Artigo 1 – Se sem pecado mortal pode o acusado negar a verdade que o condenaria.

O primeiro discute-se assim. – Parece que sem pecado mortal pode o acusado negar a verdade que o condenaria.

1. – Pois, diz Crisóstomo: Não te digo que te denuncies em público nem te acuses na presença de outrem. Ora, se o acusado confessasse a verdade em juízo, a si mesmo se denunciaria e acusaria. Logo, não está obrigado a dizer a verdade. E portanto não peca mortalmente se mentir em juízo.

2. Demais. – Assim como a mentira oficiosa tem por fim livrar a outrem da morte parece que tem esse mesmo fim quando por ela queremos nos livrar da morte a nós mesmos, pois, mais devemos a nós que aos outros. Ora, a mentira oficiosa não é considerada pecado mortal, mas venial. Logo, o acusado que negar a verdade em juízo, para livrar­se da morte, não peca mortalmente.

3. Demais. – Todo pecado. mortal é contrário. à caridade, como já se disse! Ora, a mentira do acusado, para se escusar do pecado que lhe é atribuído, não contraria à caridade, nem quanto ao amor de Deus nem quanto ao do próximo. Logo, tal mentira não é pecado mortal.

Mas, em contrário. – Tudo o que é contrário à glória divina é pecado mortal, pois um preceito nos manda fazer tudo para a glória de Deus, como diz o Apóstolo: Ora, o confessar o réu o que lhe é contrário pertence à glória de Deus, como se vê claramente por aquilo que Josué diz a Acar: Ó meu filho, da glória ao Senhor Deus de Israel, e confessa-me e declara-me o que fizeste; não o ocultes. Logo, mentir para escusar o pecado é pecado mortal.

SOLUÇÃO. – Quem age contra o que deve a justiça peca mortalmente, como dissemos. Ora, é um dever de justiça obedecer ao superior em matéria a que se estende o seu direito de superior. Ora, o juiz, como já dissemos, é superior daquele a quem julga. Logo, o acusado tem o dever de expor-lhe a verdade que ele exige na forma do direito. E portanto, se não quiser confessar a verdade, como deve, ou, se a negar com mentira, peca mortalmente. Se porém, o juiz exigir o que não pode, na forma do direito, o acusado não está obrigado a responder-lhe, mas pode evadir-se à resposta apelando ou por outro mero lícito. Não lhe é contudo, lícito dizer mentira.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Quem é interrogado pelo juiz, na forma do direito, não se denuncia a si mesmo mas, é denunciado por outro, por lhe ser imposta a necessidade de responder por aquele a quem está obrigado a obedecer.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Mentir para livrar alguém da morte, em detrimento de outrem, não é mentira simplesmente oficiosa, mais vai junto com algo de pernicioso. Por onde, quem mente em juízo para escusar-se faz injúria aquele a quem deve obedecer, negando-lhe a confissão da verdade, que lhe deve.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem mente em juízo para se escusar age tanto contra o amor de Deus, a quem pertence julgar, como contra o do próximo; e isso quer relativamente ao juiz, a quem nega o devido; quer relativamente ao acusador, que será punido se apresentar prova falha. Por isso, a Escritura diz: Não torças o meu coração a palavras de malícia para buscar escusas no pecado. O que comenta a Glosa: É costume dos imprudentes, quando apanhamos, escusarem-se dizendo falsidades. E Gregório, expondo aquilo de Jô – Se encobií como homem o meu pecado – diz: É vício habitual do gênero humano cometer o pecado às ocultas; esconder, negando, o pecado cometido, e multiplicar os ultrajes para se defender.