Artigo 4 – Se alguém está obrigado a corrigir o seu prelado.

O quarto discute-se assim. – Parece que ninguém está obrigado a corrigir o seu prelado.

1 – Pois, diz a Escritura: Toda bula de serviço que tocar o monte será lapidada que noutro lugar, que Oza foi ferido pelo Senhor porque tocou a arca. Ora, o monte e a arca significam o prelado. Logo, este não deve ser corrigido pelos súditos.

2. Demais. – Aquilo do Apóstolo. – Eu lhe resisti na Cara – diz a Glosa: como igual. Logo, não sendo o súbito igual ao prelado, não deve corrigi-lo.

3. Demais. – Gregório diz: Não presuma corrigir a vida dos santos senão quem puder julgar­se a si mesmo melhor. Ora, ninguém pode julgar melhor de si do que do seu prelado. Logo, os prelados não devem ser corrigidos.

Mas, em contrário, Agostinho: Compadecei­vos, não só de vós mesmos, mas também dele, isto é, do prelado, que quanto mais está, dentre vós, num lugar superior, a tanto maior perigo se acha exposto. Ora, a correção fraterna é obra de misericórdia. Logo, também os prelados devem ser corrigidos.

SOLUÇÃO. – A correção, ato de justiça, aplica a coerção da pena, não cabe ao súbdito em relação ao prelado. Mas a correção fraterna, ato de caridade, incumbe a todos, relativamente a qualquer pessoa para com quem se deve ter caridade, se nela se encontrar o que deva ser corrigido. Pois, o ato procedente de um hábito ou potência abrange tudo o que está contido no objeto dessas potência ou hábito; assim como a visão abrange tudo o que está contido no objeto da vista. Mas, havendo o ato virtuoso de adaptar-se às circunstâncias devidas, a correção que os súditos aplicarem aos prelados deve ser feita de modo congruente, não o corrigindo com protérvia e dureza, mas com mansidão e reverência. Donde o dizer o Apóstolo: Não repreendas com aspereza ao velho, mas adverte-o como o pai. Por isso, Dionísio repreendeu ao monge Demófilo, por ter corrigido um sacerdote irreverentemente, maltratando-o e expulsando-o da igreja.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Toca-se indebitamente no prelado, quando ele é repreendido com irreverência ou mesmo quando deprimido. E isso é significado pelo contato do monte e da arca, proibido por Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Resistir na cara, em presença de todos, excede o modo da correção fraterna; e por isso, Paulo não teria assim repreendido a Pedro, se não lhe fosse igual, de certa maneira, na defesa da fé. Mas advertir oculta e reverentemente, também pode fazê-lo quem não é igual. Por isso o Apóstolo escreve que os súbditos advirtam o seu prelado, quando diz: Dizei a Arquipo: cumpre o teu Ministério. Devemos porém saber, que correndo iminente perigo a fé, os súbitos devem advertir os prelados mesmo publicamente. Por isso Paulo, súbito de Pedro, repreendeu-o em público, por causa de perigo iminente de escândalo, para a fé. E assim, diz a Glosa de Agostinho: O próprio Pedro deu aos maiores o exemplo de se porventura se desviarem do caminho reto, não se dedignem ser repreendidos mesmo pelos inferiores.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Presumir-se de melhor, absolutamente, que o seu prelado, é soberba presunçosa. Mas julgar-se melhor, em algum ponto, não é presunção, porque não há ninguém nesta vida que não tenha algum defeito. Donde devemos concluir que quem admoesta caridosamente o seu prelado, não se considera por isso maior que ele; mas lhe vai em auxílio a ele que, quanto mais ocupa um lugar superior, a tanto maior perigo se acha exposto, como diz Agostinho.