Art. 2 ─ Se dote é o mesmo que beatitude.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que dote é o mesmo que beatitude.

1. ─ Pois, como resulta da definição anterior do dote, o dote é um ornato do corpo e da alma, que dura perpetuamente, na eterna beatitude. Ora, a beatitude da alma é um ornato dela. Logo, a beatitude é um dote.

2. Demais. ─ O dote é o meio de a esposa se unir aprazívelmente ao esposo. Ora, tal é a beatitude do matrimônio espiritual. Logo, a beatitude é um dote.

3. Demais. ─ A visão, segundo Agostinho, é a substância total da beatitude. Ora, a visão é considerada como um dos dotes. Logo, a beatitude é um dote.

4. Demais. ─ O gozo torna feliz. Ora, o gozo é um dos dotes. Logo, dote é a beatitude.

5. Demais. ─ Segundo Boécio, a felicidade é um estado perfeito pela reunião de todos os bens. Ora, o estado dos bem-aventurados se completa pelos dotes. Logo, os dotes são partes da beatitude.

Mas, em contrário. ─ O dote é dado sem méritos. Ora, a beatitude não é dada, mas é uma recompensa pelos méritos. Logo, dote não é a beatitude.

2. Demais. ─ A beatitude é uma só, ao passo que os dotes são vários. Logo, a beatitude não é dote.

3. Demais. ─ A beatitude o homem a goza pelo que tem de mais elevado, como diz Aristóteles. Ora, de dote também é susceptível o corpo. Logo, dote e beatitude não são o mesmo.

SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria há uma dupla opinião.

Certos pretendem que beatitude e dote são realmente idênticos, mas diferem pelo conceito racional; porque o dote concerne o matrimônio espiritual entre Cristo e a alma; não porém a beatitude. ─ Mas isto é indefensável, como é fácil compreender; pois, ao passo que a beatitude consiste numa operação, o dote não é nenhuma operação, mas antes, uma qualidade ou disposição.

Por isso dizem outros, que beatitude e dote diferem também realmente, chamando-se beatitude o ato perfeito, em si mesmo, pelo qual a alma bem aventurada se une a Deus; ao passo que se denominam dotes os hábitos, disposições ou quaisquer outras qualidades, ordenados a esse ato perfeito. De modo que os dotes antes se ordenam à beatitude do que se incluem nela como partes.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A beatitude, propriamente falando, não é um ornato da alma, mas algo procedente do ornato da alma, pois, é um ato; ao passo que ornato se chama um certo adorno do bem-aventurado.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A beatitude não se ordena à união, mas é a união mesma da alma com Cristo, mediante um ato. Ao passo que os dotes são dons que dispõem para essa união.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Uma visão pode ser apreciada à dupla luz. ─ Primeiro, atualmente, i. é, como o ato mesmo da visão. E assim o dote não é visão, mas é a própria beatitude. ─ Noutro sentido, pode ser tomado habitualmente, i. é, como um hábito de que deriva o ato referido; ou pelo esplendor mesmo da glória com que Deus ilumina a alma para que o possa contemplar. E então o dote é o princípio da beatitude, mas não é a beatitude mesma.

E o mesmo devemos responder à quarta objeção a respeito do gozo.

RESPOSTA À QUINTA. ─ A beatitude é a reunião de todos os bens, não como partes essenciais dela, mas como de certo modo ordenados para ela.