Art. 1 – Se a vida ativa é mais principal que a contemplativa.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a vida ativa é mais principal que a contemplativa.

1. – Pois o que pertence a melhores parece ser mais digno de honra e melhor, como diz o Filósofo. Ora, a vida ativa é própria dos maiores, isto é, dos prelados, investidos de honra e poder. E por isso diz Agostinho, que entregando–nos à vida ativa neste mundo não devemos visar a honra nem o poder. Logo, parece que a vida ativa é mais principal que a contemplativa.

2. Demais. – Em todo gênero de hábito e de atos mandar é próprio do mais principal; assim, a arte militar, como sendo mais principal, regula a de fazer freios. Ora, é vida ativa pertence dispor e regular a contemplativa, como é claro pelas palavras de Moisés: Desce e notifica ao povo não suceda que para ver o Senhor queira passar os limites. Logo, a vida ativa é mais principal que a contemplativa.

3. Demais. – Ninguém deve deixar o maior para buscar o menor; assim, diz o Apóstolo: Aspirai aos dons melhores. Ora, – alguns deixam de lado o estado da vida contemplativa e se entregavam à vida ativa; tal o caso dos que assumem o estado de superior. Logo, parece que a vida ativa é mais principal que a contemplativa.

Mas, em contrário, diz o Senhor: Maria escolheu a melhor parte que lhe não será tirada. Ora, Maria significa a vida contemplativa. Logo, a vida contemplativa é mais principal que a ativa.

SOLUÇÃO. – Nada impede ser em si mesmo mais excelente o que contudo é, de certo modo, inferior. Ora, devemos dizer que a vida contemplativa é, absolutamente considerada, melhor que a ativa. O que o Filósofo o prova por oito razões. – A primeira é que a vida contemplativa convém ao homem pelo que ele tem de melhor, que é o intelecto, e tem objetos mais próprios, que são os inteligíveis. Por isso o nome de Raquel, símbolo da vida contemplativa, se interpreta visão do princípio; ao passo que a vida ativa, como ensina Gregório, é simbolizada por Lia, a de olhos remelosos. – Segundo, porque a vida contemplativa pode ser mais contínua, embora não quanto ao sumo grau da contemplação, como dissemos. Por isso de Maria, símbolo da vida contemplativa, diz o Evangelho que sempre estava assentada aos pés do Senhor. – Terceiro, porque o prazer da vida contemplativa é maior que o da ativa. E por isso diz Agostinho, que enquanto Marta cuidava, Maria se deliciava. ­ Quarto, porque na vida contemplativa, que exige poucas causas, o homem basta–se mais a si mesmo. Donde o dizer o Evangelho: Marta, Marta, tu andas muito inquieta e te embaraças com o cuidar em muitas coisas. – Quinto, porque a vida contemplativa é em si mesma digna de maior amor; ao passo que a vida ativa se ordena para ela. Por isso diz a Escritura: Uma só coisa pedi ao Senhor, esta tornarei a pedir que habite eu na casa do Senhor todos os dias da minha vida para ver as delícias do Senhor. ­

Sexto, porque a vida contemplativa supõe uma certa vacação e repouso, segundo a Escritura: Cessai e vede que eu vou a Deus. – Sétimo porque a vida –contemplativa se entrega às coisas de Deus, ao passo que a vida ativa se aplica às coisas humanas. Por isso diz Agostinho: No princípio era o Verbo a que ouvia Maria; e o verbo se fez carne – a quem Marta servia. ­ Oitavo, porque a vida contemplativa convém ao homem pelo que mais próprio lhe é, a saber, o intelecto; ao passo que das operações da vida ativa participam também as faculdades inferiores, que nos são comuns com os brutos. Por isso depois de a Escritura ter dito – Tu salvarás os homens e as bestas – ajunta, especialmente para os homens: No teu lume veremos o lume. ­ A nona razão o Senhor a acrescenta, quando diz: Maria escolheu a melhor parte que não lhe será tirada. O que assim expõe Agostinho: Não por ser a tua parte má, mas é que ela escolheu a melhor. E ouve: a melhor, porque não lhe será tirada; ao passo que tu perderás um dia esse encargo a ti imposto pela necessidade; pois é eterna a doçura da verdade.

Mas pode acontecer que, num caso dado, seja mais para se escolher a vida ativa, por causa das necessidades da vida presente. Assim, o Filósofo também diz: Filosofar é melhor que ganhar dinheiro; mas ganhar dinheiro é melhor para quem sofre necessidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os prelados não somente devem–se entregar à vida ativa mas ainda ser excelentes na contemplativa. Por isso Gregório diz: Seja o superior o primeiro na ação, sem deixar de viver enlevado, mais que todos, na contemplação.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A vida contemplativa supõe uma certa liberdade da alma. Pois, como diz Gregório, a vida contemplativa nos dá uma certa liberdade do espírito, aplicado às coisas eternas, sem cogitar das temporais. E Boécio: As almas humanas hão de necessariamente ser mais livres, quando se mantêm na contemplação do pensamento divino; menos livres, ao contrário, quando recaem no mundo dos corpos. Por onde é claro, que a vida ativa não dá diretamente regras, à vida contemplativa; mas, dispondo para ela, ordena a prática de certos atos, servindo assim, antes, à vida contemplativa do que lhe dando regras. Por isso diz Gregório, que a vida ativa é considerada escravidão e a contemplativa, a liberdade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – As vezes, premido pelas necessidades, temos de deixar a contemplação para nos darmos às obras da vida ativa; mas não de modo que devamos abandonar completamente a contemplação. Por isso diz Agostinho: O amor da verdade deseja um santo repouso. Mas, a caridade, se for preciso, faz–nos aceitar um justo trabalho, isto é, o da vida ativa. Se ninguém, contudo, nos impuser essa carga entreguemo–nos ao estudo e à contemplação da verdade. Mas, sendo–nos ela imposta, a caridade mesmo nos impõe a necessidade de aceitá–la. Nem por isso, contudo, devemos abandonar de todo a doce contemplação da verdade, não seja que, privados dessa suavidade, sintamos a opressão da necessidade. Por onde é claro que quem é chamado da vida contemplativa para a ativa, não sofre um subtração, mas deve fazer antes uma adição.