Art. 1 – Se um homem está obrigado a obedecer a outro

O primeiro discute–se assim. – Parece que um homem não está obrigado a obedecer a outro.

1. – Pois, não devemos fazer nada contra o que Deus determinou. Ora, Deus determinou que o homem se governe pelo seu conselho, como se lê na Escritura: Deus criou o homem desde o princípio e o deixou na mão do seu conselho. Logo, um homem não está obrigado a obedecer a outro.

2. Demais. – Se um homem estivesse obrigado a obedecer a outro, necessariamente havia de ter a vontade de quem lhe manda, como regra do agir humano. Logo, o homem não está obrigado a obedecer senão a Deus.

3. Demais. – Os serviços, quanto mais gratuitos, tanto melhor aceitos. Ora, o que fazemos por dever não é gratuito. Logo, se tivéssemos de obedecer a outrem, ao praticarmos as boas obras, por isso mesmo essas, feitas por obediência, se tornariam menos aceitáveis. Logo, um homem não está obrigado a obedecer a outro.

Mas, em contrário, manda o Apóstolo: Obedecei a vossos superiores e sede–lhes sujeitos.

SOLUÇÃO. – Assim como a ação dos seres naturais procede de potências naturais, assim, os atos humanos, da vontade humana. Ora, na ordem natural, os seres superiores necessariamente movem os inferiores para os atos destes, por causa de uma virtude natural conferida por Deus. Por onde e necessariamente, também na ordem humana, os superiores pela sua vontade e em virtude da autoridade que Deus lhes conferiu, movem os inferiores. Ora, mover por meio da razão e da vontade é mandar. Logo, assim como em virtude mesmo da ordem natural instituída por Deus, os inferiores, na ordem natural, hão de necessariamente sujeitar–se à moção dos superiores, assim também, na ordem humana, por disposição de direito natural e divino, os inferiores estão obrigados a obedecer aos seus superiores.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Deus deixou o homem na mão do seu conselho, não para lhe ser lícito fazer o que quiser, mas como não estando obrigado, por necessidade de natureza, a fazer o seu dever, como as criaturas irracionais, mas, por livre eleição procedente do seu conselho próprio. E assim como, para agir, em geral, deve se apoiar no seu conselho próprio, assim também o deve, quando se trata de obedecer aos superiores; pois como diz Gregório, sujeitando–nos humildemente às ordens de outrem, elevamo–nos aos nossos próprios olhos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A vontade divina é a regra primeira a que estão sujeitas todas as vontades racionais, da qual uma destas se aproxima mais que outra, segundo a ordem instituída por Deus. Por onde, a vontade de quem manda pode ser como que segunda regra à vontade de quem obedece.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Uma obra pode ser considerada gratuita, de dois modos. Primeiro, em si mesma; quando, por exemplo, não estamos obrigados a fazê–la. De outro modo, quanto a quem a pratica, por fazê–la de livre vontade. Ora, uma obra se torna virtuosa, louvável e meritória, sobretudo por proceder da vontade. Por onde, embora devamos obedecer, se o fizermos com vontade pronta, nem por isso se nos diminui o mérito, sobretudo perante Deus, que vê não somente as obras exteriores, mas também a vontade interior.