Art. 2 – Se no estado de inocência havia geração por meio do coito.

O segundo discute–se assim. – Parece que no estado de inocência não havia geração por meio do coito.

1. – Pois, como diz Damasceno, o primeiro homem estava no paraíso terrestre como se fosse um anjo. Ora, no estado futuro da ressurreição, quando os homens forem semelhantes aos anjos, nem as mulheres terão maridos, nem os maridos mulheres, como diz a Escritura. Logo, também no paraíso não havia geração por meio do coito.

2. Demais. – Os primeiros homens foram criados em idade perfeita. Ora, se antes do pecado, eles gerassem por meio do coito, ter­se–iam, mesmo no paraíso, unido carnalmente. O que é claramente falso, conforme a Escritura.

3. Demais. – Na conjunção carnal o homem, pela veemente deleitação, assemelha­se muitíssimo aos brutos. E por isso a continência, pela qual os homens se abstêm de tais deleitações, é louvada. Ora, é pelo pecado que o homem é comparado aos brutos, conforme a Escritura: O homem, quando estava na honra, não o entendeu: foi comparado aos brutos irracionais, e se fez semelhante a eles. Logo, antes do pecado, não havia conjunção carnal do homem e da mulher.

4. Demais. – No estado de inocência não havia nenhuma corrupção. Ora, o coito corrompe a integridade da virgindade. Logo, não existia no estado de inocência.

Mas, em contrário, Deus, antes do pecado criou o homem e a mulher, como diz a Escritura. Ora, nada é vão, nas obras de Deus. Logo, mesmo que o homem não pecasse, haveria coito, para o que se ordena a distinção dos sexos.

DEMAIS. – A Escritura diz que a mulher foi feita para o auxílio do homem. Ora, esse auxílio não é senão a geração por meio do coito, pois, em qualquer outra obra, melhor seria um homem ajudado por outro, do que pela mulher. Logo, no estado de inocência, haveria a geração por meio do coito.

SOLUÇÃO. – Alguns dos antigos Doutores, considerando a vileza da concupiscência, no coito, no estado atual, ensinavam que no estado de inocência não se realizava desse modo a geração. Assim, Gregório Nisseno diz que no paraíso o gênero humano se multiplicaria como se multiplicaram os anjos, sem concúbito, por operação da divina virtude. E diz mais que Deus, antes do pecado, criou homem e mulher, prevendo o modo da geração que havia de existir depois do pecado, de que tinha preciência.

Mas tal opinião não é racional. Pois, o pecado não subtrai nem dá ao homem aquilo que lhe é natural. Ora, é manifesto que ao homem, assim como aos animais perfeitos, é natural gerar, pelo coito, à vida animal, que já tinha antes do pecado, como já se disse; e isso o indicam os membros naturais para tal fim destinados. Por onde, não se deve dizer que antes do pecado não eram esses membros naturais usados, como o eram os outros.

Ora, no coito há duas coisas a se considerarem, no estado presente. – Primeira, que é natural para a geração a conjunção do homem e da mulher, pois, em tôda geração, requer–se a virtude ativa e a passiva. Donde, em todos os seres em que há distinção dos sexos, estando a virtude activa no macho e a passiva, na fêmea, a ordem da natureza exige que para gerar unam­se ambos pelo coito. – Segunda, a deformidade da imoderada concupiscência, que não havia no estado de inocência, quando as virtudes inferiores estavam absolutamente sujeitas à razão. E, por isso, Agostinho diz: Longe de nos o pensar que não pudesse gerar–se a prole sem o morbo da libidinosidade; mas, os membros carnais, como os outros, mover–se–iam pelo império da vontade, sem ardor e estimulo sedutor, com tranquilidade da alma e do corpo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O homem, no paraíso, seria como um anjo, quanto à alma espiritual; mas teria a vida animal do corpo. Mas depois da ressurreição o homem será semelhante ao anjo, espiritualizado, quanto à alma e quanto ao corpo. Por onde, não há semelhança de razão.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz Agostinho, se os primeiros pais não se uniram no paraíso, foi porque logo depois da formação da mulher, foram dele expulsos por causa do pecado. Ou porque esperavam, da autoridade divina, da qual receberam o mandato universal, o tempo determinado para a conjunção.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como os brutos carecem de razão, o homem, na conjunção, torna–se bruto, porque o deleite do coito e o ardor da concupiscência não podem ser moderados pela razão. Mas no estado de inocência nada haveria que não fosse por esta moderado. Não que houvesse menor deleite sensível, como querem alguns; pois, este seria tanto maior quanto mais pura fosse a natureza e o corpo mais sensível; mas a virtude concupiscível não perturbaria, desordenadamente, o referido deleite, regulado pela razão, que faz, não com que este seja menor, mas com que a virtude concupiscível não se lhe torne imoderadamente inerente. E digo, imoderadamente, por causa da medida da razão. Assim o sóbrio não tem, no alimento moderadamente tomado, menor deleite que o guloso; mas o seu concupiscível concentra–se menos em tal deleite. E as palavras de Agostinho significam que do estado de inocência não está excluída a intensidade do deleite, mas o ardor da libidinosidade e a perturbação da alma. Por isso a continência, no referido estado, não seria louvável, como, no tempo atual, em que o é, não por privar da fecundação, mas pela remoção da libidinosidade desordenada. Pois então havia aquela sem esta.

RESPOSTA À QUARTA. – Como diz Agostinho, naquele estado, sem nenhuma corrupção da integridade, o marido se uniria com a mulher. E isto podia dar–se, ficando salva a integridade data, assim como agora é possível, salva a mesma integridade, uma virgem ler o fluxo menstrual. Pois, assim como no parto não seria o gemido da dor, mas o implemento do termo que distenderia as vísceras femininas, assim, na concepção, não o desejo libidinoso, mas o uso voluntário é que uniria os sexos.