Art. 4 — Se pela santificação no ventre materno a Santa Virgem foi preservada de todo pecado atual.

O quarto discute-se assim. — Parece que, pela santificação no ventre materno, a Santa Virgem não foi preservada de todo pecado atual.

1. — Pois, como se disse, depois da primeira purificação, permaneceu na Virgem a inclinação para o pecado. Ora, o movimento da concupiscência, mesmo se prevenir a razão, é pecado venial, embora levíssimo, como diz Agostinho. Logo, na Santa Virgem houve algum pecado venial.

2. Demais. — Aquilo do Evangelho — Uma espada transpassará a tua mesma alma — diz Agostinho, que a Santa Virgem, na morte do Senhor, duvidou por causa da sua dor imensa. Ora, duvidar da fé é pecado. Logo, não foi preservada imune de todo pecado.

3. Demais. — Crisóstomo, expondo aquilo do Evangelho — Olha que tua mãe e teus irmãos estão ali fora e te buscam — diz: É manifesto que só por vanglória o faziam. E aquele outro lugar do Evangelho — não tem vinho — diz o mesmo Crisóstomo, que ela queria assim fazer-lhes uma graça e tornar-se mais ilustre, pelo seu Filho; e talvez resolvia algo de humano em seu coração, como os seus irmãos que diziam — manifesta-te a ti mesmo ao mundo. E logo depois acrescenta: Ainda não tinha dele a opinião que devia ter. O que tudo constitui pecado. Logo, a Santa Virgem não foi preservada imune de todo pecado.

Mas, em contrário, Agostinho: Quando se trata da Santa Virgem, de nenhum modo admito que se fale em pecado, por causa da honra de Cristo. Não podemos duvidar tivesse ela recebido uma graça excepcional para vencer inteiramente o pecado, pois mereceu conceber e dar a luz àquele que sabemos foi absolutamente isento de pecado.

SOLUÇÃO. — Aqueles que Deus escolhe para algum fim, ele os prepara e dispõe, para serem idôneos ao fim para que foram escolhidos, segundo aquilo do Apóstolo: O qual nos fez idôneos ministros do Novo Testamento. Ora, a Santa Virgem foi divinamente escolhida para ser a Mãe de Deus. E por isso não devemos duvidar não a tenha Deus tornado idônea para tal, pela sua graça, segundo o anjo lhe anunciou: Achaste graça diante de Deus – eis conceberás, etc. Ora, não teria sido idônea para Mãe de Deus, se algum pecado tivesse cometido. — Quer porque a honra dos pais redunda para os filhos, segundo a Escritura: A glória dos filhos são os pais deles; e, por oposição, a ignomínia da mãe redundaria para o Filho. — Quer também porque tinha uma singular afinidade com Cristo, que dela recebeu a carne. Donde o dizer o Apóstolo: Que concórdia entre Cristo e Belial? – Quer ainda porque de um modo singular o Filho de Deus, que é a sabedoria de Deus, nela habitou; não só na alma, mas também no ventre. Assim, diz a Escritura: na alma maligna não entrará a sabedoria, nem habitará no corpo sujeito a pecados. – E por isso devemos pura e simplesmente confessar que a Santa Virgem não cometeu nenhum pecado atual, nem mortal e nem venial, de modo que nela se cumpriu o lugar da Escritura: Toda tu és formosa, amiga minha, e em ti não há mácula, etc.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Na Santa Virgem, depois de santificada no ventre, permaneceu por certo a inclinação para o pecado, mas sem produzir efeitos, não podendo por isso prorromper em nenhum movimento desordenado, que prevenisse a razão. E embora para isso contribuísse a graça da santificação, contudo para tal não bastava; do contrário, em virtude dessa graça, lhe teria sido concedido não existir nenhum movimento nos seus sentidos que não fosse prevenido pela razão; e então, nenhuma concupiscência teria, o que vai contra o já estabelecido. Donde devemos concluir, que o complemento a essa paralisação da concupiscência proveio da divina providência, que não permitia brotar nenhum movimento desordenado, da concupiscência.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Às referidas palavras de Simeão Orígenes, certos outros doutores as aplicam a dor sofrida por Cristo na paixão. – Quanto a Ambrósio, pela espada entende significar a prudência de Maria, não ignorante do mistério celeste. Pois, vivo é o verbo de Deus, válido e mais agudo que toda espada de dois gumes. – Outros, porém, entendem por isso a espada da dúvida não devendo, porém, entender-se se por esta a dúvida da infidelidade, mas a da admiração e da discussão. Assim, diz Basílio, que a Santa Virgem, aos pés da cruz e presenciando tudo o que se passou, depois mesmo do testemunho de Gabriel, depois do inefável conhecimento da divina concepção, depois da ingente realização dos milagres, flutuava na sua alma, vendo, de um lado, as humilhações que sofria seu Filho e, de outro, as maravilhas que realizava.

RESPOSTA À TERCEIRA. — As palavras citadas de Crisóstomo são exageradas. Podem, porém, ser interpretadas de modo a significar que o Senhor coibiu, não o movimento desordenado da vanglória, em si mesma, mas em relação à opinião que podiam ter os outros.