Art. 5 — Se Cristo, descendo aos infernos, dele livrou os Santos Patriarcas.

O quinto discute-se assim. — Parece que Cristo, descendo aos infernos, dele não livrou os santos Patriarcas.

1. — Pois, diz Agostinho: Ainda não pude descobrir em que a descida de Cristo aos infernos foi útil aos que estavam no seio de Abraão; pois, não vejo que jamais estivessem privados da presença beatifica da sua divindade. Ora, muito útil lhes teria sido se os tivesse livrado dos infernos. Logo parece que Cristo não livrou os santos Patriarcas, dos infernos.

2. Demais. — Ninguém é retido no inferno senão por causa de pecado. Ora, os santos Patriarcas, enquanto viviam, foram justificados do pecado pela fé de Cristo. Logo, não precisavam de ser libertos do inferno, pela descida de Cristo a esse lugar.

3. Demais. — Removida a causa, removido fica o efeito. Ora, a causa da descida aos infernos é o pecado que foi removido pela Paixão de Cristo, como se disse. Logo, a descida de Cristo ao inferno não livrou dele os santos Patriarcas.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Cristo, quando desceu aos infernos, quebrou a porta e as trancas infernais e libertou todos os justos, que estavam encarcerados em virtude do pecado original.

SOLUÇÃO. — Como dissemos Cristo, descendo aos infernos, operou em virtude da sua Paixão. Ora, a Paixão de Cristo liberou o gênero humano, não só do pecado, mas também do reato da pena, como se disse. Ora, de dois modos os homens estavam adstritos ao reato da pena: pelo pecado atual, que todos pessoalmente cometeram, e pelo pecado de toda a natureza humana, que se transmitiu originalmente dos primeiros Pais a todos, como diz o Apóstolo. E desse pecado a pena é a morte do corpo e a exclusão da vida da glória, conforme resulta do que refere a Escritura; pois, Deus expulsou o homem do Paraíso, depois do pecado, a quem, antes do Pecado, fora cominada a morte, se pecasse. Por isso Cristo, descendo aos infernos, em virtude da sua Paixão livrou os santos Patriarcas desse reato pelo qual estavam excluídos da vida da glória de modo a não poderem ver a Deus em essência, no que consiste a perfeita beatitude do homem, como dissemos na Segunda Parte. Ora, os santos Patriarcas estavam detidos no inferno por não lhe ser franqueada a vida da glória, por causa do pecado dos nossos primeiros Pais. E assim Cristo, descendo aos infernos, deles livrou os santos Patriarcas. E tal é o que diz a Escritura: Tu também pelo sangue do teu testamento fizeste sair os teus presos do lago em que não há água. E o Apóstolo: Despojando os principados e potestades, isto é, infernais; e livrando, como comenta a Glosa a esse lugar, Abraão, Isaac, Jacó e os demais justos, transportou-os, isto é, conduziu-os para o céu, longe desse reino das trevas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — No lugar referido Agostinho se dirige contra certos que pensavam estarem os justos antigos antes do advento de Cristo, sujeitos às dores das penas, no inferno. Por isso, pouco antes das palavras citadas, tinha dito: Certos acrescentam, que foi concedido também aos antigos santos, o benefício de ficarem livres das suas dores, quando o Senhor desceu aos infernos. Mas eu por mim não vejo de que modo se possa compreender, que sofresse as referidas dores Abraão, em cujo seio foi também recebido o pobre do Evangelho. Por isso, o que depois acrescenta, que ainda não pode descobrir em que a descida de Cristo aos infernos fosse útil aos referidos justos, devemos entendê-la quanto ao livramento das dores das penas. Isso porém lhes aproveitou para alcançarem a glória; e por consequência libertou-os da dor que sofriam pelo diferimento dessa glória. Cuja esperança porém lhes causava grande alegria, segundo aquilo do Evangelho: Vosso pai Abraão desejou ansiosamente ver o meu dia. E por isso acrescenta Agostinho: Não vejo que Cristo tivesse jamais se afastado dele pela presença beatifica da sua divindade: Isto é, porque antes do advento de Cristo já eram bem-aventurados em esperança, embora ainda não o fossem perfeitamente na realidade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os santos Patriarcas, enquanto ainda viviam, foram liberados por Cristo de todo pecado, tanto original, como atual, e do reato da pena dos pecados atuais. Mas não do reato da pena do pecado original, pelo qual ficavam excluídos da glória, porque ainda não estava pago o preço da redenção humana. Assim como agora os fiéis de Cristo são liberados pelo batismo do reato dos pecados atuais, e do reato do original, quanto à exclusão da glória. Mas ainda ficam ligados ao reato do pecado original, quanto à necessidade de sofrerem a morte do corpo. Porque são renovados em espírito, mas não na carne, segundo aquilo do Apóstolo: O corpo verdadeiramente está morto pelo pecado, mas o espírito vive pela justificação.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Logo que Cristo morreu, a sua alma desceu ao inferno e fez aproveitar o fruto da sua Paixão aos santos detidos nesse lugar. Embora daí não saísse enquanto Cristo se conservava no meio deles; pois a presença mesma de Cristo constituia-lhes o cúmulo da glória.