Art. 1 ─ Se os que recebem a ordem devem viver uma vida santa.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que os que recebem a ordem não precisam de viver uma vida santa.

1. ─ Pois, a ordem dá o poder de dispensar os sacramentos. Ora, os sacramentos podem ser dispensados tanto pelos bons como pelos maus. Logo, não é necessário a santidade da vida.

2. Demais. ─ Não é maior o ministério, que desempenhar para com Deus quem confere os sacramentos, que o que tivesse por objeto a própria pessoa divina. Ora, de lhe prestar um ministério material Deus não impediu a mulher pecadora e infame, como lemos no Evangelho. Logo, tais pessoas como essa não devem ser impedidas de ministrar os seus sacramentos.

3. Demais. ─ Toda graça é um remédio contra o pecado. Ora, a quem esta em pecado não se lhe deve negar remédio que lhe possa valer. Logo, como o sacramento da ordem confere a graça, parece que deve ser conferido também aos pecadores.

Mas, em contrário. ─ A Escritura diz: Um homem da linhagem de Arão, que tiver deformidade, não oferecerá pães ao seu Deus, nem se chegará ao seu ministério. Ora, por deformidade, segundo a Glosa, se entende qualquer vício. Logo, quem anda enredado em algum vício não deve ser admitido ao ministério da ordem.

2. Demais. ─ Jerônimo diz: Não somente os bispos, os presbíteros e os diáconos devem pôr grande estudo em ser modelos, por palavras e obras, do rebanho que dirigem, mas devem ainda vigiar que assim também sejam os de ordens inferiores e que desempenham o serviço de Deus. Porque é um enorme mal para a Igreja o fato de serem os leigos melhores que os clérigos. Logo, todas as ordens requerem a santidade de vida.

SOLUÇÃO. ─ Diz Dionísio: As essências mais subtis e mais puras, quando imbuídas das emanações dos raios solares, derramam como outros tantos sóis sobre os corpos circunjacentes o esplendor da luz, que em grau eminente receberam. Assim, em todo ministério divino não nutra ninguém a presunção de se arvorar em guia dos outros, que não se tenha tornado o mais possível conforme e semelhante a Deus, pelo conjunto da sua vida. Por onde, como qualquer ordem constitui quem a recebe chefe dos outros, em matéria religiosa, por presunçoso pecaria mortalmente quem fosse recebê-las com a consciência de pecado mortal. Por isso, a santidade da vida a ordem a exige como necessidade de preceito. Mas não para a validade do sacramento. Portanto, quem recebeu a ordem com más disposições não deixa por isso de a ter, embora pecaminosamente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Assim como verdadeiros sacramentos são os que o pecador dispensa, assim também recebe verdadeiramente o sacramento da ordem.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O ministério referido consistia na prestação de serviços materiais, que também os pecadores podem licitamente prestar. Diferente porém é o que se passa com o ministério espiritual, a que se aplicam os ordenados; porque esse os torna medianeiros entre Deus e o povo, e por isso devem brilhar pela boa consciência na presença de Deus, e pela boa fama, no meio dos homens.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Certos remédios exigem uma robustez natural, do contrário seriam tomados com perigo da vida. Outros porém podem ser dados aos fracos. Assim também na ordem espiritual, certos sacramentos são ordenados como remédio do pecado; e esses devem ser ministrados aos pecadores, como o batismo e a penitência. Mas os que conferem uma perfeição supõem que quem a recebe é confirmado pela graça.