Art. 1 — Se a natividade de Cristo devia ser manifesta a todos.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a natividade de Cristo devia ser manifesta a todos.

1. — Pois, uma promessa deve ser cumprida. Ora, da promessa do advento de Cristo diz a Escritura: Deus virá manifestamente. Ora, veio pela natividade da carne. Logo, parece que a sua natividade devia ser manifesta a todos.

2. Demais. — O Apóstolo diz: Jesus Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores. Ora, isso só se dá por se lhes manifestar a graça de Cristo, segundo ainda o Apóstolo: A Graça de Deus nosso Salvador apareceu a todos os homens, ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às paixões mundanas, vivamos neste século sóbria, justa e piamente. Logo, parece que a natividade de Cristo devia ser manifesta a todos.

3. Demais. — Deus é, por excelência, inclinado à compaixão, segundo a Escritura: As suas misericórdias são sobre todas as suas obras. Ora, no seu segundo advento, quando julgar as justiças, virá de um modo manifesto a todos, segundo o dito do Evangelho: Como um relâmpago sai do oriente e se mostra até o ocidente, assim há de ser também a vida do Filho do Homem. Logo, com muito maior razão, a sua primeira ainda, quando nasceu neste mundo, segundo a carne, devia ser manifesta a todos.

Mas, em contrário, a Escritura: Tu verdadeiramente és um Deus escondido, o Deus d’Israel, o salvador. E noutro lugar: O seu rosto se achava como encoberto e parecia desprezível.

SOLUÇÃO. — A natividade de Cristo não devia ser, em geral, manifesta a todos. – Primeiro, porque teria assim ficado impedida a redenção humana, que havia de realizar-se pela sua cruz; pois, como diz o Apóstolo, se eles a conheceram, não crucificaram nunca ao Senhor da glória. – Segundo, por que ficaria diminuído o mérito da fé, pela qual viera justificar os homens, segundo o Apóstolo: A justiça de Deus é infundida pela fé de Jesus Cristo. Se, pois, por indícios manifestos, a natividade de Cristo fosse, na ocasião do seu nascimento, manifesta a todos, desapareceria a razão de ser da fé, que é um argumento das coisas que não aparecem. – Terceiro, porque lançaria dúvidas sobre a verdade da sua humanidade. Por isso diz Agostinho: Se não mudasse de idade, passando da infância para a juventude: se não tomasse nenhum alimento nem o repouso do sono, não confirmaria assim uma opinião errônea e não daria a crer que de nenhum modo assumiu verdadeiramente a humanidade? E depois de ter feito tantos milagres iria privar-nos das riquezas da sua misericórdia?

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O lugar citado se entende do advento de Cristo no dia do juízo, como o expõe a Glosa a esse lugar.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Todos os homens deviam, para se salvarem, ser instruídos na graça de Deus Salvador. Não porém logo, no princípio da sua natividade, mas num tempo mais avançado, quando obrou a salvação no meio da terra. Por isso, depois da sua paixão e ressurreição, disse aos seus discípulos: Ide e ensinai a todas as gentes.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O juízo implica no conhecimento da autoridade do juiz; e por isso é necessário seja manifesto o advento de Cristo quando vier julgar. Ora, o seu primeiro advento foi para a salvação de todos, que se operam pela fé; e esta tem por argumento as coisas que não aparecem. Por isso o primeiro advento de Cristo devia ser oculto.