Art. 2 — Se a humanidade de Cristo deve ser adorada por adoração de Iatria.

O segundo discute-se assim. — Parece que a humanidade de Cristo não deve ser adorada por adoração de latria.

1. — Pois aquilo da Escritura: Adorai o escabelo de seus pés porque éle é santo – diz a Glosa: A carne assumida pelo Verbo de Deus nós a adoramos sem nenhuma impiedade; pois, ninguém lhe come espiritualmente a carne, antes de adorá-la; mas não me refiro à adoração de latria, devida só ao Criador. Ora, a carne de Cristo é parte da sua humanidade. Logo, a humanidade de Cristo não deve ser adorada com adoração de latria.

2. Demais. — O culto de latria a nenhuma criatura é devido; pois, os Gentios foram reprovados porque adoraram e serviram à criatura, no dizer do Apóstolo. Ora, a humanidade de Cristo é uma criatura. Logo, não deve ser adorada com adoração de latria

3. Demais. — A adoração de latria é devida a Deus como reconhecimento do seu domínio máximo, segundo a Escritura: Adorarás ao Senhor teu Deus e só a ele servirás. Ora, Cristo enquanto homem é menor que o Pai. Logo, a sua humanidade não deve ser adorada com adoração de latria.

Mas, em contrário, Damasceno diz: É adorada a carne de Cristo, depois de encarnado o Verbo de Deus, não em si mesma, mas pelo Verbo de Deus a ela hipostaticamente unido. E aquilo da Escritura — Adorai o escabelo de seus pés — diz a Glosa: Quem adora o corpo de Cristo não olha para a terra, mas antes aquele de quem é o escabelo, em honra do qual adora o escabelo. Ora, o Verbo encarnado é adorado por adoração de latria. Logo, também o seu corpo ou a sua humanidade.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, a honra da adoração propriamente é devida à hipóstase subsistente; contudo a razão da honra pode ser o que não é subsistente, por causa do que é honrado o seu sujeito. E assim de dois modos podemos entender a adoração da humanidade de Cristo. Primeiro, que lhe pertença, como ao ser adorado. E portanto, adorar a carne de Cristo não é senão adorar o Verbo de Deus encarnado; assim como adorar a veste do rei não é senão adorar o rei vestido. E, desse modo, a adoração da humanidade de Cristo é uma adoração de Iatria. – Em segundo lugar, podemos entender a adoração da humanidade de Cristo, que lhe é tributada em razão de ser ela perfeita, por todos os dons da graça. E então a adoração da humanidade de Cristo não é uma adoração de latria; mas de dulia; de modo que a mesma pessoa una de Cristo seja adorada por adoração de latria, por causa da sua divindade; e por adoração de dulia por causa da perfeição da sua humanidade. Nem há nisso incongruência, porque a Deus Padre é devida a honra de latria por causa da divindade, e a honra de dulia por causa do domínio com que governa a criatura. Por isso, àquilo da Escritura — Senhor Deus meu, em ti esperei — diz a Glosa — Deus de todos, pelo poder, a quem é por isso devida a dulia; Deus de todos pela criação, a quem é devida então a latria.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A Glosa citada não devemos entendê-la como significando, que deva a carne de Cristo ser adorada separadamente da sua divindade; pois, isso seria possível somente se não fosse uma mesma a hipóstase de Deus e do homem. Mas como diz Damasceno, se separamos, com penetração de inteligência, o que é visto, do que é compreendido, não deve ser adorado como criatura, isto é, com adoração de latria. E então, assim entendida, como separada do Verbo de Deus, é lhe devida a adoração de dulia; não qualquer, por exemplo, a prestada às outras criaturas; mas uma de mais excelência, chamada hiperdulia.

DONDE também se deduz a RESPOSTA À SEGUNDA E À TERCEIRA OBJEÇÕES. — Porque a adoração de latria não é prestada à humanidade de Cristo em razão dela mesma, mas em razão da divindade, a que está unidade, pela qual Cristo não é menor que o Pai.