Art. 1 ─ Se os bem-aventurados na pátria verão as penas dos condenados.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que os bem-aventurados na pátria não verão as penas dos condenados.

1. ─ Pois, maior distância há entre os condenados e os bem-aventurados que entre eles e os que vivemos neste mundo. Ora, os bem-aventurados não sabem o que se passa conosco nesta vida; donde o dizer a Escritura ─ Abraão não nos conheceu, o que a Glosa assim comenta: Não sabem os mortos, mesmo santos, o que fazem os vivos, mesmo sendo filhos. Logo, muito menos verão as penas dos condenados.

2. Demais. ─ A perfeição da visão depende da perfeição do visível. Por isso diz o Filósofo: A operação mais perfeita da vista se realiza quando esse sentido está na sua melhor disposição para perceber os objetos mais belos que estiverem ao seu alcance. Logo e ao contrário, um objeto visível mas vil redunda em imperfeição da visão. Ora, nenhuma imperfeição existirá nos bem-aventurados. Logo, não verão as misérias dos condenados, de suma vileza.

Mas, em contrário, a Escritura: Eles sairão e verão os cadáveres dos homens que prevaricaram contra mim. Ao que diz a Glosa: Os eleitos sairão, pelo pensamento ou por uma visão manifesta, a fim de mais ardentes se tornarem em dar louvor a Deus.

SOLUÇÃO. – Os bem-aventurados não devem ficar privados de nada que lhes contribua para a perfeição da felicidade. Ora, conhecemos melhor uma cousa quando a comparamos com a sua contrária; porque os contrários postos em presença uns dos outros mais sobressaem. Por onde, para a beatitude dos santos lhes causar maior alegria e darem por ela maiores graças a Deus, é-lhes concedido conhecerem perfeitamente a pena dos ímpios.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A Glosa citada se refere aos santos mortos, no que lhes é possível à natureza; pois, não hão mister de conhecer, por um conhecimento natural, tudo o que se passa com os vivos. Mas os santos que estão na pátria conhecem claramente tudo o que se passa conosco neste mundo e com os condenados. Por isso diz Gregório: Não devemos aplicar às almas santas aquele lugar de Job ─ Ou os seus filhos estejam exaltados ou abatidos, ele os não conhecerá, etc.; pois, os que no céu gozam da claridade de Deus de nenhum modo devemos crer que haja fora da mansão celeste algo que ignorem.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora a beleza do objeto visível contribua para a perfeição da visão, a vileza porém desse objeto pode não contribuir em nada para a imperfeição dela. Pois, na alma, as espécies das cousas, pelas quais conhece os contrários, não são contrárias. Por isso também Deus, que tem o perfeitíssimo dos conhecimentos, vê tudo ─ tanto as cousas belas como as vis.