Art. 3 — Se depois do pecado, antes de Cristo, deviam existir sacramentos.

O terceiro discute-se assim. — Parece que depois do pecado, antes de Cristo, não deviam existir sacramentos.

1. — Pois, como se disse, pelos sacramentos a Paixão de Cristo é aplicada aos homens; e assim a Paixão de Cristo está para os sacramentos como a causa para o efeito. Ora, o efeito não precede a causa. Logo, não devia haver sacramentos antes do advento de Cristo.

2. Demais. — Os sacramentos devem ser convenientes ao estado do gênero humano, como está claro em Agostinho. Ora, o estado do gê­nero humano não mudou, depois do pecado, até a reparação feita por Cristo. Logo, nem os sacramentos deviam ser mudados de modo que além dos sacramentos da lei natural, outros fos­sem estatuídos, na lei de Moisés.

3. Demais. — Quanto mais uma coisa está próxima à perfeição, tanto mais se lhe deve assi­milar. Ora, a salvação humana, na sua perfei­ção, operou-a Cristo, de quem estavam mais pró­ximos os sacramentos da lei antiga do que os existentes antes da lei. Logo, deviam ser mais semelhantes aos sacramentos de Cristo. Entre­tanto, o contrário resulta da predição que o sa­cerdócio de Cristo havia de ser segundo a ordem de Melquisedeque e não segundo a ordem de Arão, como está no Apóstolo. Logo, antes de Cristo, os sacramentos não foram dispostos convenientemente.

Mas, em contrário diz Agostinho, que os primeiros sacramentos, celebrados e observados na vigência da lei, eram os prenúncios da vinda de Cristo. Ora, era necessário à salvação humana que fosse preanunciado o advento de Cris­to. Logo, era necessário que, antes de Cristo, certos sacramentos fossem instituídos.

SOLUÇÃO. — Os sacramentos são necessários à salvação humana, enquanto uns sinais sensí­veis de realidades invisíveis pelas quais o homem se santifica. Ora, ninguém pode ser santificado, depois do pecado, senão por Cristo, ao qual pro­pôs Deus para ser vítima de propiciação pela fé no seu sangue, a fim de manifestar a sua justi­ça, a fim de que ele seja achado justo e justifi­cador daquele que tem a fé de Jesus Cristo. Logo, era necessário que antes do advento de Cristo existissem certos sinais visíveis pelos quais o homem proclamasse a sua fé no futuro advento do Salvador. E esses sinais se chamam sacramentos. Por onde é claro que antes do advento de Cristo era necessário fossem insti­tuídos certos sacramentos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A Paixão de Cristo é a causa final dos sacramentos antigos, que alias, foram instituídos para a significar. Ora, a causa final não tem prece­dência no tempo, mas só na intenção do agente. Logo, não havia inconveniente em certos sacra­mentos terem existido antes da Paixão de Cristo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O estado do gênero humano, depois do pecado e antes de Cristo, pode ser considerado a dupla luz. – Primeiro, segun­do a natureza da fé. E então permaneceu sem­pre o mesmo, porque os homens eram justifica­dos pela fé no advento futuro de Cristo. – A outra luz pode ser considerado segundo a in­tenção e a remissão do pecado e o expresso co­nhecimento de Cristo. Pois no decurso dos tem­pos, de um lado o pecado começou a dominar cada vez mais o homem, porque obnubilando-lhe a razão, não bastavam ao homem, para viver retamente, os preceitos da lei da natureza, mas foi necessário se determinassem preceitos na lei escrita e, com estes, certos sacramentos da fé. E também de outro lado era necessário que, no decorrer dos tempos, mais se desenvolvesse o conhecimento da fé; pois como diz Gregório, no suceder-se dos tempos teve maior incremento o conhecimento divino. E por isso também foi necessário que, na lei antiga, fossem determina­dos certos sacramentos da fé, que tinham no futuro advento de Cristo. Os quais estão para 03 sacramentos anteriores à lei, como o deter­minado para o indeterminado. Porque, antes da lei, não foi prefixado determinadamente ao ho­mem de que sacramentos usasse como o foi pela lei. O que era necessário, tanto pelo entenebrecimento da lei natural como para ser mais determinada a significação da fé.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O sacramento de Melquisedeque, anterior à lei, mais se asseme­lhava ao sacramento da lei nova pela matéria; isto é, porque oferecia pão e vinho, como está na Escritura; assim como também o sacrifício do Novo Testamento se perfaz pelo oferecimento do pão e do vinho. Ao passo que os sacramentos da lei Mosaica mais se assemelham à realidade sig­nificada pelo sacramento, isto é, a Paixão de Cristo, como é claro no caso do cordeiro pascoal e ou­tros semelhantes. E isto assim a fim de que se, na continuidade do tempo, permanecesse a mesma espécie de sacramentos, concluir-se-ía pela continuação do mesmo sacramento.