Artigo 1 – Se a esperança é uma virtude.

O primeiro discute-se assim. – Parece não ser a esperança uma virtude.

1. – Pois, ninguém pode usar mal da virtude, como diz Agostinho: Ora, podemos usar mal da esperança, porque ela comporta, como as outras paixões, um meio e dois extremos. Logo, a esperança não é uma virtude.

2. Demais. – Nenhuma virtude procede do mérito, porque, como diz Agostinho: Deus obra em nós a virtude, sem a nossa cooperação. Ora, a esperança provém da graça e do mérito, no dizer do Mestre das Sentenças. Logo, a esperança não é uma virtude.

3. Demais. – A virtude é uma disposição do que é perfeito, diz Aristóteles Ora, a esperança é uma disposição de quem é imperfeito, porque ainda não tem o que espera. Logo, a esperança não é uma virtude.

Mas, em contrário, Gregório diz, que as três filhas de Job significam as três virtudes: fé, esperança e caridade. Logo, a esperança é uma virtude.

SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo, a virtude torna bom quem a tem, e a sua obra. Logo e necessariamente, todo ato humano bom há de corresponder a alguma virtude humana. Mas o bem de tudo o que é regulado e medido consiste na observância da regra própria; assim, chamamos boa à roupa que não vai além nem fica aquem da medida devida. Ora, como já dissemos, os atos humanos têm dupla medida: uma próxima e homogênea, que é a razão; outra, suprema e sem igual, que é Deus. Logo, todo ato humano que esteja de acordo com a razão ou que se refira a Deus é bom. Ora, o ato da esperança, de que agora tratamos, refere-se a Deus. Pois, como já dissemos quando tratamos da paixão da esperança. o seu objeto é um bem futuro, difícil, porém, possível de ser obtido. Mas, uma coisa pode nos ser possível de dois modos: por nós mesmos, ou por outrem como se vê claramente em Aristóteles. Ora, quando esperamos uma coisa, como nos sendo possível, por meio do auxílio divino, a nossa esperança se refere a Deus mesmo, em cujo auxilio confiamos. Por onde é claro, que a esperança é uma virtude, pois, torna bom o homem e fá-lo obedecer à regra devida.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Nas paixões, o meio termo da virtude consiste na obediência à razão reta: ora, nisto mesmo também consiste a essência da virtude. Por onde, o homem atinge o bem da virtude da esperança, quando por ela busca a regra devida, que é Deus. Portanto, ninguém pode usar mal da esperança, que busca a Deus, como não o pode, da virtude moral obediente à razão; pois, o fato mesmo de se lhe submeter já é usar bem da virtude. Embora a esperança, de que agora tratamos não seja uma paixão, mas um hábito do intelecto, como a seguir se demonstrará.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Diz-se que a esperança provém do mérito, levando-se em consideração aquilo mesmo que é esperado; isto é, quando esperamos alcançar a felicidade, por graça ou por mérito. Ou levando-se em consideração o ato da esperança perfeita. Mas o hábito mesmo da esperança, pelo qual esperamos a felicidade, não é causado pelo mérito, mas puramente pela graça.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem espera é, certo, imperfeito, relativamente ao que espera obter e que ainda não tem. Mas é perfeito por já se haver submetido à regra própria, que é Deus, com cujo auxílio conta.