Art. 2 — Se a Santa Virgem foi santificada antes de ser animada.

O segundo discute-se assim. — Parece que a Santa Virgem foi santificada antes de ser animada.

1 – Pois, como se disse, mais graças foram conferidas à Virgem Mãe de Deus, que a qualquer santo. Ora, a certos foi concedido o serem santificados antes da animação. Pois, diz a Escritura: Antes que eu te formasse no ventre de tua mãe, te conheci; ora, a alma não é infundida antes da formação do corpo. Semelhantemente, diz, de João Batista, Ambrósio: Ainda não tinha o espírito da vida e já nele existia o Espírito da graça. Logo, com muito maior razão, a Santa Virgem podia ser santificada, antes da animação.

2. Demais. — Era conveniente, como diz Anselmo, que a Santa Virgem resplendesse pela maior pureza possível, logo abaixo de Deus. Donde o dizer a Escritura: Toda tu és formosa, amiga minha, e em ti não há mácula. Ora, maior seria a pureza da Santa Virgem se nunca a sua alma tivesse sido inquinada do contágio do pecado original. Logo, foi-lhe concedida a santificação da carne, antes de animada.

3. Demais. — Como se disse, não se celebra festa senão de quem é santo. Ora, certos celebram a festa da Conceição da Santa Virgem. Logo, parece que foi santa na sua concepção mesma. E assim foi santificada antes da animação.

4. Demais. — O Apóstolo diz: Se a raiz é Santa, também os ramos. Ora, a raiz dos filhos são os seus pais. Logo, a Santa Virgem também podia ser santificada nos seus pais antes da animação.

Mas, em contrário, as coisas do Antigo Testamento são as figuras do Novo, conforme aquilo do Apóstolo: Todas estas coisas lhes aconteciam a eles em figura. Ora, parece que a santificação do tabernáculo, do qual diz a Escritura — santificou o seu tabernáculo o Altíssimo — significa a santificação da Mãe de Deus, chamada também pela Escritura, tabernáculo de Deus, como se lê: No sol pôs o seu tabernáculo. E do tabernáculo foi ainda dito: Depois de acabadas todas estas coisas, cobriu uma nuvem o tabernáculo do testemunho e a glória do Senhor o encheu. Logo, também a Santa Virgem não foi santificada, senão depois de perfeitas todas as suas partes, isto é, o corpo e a alma.

SOLUÇÃO. — Dupla razão podemos dar, da santificação da Santa Virgem, antes de animada. A primeira é que, a santificação, de que tratamos não é mais que a purificação do pecado original; pois, a santidade é a pureza perfeita, como diz Dionísio. Ora, a culpa só pode ser delida pela graça, cujo sujeito só é a criatura racional. E por isso, antes, da infusão da alma racional, a Santa Virgem não foi purificada. — Segundo, porque, sendo susceptível de culpa só a criatura racional, o ser concebido não é contaminado pela culpa senão depois da infusão da alma racional. Assim, de qualquer modo que a Santa Virgem fosse santificada, antes da animação, não teria nunca incorrido na mácula da culpa original; e, portanto, não teria precisado da redenção e da salvação, operada por Cristo, de quem diz o Evangelho: Ele salvará o seu povo dos pecados deles. Ora, é inadmissível que Cristo não seja o Salvador de todos os homens, como diz o Apóstolo. – Donde se conclui, que a santificação da Santa Virgem se deu depois da sua animação.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Quando o Senhor diz que conheceu Jeremias, antes de formado no ventre materno, isso se entende, pela ciência de predestinação; mas diz que o santificou, não antes de formado, mas antes de saído do ventre materno. — Quanto ao dizer Ambrósio, que João Batista ainda não tinha o espírito da vida e já tinha o Espírito da graça, não se deve entender como significando o espírito da vida a alma vivificante, mas significando espírito o ar exterior respirado. Ou podemos dizer, que ainda não tinha o espírito da vida, isto é, a alma, nas suas operações manifestas e completas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O não ter sido nunca a alma da Santa Virgem inquinada do contágio do pecado original, se oporia à dignidade de Cristo, como Salvador universal de todos. Por isso, logo abaixo de Cristo, que não precisava ser salvo, como Salvador universal, a máxima pureza foi a de Santa. Virgem. Pois, Cristo de nenhum modo contraiu o pecado original, mas foi santo desde a sua conceição, segundo aquilo do Evangelho: O santo que há de nascer de ti será chamado Filho de Deus. Mas, a Santa Virgem contraiu por certo o pecado original, sendo contudo dele purificada, antes de nascida do ventre materno. E é o que significa a Escritura quando diz, referindo-se à noite do pecado original. Espere a luz, isto é, Cristo, e não a veja – porque nada mais manchado cai nela; nem o nascimento da aurora quando raia, isto é, da Santa Virgem, que, no seu nascimento, foi imune do pecado original.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora não celebre a Igreja Romana a Conceição da Santa Virgem, tolera contudo o costume de certas igrejas celebrarem essa festividade. Por isso, não deve essa celebração ser totalmente reprovada. Nem o fato, porém, de ser celebrada a festa da Conceição, significa que a Virgem foi santa na sua Conceição. Mas sim, que por se lhe ignorar o tempo da santificação, celebram-lhe a festa da santificação, antes que a da conceição, no dia da conceição.

RESPOSTA À QUARTA. — Há duas espécies de santificação. — Uma, de toda a natureza, isto é, enquanto que toda a natureza é liberada totalmente da corrupção da culpa e da pena. O que se dará na ressurreição. — Outra é a santificação pessoal, que não se transmite à prole carnalmente gerada, porque não diz respeito essa santificação à carne, mas, ao espírito. Por onde, se os pais da Santa Virgem foram purificados do pecado original, contudo a Santa Virgem não deixou de contrair o pecado original, por ter sido concebida na concupiscência da carne e pela conjunção do homem e da mulher. Assim, diz Agostinho: Tudo o nascido do concúbito é carne de pecado.