Artigo 13 – Se pode haver prudência nos pecadores.

O décimo terceiro discute-se assim. – Parece que pode haver prudência nos pecadores.

1. – Pois, diz o Senhor: Os filhos deste século são mais sábios na sua geração que os filhos da luz. Ora, os filhos deste século são os pecadores. Logo, nos pecadores pode haver prudência.

2. Demais. – É a fé virtude mais nobre que a prudência. Ora, pode haver fé nos pecadores. Logo, também prudência.

3. Demais. – Consideramos o aconselhar bem como a obra por excelência do prudente, diz Aristóteles. Ora, muitos pecadores são de bom conselho. Logo, muitos pecadores têm prudência.

Mas, em contrário, diz o Filósofo: É impossível alguém ser prudente sem ser bom. Ora, nenhum pecador é bom. Logo, nenhum pecador é prudente.

SOLUÇÃO. – A prudência tem tríplice significação. Pois, há uma prudência falsa, assim chamada por semelhança. Porque, como o prudente é o que dispõe bem o que deve fazer, para alcançar um fim bom, assim o que dispõe meios convenientes para alcançar um mau fim, tem a falsa prudência, por não ser um verdadeiro bem aquilo que se propõe como fim. É pois prudente por semelhança, como, no mesmo sentido, dizemos que um ladrão é bom. Pois, desse modo, por semelhança, podemos chamar prudente ao ladrão, que descobre os meios convenientes para roubar. E tal é a prudência a que se refere o Apóstolo: A prudência da carne é morte, porque põe o fim último no prazer da carne.

Na segunda acepção, a prudência é verdadeira, certo, porque descobre os meios acomodados a um fim verdadeiramente bom; mas é imperfeita, por duas razões. – Primeiro, porque esse bem, que toma como fim, não é o fim comum de toda a vida humana, mas o de um negócio particular. Por exemplo, quem encontra os meios acomodados a negociar ou a navegar, é chamado negociante ou nauta prudente. – Segundo, porque lhe falta o ato principal da prudência; por exemplo, quando alguém se aconselha com acerto e julga retamente, mesmo do que concerne a toda a vida, mas não ordena eficazmente.

Na terceira acepção, a prudência é verdadeira e perfeita, que, sobre o fim bom de toda a vida humana, aconselha retamente, julga e ordena. E só esta é a chamada prudência propriamente dita, e que não pode existir nos pecadores, em quem só existe a prudência, no primeiro sentido. Ao passo que a prudência imperfeita é comum aos bons e aos maus, sobretudo a imperfeita por causa do seu fim particular. Pois, a imperfeita por causa da falta do ato principal também sô existe nos maus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A palavra citada do Senhor entende-se relativamente à primeira espécie de prudência. Por isso, os filhos do século não são chamados prudentes, absolutamente falando, mas na sua geração.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A fé não implica, por essência, nenhuma conformidade com o desejo das boas obras; mas a essência da fé está só no pensamento. A prudência porém implica relação com o apetite reto. Quer porque os princípios da prudência são os fins das ações, dos quais julgamos retamente pelos hábitos das virtudes morais, que tornam reto o apetite; por onde, a prudência não pode existir sem as virtudes morais, como já se demonstrou. Quer porque a prudência é a ordenadora das boas obras, o que não é possível se não existe o apetite reto. Por isso, embora a fé seja mais nobre que a prudência, por causa do seu objeto, contudo a prudência, pela sua natureza, repugna mais ao pecado, o que procede da perversidade do apetite.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Certo, os pecadores podem ter bom conselho conducente a um fim mau, ou a algum bem particular. Mas não têm bom conselho perfeito para alcançar o fim bom de toda a vida, porque não conduzem à efetivaçâo o conselho. Por isso, não há neles prudência, que só tem por objeto o bem. Mas, como diz o Filósofo há nesses tais a Ol Y,)’t’1)’tCl: isto é, uma indústria natural que tem por objeto tanto o bem como o mal; ou a astúcia, cujo objeto é só o mal, e à qual denominamos acima falsa prudência ou prudência da carne.