Art. 1 ─ Se há homens que julgarão com Cristo.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que ninguém julgará com Cristo.

1. ─ Pois, o Evangelho diz: O pai deu ao Filho todo o juízo, a fim de que etc. Ora, uma tal honorificência não é devida senão a Cristo. Logo, etc.

2. Demais. ─ Quem julga tem autoridade sobre o julgado. Ora, os méritos e os deméritos, objeto do juízo final, só a autoridade divina o pode apreciar. Logo, ninguém poderá julgar em tal matéria.

3. Demais. ─ O juízo final não se processará oralmente, mas mentalmente, como é mais provável pensar. Ora, o serem os méritos e os deméritos conhecidos de todos, que é como acusar e glorificar; e a retribuição da pena ou do prêmio, que é como o proferir a sentença, tudo isso só por divino poder se fará. Logo, só Cristo, que é Deus, será o julgador.

Mas, em contrário, o Evangelho: Vós estareis sentados sobre doze tronos e julgareis as doze tribos de Israel.

2. Demais. ─ A Escritura diz: O Senhor entrará em juízo com os anciãos do seu povo. Logo, parece que também outros julgarão com Cristo.

SOLUÇÃO. – A palavra julgar é susceptível de muitos sentidos.

Assim, em sentido causal dizemos que julga a causa pela qual alguém deve ser julgado. E, nesta acepção, dizemos que alguém julga, por comparação, enquanto certos devem ser julgados por comparação com outros. Tal o lugar do Evangelho: Os habitantes de Nínive se levantarão no dia de juízo com esta geração e a condenarão. E assim, julgar, no juízo final, tanto o poderão os bons como os maus.

Noutro sentido, empregamos a palavra julgar interpretativamente. Pois, por interpretação, julgamos que faz uma cousa quem consente com aquele que a faz. Dai o dizermos que quem aprova a sentença de Cristo, consentindo nela, julga com Cristo. E nesta acepção, todos os eleitos julgarão; e por isso diz a Escritura ─ Os justos julgarão as nações.

Em terceiro sentido, empregamos o vocábulo julgar por semelhança; assim, dizemos que julga quem, sentando-se num lugar elevado, como o juiz, com ele se assemelha; e nesta acepção, dizemos que os assessores julgam. Deste modo também dizem uns, que os varões perfeitos, a quem o Evangelho promete o poder judiciário, julgarão, por ocuparem um lugar honroso; porque aparecerão superiores aos outros no juízo acorrendo ao encontro de Cristo no ar.

Nada disto basta porém para a execução da promessa do Senhor, quando disse: Vós estareis sentados e julgareis; pois, o juízo é mais que o assentar-se um em lugar eminente.

Há, pois, um quarto modo de julgar, apropriado aos varões perfeitos, que julgarão por trazerem gravados em si os decretos da justiça divina, pelos quais os homens serão julgados; tal como se disséssemos que julga o livro onde esta contida a lei. Donde a expressão da Escritura: O juiz estará sentado e os livros estão abertos. E é neste sentido que Ricardo Vitorino explica a judicatura de que se trata. São suas palavras: Os que se entregam à contemplação divina, os que todos os dias lêem no livro da sabedoria, transcrevem nas páginas do seu coração tudo o que de, verdade perceberam na agudeza da sua inteligência. E mais adiante: Que são os corações desses homens, a quem Deus ensinou todas as verdades, senão uns como decretos canônicos?

Mas como julgar implica um ato que tem um terceiro por objeto, por isso, propriamente falando, dizemos que julga quem profere uma sentença contra outrem. O que de dois modos pode ser. ─ Primeiro, por autoridade própria, quando se trata de quem tem domínio e poder sobre os outros e de quem estes, que são os julgados, dependem, sendo por isso que pode exercer a justiça sobre eles. E neste sentido julgar só a Deus pertence. ─ De outro modo julgar é levar ao conhecimento dos outros, publicando-a, a sentença proferida por autoridade de outrem. E neste sentido os varões perfeitos julgarão, porque darão aos demais o conhecimento da divina justiça, para saberem o que justamente pelos seus méritos lhes é devido; e então juízo se chama a própria manifestação da justiça. Donde o dizer Ricardo Vitorino: O abrirem os juízes os livros dos seus decretos aos que devem julgar é permitir aos seus inferiores, quaisquer que sejam, ler-lhes no íntimo do coração e revelar-lhes o seu pensamento no concernente ao juízo que devem proferir.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A objeção procede; quanto ao juízo por autoridade própria, que só a Cristo compete. E o mesmo se deve responder à segunda.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Não há inconveniente em uns santos fazerem certas revelações a outras ─ ou a modo de iluminação, como os anjos superiores iluminam os inferiores; ou a modo de locução, como os inferiores falam aos superiores.