Art. 2 – Se pode haver uma virtude reguladora dos divertimentos.

O segundo discute–se assim. – Parece que não pode haver nenhuma virtude reguladora dos divertimentos.

1. – Pois, afirma Ambrósio, que o Senhor diz: Ai de vós, os que rides, porque chorareis. Por onde, sou de opinião, que devemos evitar não só os divertimentos dissipados, mas todos. Ora, não devemos totalmente evitar o que podemos fazer virtuosamente. Logo não pode haver virtude reguladora dos divertimentos.

2. Demais. – A virtude é o meio pelo qual Deus age sobre nós sem nós, como se disse. Ora, Crisóstomo diz: Não é Deus a causa dos divertimentos, mas, o diabo. Ouve o que às vezes aconteceu com os que se divertem: O povo se assentou a comer e beber e depois se levantaram a divertir–se. Logo, não pode haver uma virtude reguladora dos divertimentos.

3. Demais. – O Filósofo diz, que as diversões não visam nenhum fim útil. Ora, a virtude exige que quem escolhe o faça para algum fim, como está claro no Filósofo. Logo, não há nenhuma virtude reguladora dos divertimentos.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Concedo, pois, que a ti mesmo te poupes; porque convém às vezes o sábio afrouxar a contenção, que põe na prática dos seus atos. Ora, essa remissão da alma, na prática dos seus atos, dá–se pelas palavras e obras diversivas. E o Filósofo também faz dos divertimentos a matéria da virtude da eutrapélia, a qual nós podemos chamar a amabilidade.

SOLUÇÃO. – Assim como precisamos de repouso corporal para fortalecer o corpo, porque não pode trabalhar continuamente, por ter uma virtude finita, proporcionada a determinados trabalhos, assim a alma, cuja virtude também é finita e proporcionada a determinadas operações. Por isso, quando se aplica a certas operações de modo excessivo, consome–se e fatiga–se; sobretudo porque também o corpo se consome simultaneamente com a atividade da alma; pois, a alma intelectiva se serve de forças, que operam por meio de órgãos corpóreos. Ora, os bens sensíveis são conaturais ao homem. Por onde o elevar–se a alma sobre o sensível, entregue à atividade racional é causa de uma certa fatiga psíquica, quer nos apliquemos à atividade da razão prática, quer à da especulativa; mas, sobretudo, se nos entregarmos à atividade contemplativa, pela qual mais nos elevamos acima do sensível; embora talvez em certos atos exteriores da razão prática seja maior o trabalho do corpo. Em ambos os casos, porém, tanto mais se nos fatiga a alma, quanto mais veementemente nos damos à atividade racional. Ora, assim como a fatiga corpórea desaparece pelo repouso do corpo; assim também o cansaço da alma, pelo descanso dela. Mas, o descanso da alma é o prazer, como estabelecemos, quando tratamos das paixões. Por onde, é necessário buscar o remédio à fatiga da alma nalgum prazer, afrouxando o esforço com que nos entregamos à atividade racional. Assim, nas Conferências dos Padres se conta de S. João Evangelista que, tendo alguém se escandalizado pelo ver brincando com os discípulos, mandou um deles buscar um arco para disparar uma seta, O que, como o tivesse feito repetidamente, perguntou­lhe se podia continuá–la sem parar. Respondeu­lhe, que se assim procedesse continuadamente, o arco haveria de quebrar–se. Donde concluiu S. João, que do mesmo modo, quebrar–se–ia a alma do homem, se nunca relaxasse a contenção do seu agir. Ora, as palavras ou obras, com as quais só buscamos a diversão da alma, chamam–se lúdicas ou jocosas. Por onde, é necessário usar delas, às vezes, como de um repouso para a alma. E é o que diz o Filósofo, quando ensina, que na conversação desta vida, gozamos de um certo repouso com os divertimentos. Por onde, é necessário recorrer a eles de tempos a tempos.

Mas devemos tomar, nessa matéria, tríplice cautela. – Primeiro e principalmente, não devemos nos com prazer em quaisquer atos ou palavras torpes ou nocivas. Por isso, diz Túlio, que há uma espécie de divertimento indecorosa, impudente, flagiciosa, obscena. – A segunda cautela a tomar é que a gravidade da alma não desapareça de todo. Por isso, diz Ambrósio: Acautelemo–nos, ao querer dar descanso à alma, para não destruirmos totalmente a harmonia, que é um como concento das boas obras. E Túlio acrescenta que assim como não permitimos às crianças, toda espécie de divertimentos senão só os que se coadunam com a honestidade, assim também sejam, nas próprias diversões iluminadas pelo facho da probidade. – E em terceiro lugar, devemos atender a que, como em todos os demais atos humanos, convenham os divertimentos à pessoa, ao tempo e ao lugar e se ordenem segundo as demais circunstâncias devidas: isto é, sejam dignos do tempo e do homem, como ensina Túlio no mesmo passo.

Ora, os divertimentos se ordenam pela regra da razão. Mas, o hábito, que opera conforme a razão é a virtude moral. Portanto, pode haver uma virtude reguladora dos divertimentos, a que o Filósofo chama eutrapélia. E a expressão – boa conversão – é a que nos faz chamar eutrapélico a quem converte acertadamente as palavras ou obras em repouso. E essa virtude, enquanto nos refreia a imoderação nos divertimentos, está contida na modéstia.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA 0BJEÇÃO. – Como dissemos, os divertimentos devem convir à matéria e as pessoas. Por isso, Túlio diz, que quando os ouvintes estão cansados, não é inútil tomar o orador um assunto novo ou risível, contanto que a dignidade da matéria tratada não exclua a possibilidade da distração. Ora, a doutrina sagrada versa sobre matéria da máxima importância, conforme a Escritura: Ouvi, porque vos tenho de falar acerca de grandes coisas. Por isso, Ambrósio não exclui universalmente o divertimento, da conversação; mas, da doutrina sagrada. Pelo que, disse antes: Embora às vezes os divertimentos sejam honestos e deleitáveis, contudo não se coadunam com a regra de vida eclesiástica; pois, o que não encontramos nas Sagradas Escrituras, como podemos admiti–lo?

RESPOSTA À SEGUNDA. – As palavras de Crisóstomo devem entender–se daqueles, que se entregam desordenadamente aos divertimentos; e sobretudo dos que põem o seu fim nos prazeres, como os de quem diz a Escritura: Julgaram, que a nossa vida era um divertimento contra o que diz Túlio: Não fomos gerados pela natureza, para nos considerarmos feitos para os divertimentos e para o jogo; mas, antes, para a severidade de vida e para certos estudos mais graves e maiores.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O ato mesmo de nos divertirmos não se ordena especificamente para nenhum fim. Mas, o prazer, que sentimos nos atos de diversão, ordenam–se a uma certa recreação e ao descanso da alma. E, neste sentido, se procedermos moderadamente, podemos buscar o divertimento. Donde o dizer Túlio: Por certo podemos nos dar ao divertimento e ao jogo; mas, como ao sono e aos demais descansos, só quando tivermos satisfeito às coisas graves e sérias.