrínseca, p. ex., dos ventos austrais, que são úmidos, como diz Aristóteles. Mas, por comparação com a natureza universal, a fêmea não é um ser falho, pois está destinada, por intenção da natureza, à obra da geração. Ora, a intenção da natureza universal depende de Deus, universal autor da mesma. Por isso na instituição desta produziu não só o macho mas também a fêmea.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Há dupla sujeição. Uma servil, pela qual o superior usa do súdito, em sua utilidade, e essa sujeição foi introduzida depois do pecado. Outra é a sujeição econômica ou civil, pela qual o chefe usa dos súditos para o bem destes: e tal sujeição já existia antes do pecado. Pois faltaria o bem da ordem, na sociedade humana, se uns não fossem governados por outros, mais sábios. E assim, por essa sujeição, é que a mulher é naturalmente dependente do homem; porque este tem naturalmente maior discreção racional. Nem fica excluída a desigualdade dos homens, pelo estado da inocência, como a seguir se dirá.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Se Deus tirasse do mundo todas as coisas nas quais o homem haure ocasião de pecar, o universo ficaria imperfeito. Nem devia eliminar–se o bem comum a pretexto de evitar o mal particular; e sobretudo. Deus é de tal modo poderoso que pode fazer redundar qualquer mal, em bem.