Art. 1 ─ Se deve haver a ordem na Igreja.

O primeiro discute-se assim. – Parece que a ordem não deve existir na Igreja.

1. ─ Pois, a ordem supõe uma distinção entre inferior e superior. Ora, a sujeição repugna à liberdade à qual fomos chamados por Cristo. Logo, não deve haver a ordem na Igreja.

2. Demais. ─ Quem está constituído na ordem se torna superior a quem não o está. Ora, na Igreja todos nos devemos considerar inferiores um aos outros, conforme àquilo do Apóstolo: Tendo cada um aos outros por superiores. Logo, não deve na Igreja haver a ordem.

3. Demais. ─ Há ordem entre os anjos por causa da distinção que há neles entre bens naturais e da graça. Ora, todos os homens tem a mesma natureza; e quanto aos dons da graça, ninguém sabe quem os tem mais eminentes. Logo, na Igreja não deve haver a ordem.

Mas, em contrário. ─ O Apóstolo diz: As causas de Deus são ordenadas. Ora, a Igreja é de Deus, pois ele próprio a edificou com o seu sangue. Logo, deve haver a ordem na Igreja.

2. Demais. ─ O estado eclesiástico é um meio termo entre o estado da natureza e o da glória. Ora, há em a natureza uma ordem, pela qual uns seres são superiores aos outros; e do mesmo modo na glória, como se dá com os anjos. Logo, na Igreja deve haver a ordem.

SOLUÇÃO. ─ Deus quis fazer as suas obras semelhantes a si, na medida do possível, para que fossem perfeitas e pudesse ser ele conhecido por meio delas. Por isso, a fim de que as suas obras o representassem, não só como ele em si mesmo é, mas também enquanto influi nos outros seres, impôs a todos a lei natural de serem os últimos dirigidos e aperfeiçoados pelos médios, e os médios pelos primeiros, como diz Dionísio. Por onde, a fim de que essa beleza não faltasse à Igreja, introduziu nelas a ordem, de modo que uns ministrassem os sacramentos aos outros, assemelhando-se assim a Deus a seu modo, quase cooperadores dele, assim como na ordem natural certos membros influem nos outros.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A sujeição de escravidão repugna à liberdade, e consiste no domínio de alguém, que usa dos súditos para a sua utilidade. E tal sujeição não é a que a ordem exige, pela qual os superiores devem buscar a salvação dos seus subordinados e não a utilidade própria.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Cada um deve reputar-se interior pelo mérito e não pelo oficio. Ora, as ordens são uns ofícios.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A ordem, nos anjos não se funda em nenhuma distinção natural, senão por acidente, enquanto da distinção de natureza resulta neles a distinção da graça. Porque as ordens deles dependem da participação das perfeições divinas e da função do mesmo estado da glória, fundada na medida da graça e que é como um fim e de certo modo efeito da graça. Ao passo que as ordens da Igreja militante concernem à participação dos sacramentos e a comunicação deles, que são a causa da graça e de certo modo a precedem. E assim a graça necessariamente ligada à recepção dessas ordens não é precisamente a graça santificante, mas apenas o poder de dispensar os sacramentos. Por isso, a ordem não se funda nas distinções da graça santificante, mas na do poder.