Art. 3 — Se a união do Verbo encarnado se fez no suposto ou na hipóstase.

O terceiro discute-se assim. — Parece que a união do Verbo encarnado não se fez no suposto, mas, na hipóstase.

1. — Pois, diz Agostinho: Tanto a substância divina como a humana são o Filho único de Deus; mas uma pelo Verbo, a outra pelo homem. E Leão Papa também diz: Um destes refulge pelos milagres e o outro sucumbe pelas injúrias. Ora, dois seres entre si diferentes diferem pelo suposto. Logo, a união do Verbo .encarnado não se fez no suposto.

2. Demais. — A hipóstase não é senão uma substância particular, como diz Boécio. Ora, é manifesto que em Cristo há outra substância particular além da hipóstase do Verbo, isto é, o corpo, a alma e o composto deles. Logo, em Cristo há outra hipóstase além da hipóstase do Verbo.

3. Demais. — A hipóstase do Verbo não está contida em nenhum gênero nem espécie como resulta do que se disse na Primeira Parte. Ora, Cristo, enquanto feito homem, está contido na espécie humana. Pois, diz Dionísio: Encerrou-se nos termos da nossa natureza aquele que excede sobreeminente e totalmente toda a ordem da natureza. Ora, não estaria ele contido na espécie humana se não fosse uma determinada hipóstase dessa espécie. Logo, em Cristo há outra hipóstase além da hipóstase do Verbo. E assim, a mesma conclusão que antes.

Mas, em contrário, diz Damasceno: Em Nosso Senhor Jesus Cristo reconhecemos duas naturezas, mas uma só hipóstase.

SOLUÇÃO. — Certos, ignorando a relação da hipóstase com a pessoa, embora concedam que há em Cristo uma só pessoa, ensinaram contudo ser uma a hipóstase de Deus e outra, a do homem, como se a união fosse feita na pessoa e não na hipóstase. O que é uma doutrina errônea, por três razões.

Primeiro, porque a pessoa não acrescenta à hipóstase senão uma natureza determinada, isto é, racional, e por isso Boécio diz, que a pessoa é uma substância individual de natureza racional. Por onde, o mesmo é atribuir uma hipóstase própria à natureza humana de Cristo, que uma pessoa própria. E assim o entendendo, os santos Padres, condenaram ambas essas doutrinas no Quinto Concílio celebrado em Constantinopla. E determinaram: Quem pretender introduzir no mistério de Cristo duas substâncias ou duas pessoas, esse seja anátema; pois, a santa Trindade não sofre nenhum acréscimo de pessoa ou de subsistência, depois de encarnado o uno Verbo de Deus, da santa Trindade. Ora, a subsistência é idêntica ao seu subsistente, o que é próprio da hipóstase, como está claro em Boécio.

Segundo, porque dado que a pessoa faça algum acréscimo à hipóstase, no que se possa fazer a união, isso não seria senão uma propriedade pertinente à dignidade. E por isso certos dizem, que a pessoa é a hipóstase distinta pela propriedade e pertinente à dignidade. Se, portanto, a união fosse feita na pessoa e não na hipóstase, seria consequência que não se teria feito a união senão segundo uma certa dignidade. E isto foi, com a aprovação do Sínodo Efesino, condenado por Cirilo, nestas palavras: Quem, no Cristo uno, dividir as subsistências, depois de adunadas copulando­ as por uma união fundada numa certa dignidade, autoridade ou potência, e não antes, pelo concurso fundado na adunação natural – esse seja anátema.

Terceiro, porque tanto é hipóstase aquela a que são atribuídas as operações e as propriedades da natureza, como aquela a que é atribuído o que concreta e essencialmente pertence à natureza. Assim, dizemos que este homem determinado é um suposto, porque se supõe aquilo que pertence ao homem, disso recebendo a predicação. Se, portanto houver outra hipóstase em Cristo, além da hipóstase do Verbo, resulta que se verificará de algum outro ser, que não o Verbo, o que pertence ao homem; como, o ter nascido de uma Virgem, o ter sofrido, sido crucificado e sepultado. Mas esta doutrina também foi condenada, com a aprovação do Concílio Efesino. com estas palavras: Quem, às duas pessoas ou subsistências, de que falam as Escrituras Evangélicas e Apostólicas, atribui as expressões aplicadas pelos santos a Cristo, ou que ele a si mesmo se atribuir; e aplicar certas dessas expressões a Cristo enquanto homem, sem se referir ao que é especialmente considerado como Verbo proveniente de Deus; e certas outras como atribuídas a Deus, como sendo o Verbo, de Deus Padre, seja anátema.

Por onde, é claro é uma heresia já primitivamente condenada, dizer que em Cristo há duas hipóstases ou dois supostos, ou que a união não foi feita na hipóstase ou no suposto. Donde o ler-se no mesmo Sínodo: Quem não confessar que o Verbo, de Deus Padre, se uniu à carne, segundo a subsistência, e que Cristo faz um mesmo ser com a sua carne, sendo ao mesmo tempo Deus e homem – seja anátema.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Assim como uma diferença acidental causa uma alteração no sujeito, assim, uma diferença essencial o torna outro, Pois, é manifesto que a alteração proveniente de uma diferença acidental pode, nas causas criadas, pertencer à mesma hipóstase ou ao mesmo suposto, porque a identidade numérica pode ser substrato de diversos acidentes; mas não é possível nas coisas criadas, que a identidade numérica possa subsistir em diversas essências ou naturezas Por onde, assim como as alterações numa criatura não significam diversidade de suposto, mas só diversidade de formas acidentais; assim quando dissermos de Cristo tal causa e tal outra, isso não implica diversidade de suposto ou de hipóstase, mas, diversidade de naturezas. Por isso diz Gregório Nazianzeno: O Salvador subsiste em tal causa e tal outra, sem ser contudo um e outro. Digo tal causa e tal outra, contrariamente ao que há na Trindade; pois, referindo-nos a este mistério, dizemos um e outro, para não confundir as subsistências, e não dizemos tal causa e tal outra.

RESPOSTA À SEGUNDA — A hipóstase significa uma substância particular, não de qualquer modo, mas enquanto existente no seu complemento. Mas, quando entra na união de um ser mais completo, como se dá com as mãos e os pés, já não se chama hipóstase. E semelhantemente, a natureza humana em Cristo, embora seja uma substância particular, como porém entra na união de um ser completo, isto é, de Cristo na sua totalidade, enquanto Deus e homem, não pode chamar-se hipóstase ou suposto; mas é esse ser completo, para o qual concorre, que se chama hipóstase ou suposto.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Na ordem da criação, uma coisa singular não entra no gênero ou na espécie, em razão do que a ela lhe pertence à individuação, mas, em razão da natureza, determinada pela forma; pois, a individuação das coisas compostas é fundada, antes, na matéria: Por onde, devemos dizer que Cristo pertence à espécie humana, em razão da natureza assumida, e não em razão da hipóstase, em si mesma.